Quando cheguei a Setúbal, que pensava ser mais uma etapa para a outra margem (Lisboa) compelido pelas minhas obrigações profissionais de professor, já a minha filha tinha nascido. As creches escasseavam e os jardins de infância só recebiam crianças a partir dos três anos. A Academia Luísa Todi, não era excepção, e aí levei a primeira recusa. Com a situação a complicar-se, voltei uma segunda vez (a menina vinha comigo, pois não conhecia ninguém em Setúbal que pudesse ficar com ela) e enfrentei a Sr.ª Directora. Uma troca breve de palavras confirmando o regulamento e perante o meu ar desalentado, uma pergunta directa deixou-me uma réstia de esperança: ”a menina já se controla?” (obviamente percebi a que se referia). A minha resposta foi espontânea e sincera: Sim, completamente. “Bom, então ela que venha amanhã, fica à experiência”. Maria Adelaide Rosado Pinto era assim, decidida, compreensiva, sem alardes.
Uma dessas ocasiões, ocorreu nos primeiros anos da década de 80, quando por sugestão do ministro Coimbra Martins, assumidamente francófono, algumas terras do País começaram a comemorar a Festa da Música, a 21 de Junho. Por essa altura, conversas entre amigos, fez-nos convergir em organizar, numa iniciativa conjunta entre a Academia Luísa Todi e a SALPA – Associação Para a Salvaguarda do Património Cultural e Natural da Região de Setúbal, os Concertos de Junho, durante três anos consecutivos e que constituíram na altura uma verdadeira pedrada no charco no panorama cultural da cidade. Muitos dos músicos, ainda hoje em actividade, aí tiveram o seu “baptismo de palco”.
Foi já neste ambiente que surgira a ideia da constituição de uma Associação de Canto de Setúbal para a qual me solicitou como advogado e voluntariamente que elaborasse os estatutos de acordo com a sua visão e, consequentemente, desenvolvesse o processo da sua legalização junto das entidades públicas (ela Presidente da Direcção e eu da Mesa da Asssembleia Geral).
Uma vez constituída, solicitou-me “que a acompanhasse ao Ministério da Cultura”. Lá fomos os dois, mal sabia eu para quê. Como os responsáveis do Ministério ouvi, boquiaberto, a sua intenção de organizar o “Concurso Internacional de Canto Luísa Todi” para o que vinha pedir apoio. Assim, sem mais.
Habituado a ouvir propostas mirabolantes o responsável ministerial, que já me conhecia do patrocínio que dera aos Concertos de Junho, aproveitou uma pausa em que Maria Adelaide se ausentara por breves instantes, para me confidenciar “Tem bócio, não tem? – referindo-se-lhe. Perante a minha estranheza, ele acrescentou logo “Sabe, é que o bócio gera agitação, euforia…( Hiperactividade, como diríamos hoje). E em jeito de desabafo e ironia, acrescentou: “Que falta que pessoas como ela fazem no meu departamento!”
A admiração por Maria Adelaide Rosado Pinto era evidente. Creio que acabaria mais tarde por apoiar esta iniciativa, que durou, com apoios da autarquia, entre 1990 e 1993, organizado pelo Conservatório de Música de Setúbal, cuja “alma mater” fora também ela. Pianista e professora de piano, uma mulher de ideias e acção. Fez bem a LASA em homenageá-la no 20º aniversário da sua morte. Sempre solidária e disponível, sempre presente na cultura de Setúbal no século XX. Como esquecê-la? Até sempre Maria Adelaide.
