Não se revela qualquer segredo quando se diz que os portugueses já tiveram uma visão mais positiva sobre a justiça e os seus aplicadores. Assim como, não é segredo dizer que o conhecimento não está todo nos livros, ou seja, o verdadeiro aprendizado emerge da harmónica conjugação entre o que aprendemos na escola e na realidade prática.
A verdade é que, se questionarmos qualquer jurista, após sair da universidade, munido do seu canudo, sobre como resolver qualquer “caso prático” cujo objeto seja o mais comum da praxis jurídica, por exemplo, a partilha de heranças, ele certamente irá saber resolver, invocando os melhores argumentos possíveis, apoiado pelas doutrinas dos grandes nomes da justiça portuguesa e internacional. Contudo, peçam ao mesmo jurista para elaborar uma procuração, ou seja, o documento jurídico mais básico e simultaneamente fulcral para fazer valer os direitos de quem quer defender, o mais provável é que não saiba por onde começar ou, irá apressadamente abrir o código civil à procura de resposta.
Foi neste sentido que, na busca por tal harmonia, após ter terminado a licenciatura, e tido a oportunidade de estagiar com uma exímia advogada, ao longo do meu percurso académico, decidi ter mais contacto com a prática jurídica, intentando a possibilidade de fazer um estágio no Tribunal de Setúbal junto do gabinete de Assessoria Jurídica e, mais tarde, com o Juiz-5, uma oportunidade atendida pelo Juiz Presidente António José Fialho.
Comecei por fazer busca de jurisprudência sobre os acidentes de trabalho no caminho ou na vinda do mesmo, isto é, “acidente in itinere”, sob a supervisão dos assessores. Acabando por me deparar com uma velha questão, “o porquê das decisões dos tribunais de primeira instância não serem publicadas, como já acontece com as decisões judiciais das outras instâncias?”. Infelizmente ainda não tive o prazer de ter essa dúvida completamente esclarecida, nem na universidade, nem no estágio. Ainda assim, pude ver o início dessa alteração, ao perceber que a mesma já começou a ser feita nos tribunais de Setúbal.
Na segunda fase estive junto de um Magistrado Judicial, analisando diversos processos e assistindo a julgamentos de crimes que, variavam desde a condução sem habilitação legal à violência doméstica. Contudo, tal contacto, apenas me comprovou a triste realidade, onde se chegavam a ter julgamentos apenas com a presença do defensor, do ministério público e do juiz. Sem a presença do arguido, ou seja, nem os próprios julgados se apresentavam para saberem se tinham sido condenados ou, até mesmo, se passariam a estar privados de um dos maiores bens do ser humano, a liberdade. Pese embora, também nenhum cidadão comum ter comparecido, os julgamentos são realizados à porta aberta, com o intuito de restaurar a confiança dos portugueses na justiça que é feita em seu nome.
Não querendo isto dizer que, a culpa do desinteresse pela justiça recai sobre a população portuguesa, pois, em certa medida, esta acaba por ser vítima das falhas do sistema, que lhe causam conjuntamente um sentimento de revolta e de indiferença, resultando, caricatamente, na indiferença sobre a revolta por parte de quem os governa. Levando ao mínimo dos esforços necessários que se vê nas alterações pífias ao sector da justiça, quase que para mostrar trabalho perante o empregador, que, vale a pena relembrar, é o povo.
À justiça não o basta ser, também tem de se fazer ver!
Um olhar sobre os tribunais de um recém-licenciado/estagiário
