26 Abril 2024, Sexta-feira
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Porque a linguagem educa o pensamento…

O direito a não ser discriminado pelo corpo que nos serve de casa, está consagrado na nossa Constituição, que veda a discriminação por sexo ou raça. Para descrever essas formas perversas de opressão pelo corpo, dispomos de categorias analíticas e discursivas: sexismo, no caso da discriminação por sexo; homofobia, no caso da discriminação pela orientação sexual; racismo, no caso da discriminação pela cor da pele ou etnia. No caso da deficiência, há uma ausência no léxico ativo da língua portuguesa. Esta nossa incapacidade discursiva é, por si só, um indicador da invisibilidade social e política deste fenómeno. Como descrever os resultados perversos da ideologia da normalidade sobre os corpos com algum tipo de deformação, deficiência ou incapacidade? Como nominar as expressões da desigualdade e opressão sofrida pelas pessoas com deficiência no mundo do trabalho, nas escolas, nos acessos, no desempenho dos vários papeis sociais e na vivencia das próprias relações interpessoais?

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Em Portugal começa-se, ainda que timidamente, a utilizar o termo “Capacitismo” para nos referirmos a discriminação de pessoas com deficiência. O termo é pautado na construção social de um corpo padrão perfeito denominado como “normal” e da subestimação da capacidade e aptidão das pessoas em virtude da sua funcionalidade.

A linguagem não é um acessório banal na nossa vida, também constrói e desconstrói a forma como equacionamos o mundo. É incontornável que a forma como falamos, escrevemos e nos comunicamos reproduza os nossos valores e crenças, então, muitos dos estereótipos que conhecemos são validados e perpetuados de forma quase inconsciente.

O capacitismo linguístico faz parte de todo sistema capacitista. O uso frequente deste tipo de linguagem mostra o quanto a nossa sociedade e cultura são capacitistas e reforça normas sociais que naturalizam a ofensa, abuso e a violência contra pessoas com deficiência.

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Dar uma conotação negativa a uma deficiência é mais comum do que parece, mas não devia ser. A linguagem “capacitista”, discriminatória para pessoas com deficiência, ocorre de modo muitas vezes inconsciente e já enraizado na nossa cultura, que estabelece padrões do que é belo e do que é perfeito. Sendo assim, o uso de expressões capacitistas não está restrito a uma classe social ou um nível educacional – é uma questão de herança cultural fossilizada e que deve ser conscientemente combatida.

Durante o debate do Orçamento de Estado, o Deputado Rui Rio utilizou a expressão “Uma geringonça em cadeira de rodas” para se referir ao Governo e aos partidos de esquerda. A minha abordagem à expressão nas redes sociais tornou-se viral e o próprio Rui Rio teceu-me um pedido de desculpa pelo uso desadequado da metáfora.

Sobre o caso em concreto, não se trata de qualquer manifestação de policiamento da linguagem ou de aproveitamento político já que nunca foi tecido qualquer comentário ao conteúdo do argumento utilizado pelo Sr. Deputado, critiquei sim, a utilização abusiva da deficiência como forma de ilustrar uma realidade que, segundo o mesmo, não está bem e necessita de mudança. Metáforas como esta apenas perpetuam os estereótipos associados às pessoas com deficiência enquanto pessoas incapazes e inferiores. Simplesmente, continuamos a ser demasiado fertéis em fazer uma associação permanente de incapacidade, incompetência, inaptidão ou apatia a deficiências. Ora é “autista”, quando não percebe algo, ora é “coxo”, quando está incompleta, ora é “atrasado” quando não tem o comportamento que esperamos, ora “já não tem pernas para andar”, quando está nos dias derradeiros.

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De uma vez por todas, as pessoas com deficiência não são inaptas, frágeis, incompletas nem moribundas, coisa que este tipo de declarações continua a validar. Já diz Hale que “Desmantelar estruturas capacitistas não começa com a linguagem, mas construir um mundo sem elas requer que mudemos nossa linguagem”.

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