29 Março 2024, Sexta-feira
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Na senda do triunfo possível ou enredados num gambito de dama?

Enquanto tomava o pequeno almoço na varanda do meu apaziguamento, o castelo de Palmela brilhava por entre as nuvens que o sol intermitente teimava em adornar. Rodeado de papéis e livros, que acumulavam um fino pó que desdenhosamente se infiltrara sem eu dar por isso, acabei por cobrar imerecida recompensa, como é uso quando nos debruçamos sobre o tempo e os objectos que ocupam o espaço. Era de um maltratado relatório da Organização Mundial de Saúde e lá constavam quatro linhas que, na altura, cinco anos atrás, haviam passado praticamente despercebidas. Era sobre o futuro (próximo) do planeta e rezava assim:

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«- O mundo pode estar à beira de uma nova pandemia.

– Todos os países serão afectados.

– Os medicamentos existentes serão desadequados.

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– Ocorrerá um grande número de óbitos.

– As perturbações económicas e sociais serão grandes.»

 

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Ou seja, as palavras de uma organização responsável, paga com o dinheiro de todos nós para velar pela nossa saúde, haviam sido olimpicamente ignoradas, mais a ocidente que a oriente, o que viria a revelar-se trágico nas suas consequências: milhões de seres humanos infectados, hospitalizados, falecidos. Apesar dos sinais e das advertências, a demora na resposta pouco ultrapassou o nível de controlo de uma peste medieval: fecho de fronteiras, e no interior de cada país, confinamento nas próprias casas, e atitude de desconfiança em relação ao outro. E assim permanece, entre altos e baixos, com o vírus adaptando-se e renascendo, cada vez mais infeccioso em cada nova reencarnação.

A boa, a excepcional noticia foi que, em menos de um ano, a comunidade científica mundial ter conseguido aprontar vacinas, que se apresentam uma evidência de eficácia, não conseguem fabricar-se em rapidez e quantidade quanto seria necessário para os países do norte, quanto mais para os do sul, cujo horizonte de cobertura que lhes conceda imunidade de grupo se projecta para um período não inferior a dois anos, e isto num pressuposto de que as vacinas existentes estão aptas a adaptar-se a todas as mutações possíveis do vírus.

 

Num mundo em que a Singularidade (conceito que vai ganhando cada vez mais terreno, recobrindo um mito ou a ambição de que a humanidade estará a preparar-se para um extraordinário salto tecnológico, alicerçado no impetuoso avanço da inteligência artificial) cativa cada vez mais recursos – embora de forma relativamente discreta –, e os automóveis sem condutor aparecem subitamente no catálogo de algumas das principais marcas de automóveis arregalando os olhos e a mente dos consumidores, deixou-se campo aberto ao nosso inimigo ancestral, porque, conforme sublinhou António Damásio: «conseguimos controlar a poliomielite, o sarampo e o VIH, e sabemos lidar com a gripe, mas os vírus continuam a ser uma das principais fontes de humilhação na ciência e na medicina.»

Em suma, a governança do mundo não fez o trabalho de casa e deixou que uma vez mais os vírus impusessem a sua lei durante demasiado tempo e, em boa verdade, desconhecemos ainda se verdadeiramente esta batalha estará em vias de ser ganha. E se assim for, a que preço de vidas humanas, de miséria económica, de novos pobres?

Arlindo Mota
Presidente da Uniseti
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