27 Abril 2024, Sábado
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Nem tanto ao mar nem tanto à terra

Nem tanto ao mar nem tanto à terra
Francisco Alves Rito - Director
Francisco Alves Rito – Director

Conciliar o que é nosso, do património natural e ambiental à economia tradicional local, com o progresso e desenvolvimento. Eis um princípio estruturante que deveríamos saber aplicar, tanto nas dragagens como a bater o pé a predadores do calibre da Svitzer

 

 

 

 

 

A propósito do especial que publicamos hoje sobre o Porto de Setúbal, há quatro notas que me ocorrem sobre o equilíbrio que esta expressão popular encerra e o bom senso aconselha.

 

1 – Travão à selvajaria global desnecessária

 

A ameaça à actividade portuária tradicional, no sentido de sadina – própria da terra e comprometida com a comunidade -, está bem patente no serviço de rebocadores ao Porto de Setúbal.

A entrada da Svitzer, multinacional dinamarquesa, está literalmente a rebentar economicamente com as duas empresas de rebocadores de Setúbal, que já anunciaram a iminência de encerramento.

Segundo dizem, os preços praticados pela Svitzer são abaixo de custo e predatórios.

E além da questão da concorrência – que é muito grave – há uma outra de grande interesse local, pelas implicações sócio-económicas, que é a ingenuidade habitual dos portugueses na protecção à economia nacional e local.

O facto de estarmos na União Europeia não nos impede de preservar melhor os nossos interesses e as nossas empresas. Veja-se, por exemplo, o caso de Espanha, que também é Estado membro da UE e onde a Svitzer não entra assim.

A multinacional, presente em meio-mundo, está-se marimbando para os específicos interesses sadinos e ainda mais para a comunidade setubalense. Alguém já viu a Svitzer ou outra multinacional na região distribuir bónus pelos trabalhadores, como faz a setubalense Lisnave? (Este ano não vai fazer, devido aos resultados fracos, mas distribui desde 2007).

Entretanto, a Svitzer, com a sua dimensão e relação privilegiada com os gigantes do tráfego marítimo, conduz os concorrentes locais à falência e ataca até a preocupação que a Lisnave tem tido de preferir as empresas locais de rebocadores. Sabe-se que a concorrência em regra é boa para o consumidor, mas não será este o caso, com a redução de preço aos navios. Mesmo para a atractividade internacional do porto não deve ser factor relevante.

É certo que o proteccionismo é perigoso e pode ser nocivo. Mas não o é menos uma postura de total e parola abertura. Deus manda-nos ser bons, mas não ser tolos.

 

 

 

2 – Gestão laboral sem ganancia e com lei

 

O bom senso passa ainda por a devida conciliação entre o interesse das empresas portuárias e os direitos dos trabalhadores. Neste domínio, não seria até necessário dependermos da consciência de quem quer que seja, porque está tudo previsto na lei. Mas até agora não funcionou. A realidade mostrou que a precariedade existente era vergonhosa, absolutamente desproporcionada e economicamente desnecessária.

E não é preciso, ao contrário do que diz Lídia Sequeira, que o porto cresça mais para deixar de haver tanta precariedade. Basta ter mão em certas empresas portuárias, como a Yilport (mais uma vez uma multinacional que está a açambarcar todos os portos nacionais), Sadopor e Navipor (maiores responsáveis pelo escândalo a que se chegou, por terem, através da Operestiva, 90% dos trabalhadores como precários, embora esses estivadores eventuais trabalhassem todos os dias, anos a fio).

 

 

 

3 – Um porto para a região

 

Um penúltimo aspecto – no fundo prévio aos demais – em que o equilíbrio é necessário é quanto ao crescimento e função do Porto de Setúbal. Que porto queremos? Creio que a resposta será que queremos o porto de que a região precise.

A questão não foi discutida na cidade nem na região, e não conheço estudos que respondam a esta questão, mas julgo consensual que o desejo local e a necessidade regional é termos no Porto de Setúbal a capacidade portuária adequada à manutenção e crescimento sustentável da indústria na região.

Faz pouco sentido colocar Setúbal numa lógica de concorrência com o Porto de Lisboa – que precisa de mais capacidade portuária mas cuja ampliação tem rondado a Trafaria e agora o Barreiro e é por ai que deve continuar (porque o Barreiro precisa de renovar a sua vocação) e com um novo comboio sobre o Tejo – e muito menos com o Porto de Sines.

Assim, a dúvida que permanece é se o crescimento ambicionado para o Porto de Setúbal, com o projecto em curso, é, em termos de escala, aquele de que precisamos e que queremos. Muitos concordam que são precisas dragagens, mesmo que apenas para manter a capacidade actual, mas poucos desejam uma ampliação desmesurada da actividade portuária, que vá muito para além das necessidades regionais.

 

 

4 – Desenvolvimento com respeito pelo Ambiente

 

É claro que não podemos ter tudo ao mesmo tempo, mas certamente é possível um pouco de cada, com a devida ponderação entre os diversos interesses e factores em presença. Um desenvolvimento portuário cuidadoso, na dimensão e na execução, é – a acreditar no EIA e nas autoridades administrativas – conciliável com a preservação de valores ambientais como a flora e a fauna, incluindo os golfinhos. As praias da Arrábida podem ser melhoradas com medidas mitigadoras, como o aproveitamento de dragados limpos para o enchimento e a pesca pode ser minimamente protegida.

É obvio que a transformação dos danos ambientais potenciais em danos efectivos depende muito do empenho e cuidado colocados na acção concreta, na exigência com que todas e cada uma das entidades e pessoas envolvidas no projecto vão fazer a sua parte do trabalho.

Para isso conta muito a atenção e o escrutínio que a comunidade possa assegurar a todo o processo.

Os movimentos e grupos contestatários desempenham um papel crucial nesta matéria, para, na liderança da opinião pública, manter a pressão que exigirá dos operadores o máximo cuidado e diligência de que são capazes e a que estão obrigados.