3 Maio 2024, Sexta-feira
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Comunicação ou pós-verdade?As fake news estão no centro da mais séria crise de cidadania que vivemos

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Comunicação ou pós-verdade?As fake news estão no centro da mais séria crise de cidadania que vivemos
Arlindo Mota - Presidente da UNISETI
Arlindo Mota – Presidente da UNISETI

Há uma dúzia de anos o autor desta crónica assinava num prestigiado semanário regional uma crónica regular. Já o texto estava alinhavado quando começou a circular nas redes sociais em profusão a noticia do falecimento Gabriel Garcia Marquez, o notável autor dos Cem Anos de Solidão. Os posts sucediam-se lamentando o desaparecimento de tão grande escritor e intelectual comprometido. Eu admirava profundamente a escrita e o homem e rapidamente amarrotei o texto que havia elaborado e redigi uma comovida homenagem ao admirável escritor colombiano que enviei de imediato para a redacção do jornal. Recebi, poucos minutos depois, uma amável advertência de uma colega  para confirmar bem a fonte porque já não era a primeira vez que a noticia circulava e, como era bem de ver, era altamente provável que fosse falsa. Assim fiz, e fiquei-lhe eternamente grato, pois rapidamente conclui que ela tinha razão: a noticia não tinha o mínimo fundamento (e assim ainda fui a tempo de recolher o meu escrito), tratava-se de mais uma “crónica de uma morte anunciada”, como o autor havia intitulado uma das suas obras. Gabriel Garcia Marquez haveria ainda de viver e escrever muitos anos…

 

Fake News ou apenas um indesculpável erro meu? Ambas as coisas, embora naquela altura as coisas ainda não haviam atingido a dimensão que hoje em dia têm, sobretudo com a eleição do actual presidente dos Estados Unidos. A conselheira de Trump, Kellyanne Conway, fez alusão a “factos alternativos” em 2017, durante uma entrevista no programa televisivo da NBC ao ter defendido uma declaração falsa de Sean Spicer, Porta-voz da Casa Branca, sobre o número de pessoas que haviam assistido à tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos.

 

Mas se falsidades sempre existiram e foram disseminadas, o que se verifica actualmente é algo de novo: as fake news são um novo tipo de mentira, “uma noticia que é produzida sem que haja critérios de verificabilidade da sua realidade porque eles foram abolidos.” Da propaganda nazi ficou o registo, falso ou verdadeiro, de que “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”. Mas o que Trump veio trazer de novo, quando afirma uma não verdade, é que com a utilização das redes sociais, o seu potencial de carisma vai provocar a dúvida, a incerteza, daí a afirmação de que não são mentiras, mas“factos alternativos”…

 

A prestigiada revista Science divulgou um estudo que demonstra à evidência como se produz este novo tipo de fenómeno. Diz-se aí: “durante a campanha eleitoral para as presidenciais nos Estados Unidos, em 2016, 0,1% de utilizadores do Twitter foram responsáveis por partilhar 80% de conteúdos falsos”. Mas é sobretudo o modo o que revela a infinita perversidade deste novo fenómeno: Esses 1% de indivíduos foram responsáveis por 80% das exposições a fontes de notícias falsas e 0,1% estiveram por trás de quase 80% de fontes de notícias falsas partilhadas. Com Trump, depois com o Brexit, recentemente com a eleição de Bolsonaro, no Brasil, verificou-se o mesmo padrão, tendo por base as redes sociais e as suspeitas nunca confirmadas dos seus autores. Por isso este tema está, justamente na ordem do dia, e provoca profunda inquietação nos meios democráticos de todo o mundo. É bom que lhe dediquemos um pouco de apurada atenção, para não sermos surpreendidos se e quando nos bater à porta.

 

PS: Nos próximos dois meses vão existir numerosas iniciativas sobre este tema, destacando-se a Conferência “Combate às Fake News. Uma questão democrática” e, em Setúbal, a III Conferência da “Praça do Sapal”, promovida pela UNISETI – Universidade Sénior de Setúbal, sobre “Comunicação e Pós-verdade. Fake News e Ética” marcada já há um ano e que conta com a participação de três conceituados participantes: Adelino Gomes, jornalista; Rita Figueiras, da Universidade Católica e Fernando Esteves, director editorial de o “Polígrafo”, sendo moderada pelo jornalista e director de “O Setubalense-Diário da Região”, Francisco Alves Rito.