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Recordando a reforma educativa de Veiga Simão

Recordando a reforma educativa de Veiga Simão

Recordando a reforma educativa de Veiga Simão

18 Dezembro 2017, Segunda-feira
Francisco Cantanhede

Veiga Simão foi o último ministro da educação do Estado Novo, tendo dinamizado uma reforma que não só resistiu aos ventos revolucionários do período mais quente do pós 25 de Abril, mas também influenciou reformas educativas na atual democracia portuguesa.

Teve Veiga Simão a coragem de afirmar que «saber ler, escrever e contar já não é quanto baste para os Portugueses» e que «um povo mais culto é sempre um povo mais livre»;  teve o Senhor Ministro a preocupação de criar condições para que os alunos obtivessem êxito nas suas aprendizagens, defendendo: a construção de novos edifícios escolares, a prestação de assistência médica aos alunos, a criação de cantinas escolares, garantir transportes escolares, o fornecimento gratuito de manuais e material escolar, o apoio às famílias mais necessitadas através da Ação Social Escolar, a escolaridade obrigatória de oito anos com novos programas.

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Nas escolas deviam ser implementadas aulas de tipo coloquial, organizados projetos temáticos multidisciplinares, tendo em conta as características de cada escola e as necessidades dos alunos de cada turma. Além de «preparar os alunos para a vida», devia a escola «fomentar uma consciência nacional rasgada e viva, aberta à realidade concreta da Pátria, e animada pela vontade de a tornar melhor, numa perspetiva de humanismo universalista e de compreensão internacional». Em tempos da Guerra Colonial, no programa das Ciências Humanas são referidas várias culturas asiáticas e africanas, várias religiões ao mesmo nível do Cristianismo.

Vivendo-se numa ditadura, como reagiram os falcões ao arrulhar da pomba? O Jornal «Novidades» foi, durante vários dias, o seu porta voz: «foram banidos os sábios, os santos, os heróis, em prol do rebanho humano, do grupo, da classe, da estatística; «Para os autores do programa de Ciências Humanas, o significativo é o cavalo, o carneiro, a máquina a vapor, o manipanso africano no mesmo plano de Deus; o batuque africano no mesmo nível da sinfonia de Beethoven.» A expressão «África Negra», terra de «terroristas», foi muito criticada, tal como as aulas coloquiais, consideradas: «ensino ao sabor do capricho dos alunos. A transformação do professor em mero moderador e registador de conclusões.»

A experiência foi implementada em várias escolas que aderiram voluntariamente, tendo terminado em 25 de Abril de 1974, embora algumas ideias e práticas se tenham entrelaçado com os ventos de Abril, continuando a ser seguidas nos tempos mais quentes do período revolucionário. Contudo é de registar que Veiga Simão não deixou de utilizar as forças repressivas do regime na tentativa de calar os estudantes universitários.

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Questionar-se-á caro leitor, como foi possível numa ditadura defender-se e implementar-se, embora a nível experimental, práticas letivas que contribuíam para a formação de cidadãos com uma visão universalista e humanista do mundo. Talvez a resposta esteja na página 145 do livro «O Antigo Regime e a Revolução», da autoria de Freitas do Amaral, em que relata o seu «último encontro com Marcelo Caetano»: «Mas, Sr. Presidente, é mais que óbvio que o Presidente da República não tem coragem para o substituir. Ele vai deixar seguir as coisas no estado em que estão…»

– «Pois vai. Ele não me deixa sair, e eu não posso sair sem ser exonerado. Ele não vai fazer nada do que pode, e eu não posso fazer nada do que devo. E assim estamos para aqui, os dois poderes do Estado, mutuamente paralisados, a olhar um para o outro, metidos ambos num beco sem saída. É fácil prever o que nos vai acontecer: vamos ambos pela borda fora!»

O «beco sem saída» chamava-se Guerra Colonial. A paralisia do regime terá deixado os falcões a piar sozinhos, enquanto a pomba arrulhava, antevendo a liberdade!

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