Considerado um dos mais proeminentes arqueólogos da Península Ibérica, nunca perdeu a ligação a Setúbal, cidade onde nasceu
O arqueólogo Victor dos Santos Gonçalves, que esteve ligado ao Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS), e que era considerado um dos maiores entre os seus pares, morreu esta terça-feira, aos 78 anos de idade, informou a Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão (LASA), em nota enviada a O SETUBALENSE.
A associação cultural, que tinha homenageado Victor dos Santos Gonçalves há pouco mais de dois meses, recorda o percurso do arqueólogo, no texto que transcrevemos abaixo, na íntegra.
“Nascido em Setúbal, no dia 14 de Maio de 1946, o Professor Catedrático Emérito da Universidade de Lisboa e um dos mais proeminentes arqueólogos ibéricos faleceu na madrugada de hoje, 3 de Dezembro/2024. Com ampla mundividência, nunca deixou quebrar os laços afectivos com a cidade onde nasceu, nomeadamente por via da sua ligação ao MAEDS e aos seus fraternos amigos de sempre, Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares.
A Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão recorda que homenageou Victor dos Santos Gonçalves com a sua medalha de mérito cultural em 15 de Setembro de 2024, “quando já se encontrava muito doente, mas lúcido, e com a cabeça cheia de estórias, sempre divertidas e de fina ironia, para partilhar com a alegria de estar com os outros na descoberta, na criação de conhecimento, na vida. A medalha que guardou na sua mesa-de-cabeceira até ao momento em que a ofereceu, com outro espólio pessoal, ao Museu Nacional de Arqueologia.
Como incansável investigador, realizou dezenas de escavações arqueológicas por si dirigidas, com início precisamente no castro pré-histórico da Rotura, em Setúbal, no sopé da Serra de São Luís. O seu labor incidiu especialmente no Sul de Portugal – Alto Algarve Oriental, Reguengos de Monsaraz, Coruche, Azambuja, mas também na Estremadura. A partir de uma intensa arqueologia de campo, dedicou-se ao estudo das sociedades agro-pastoris neolíticas e arqueo-metalúrgicas, do VI ao III Milénio A.C., contribuições que divulgou através de mais de 200 publicações científicas, complementadas por conferências, seminários, encontros e congressos (alguns deles promovidos por si, como os célebres colóquios internacionais sobre Megalitismo, de Monsaraz), e mesmo exposições museográficas (www.uniarq.net/victor-s-gonccedilalves-cv.html).
A sua actividade como professor universitário iniciou-se em 1970, apenas com 24 anos, como assistente da Universidade de Luanda, onde ensinou, durante dois anos, Pré-História e Antiguidade Oriental. Em 1972, foi convidado pelos professores Jorge Borges de Macedo e Joaquim Veríssimo Serrão para leccionar Pré-História na Faculdade de Letras de Lisboa, iniciando um percurso académico que, passando pela cátedra, terminaria 44 anos depois, em 2016, com a jubilação, e durante o qual fundou uma verdadeira “escola”, que formou alguns dos melhores arqueólogos do Presente.
Foi também como docente da Faculdade de Letras que contribuiu para a institucionalização da Arqueologia em Portugal, tornando-se esta, ao nível do ensino, uma disciplina autónoma, independente da História. Por outro lado, fundou o Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ), instituição de forte projecção internacional. No seio desta nasceram a revista Ophiussa e a série “Estudos e Memórias”.
A actividade científica desenvolvida pelo professor Victor dos Santos Gonçalves foi enriquecida por notável cultura humanística que se traduziu, entre outros aspectos, em uma escrita de grande qualidade, oferecendo a muitos textos de arqueologia de que é autor um cariz de acentuado recorte literário. O seu legado permanecerá na memória oral, nos ambientes que criou e sobretudo na sua notável obra escrita.”