Slow J tem Setúbal como ponto de partida da viagem que é a sua vida, com a música sempre presente e o verbo “fazer” como lema para quebrar barreiras na cultura portuguesa
João Coelho nasceu em Setúbal, filho de mãe portuguesa e pai angolano. Enquanto músico, assina como Slow J, uma mistura entre a calma que lhe é característica e a inicial do seu nome. No tema “Vida boa”, canta “não quero uma boa vida, quero uma vida boa, nada do que a minha sina diz foi escrito à toa”. O interesse em fazer música surge na adolescência. Sempre que conhecia pessoas que tocavam guitarra, pedia-lhes que o ensinassem. No entanto, até ao ensino secundário, que fez no Liceu em Setúbal, acreditava que seria programador. “A um certo ponto, eu e os meus pais encontrámos um curso de Engenharia de Som, em Londres, que acabou por me encaminhar para uma profissão na música”, começa por dizer.
“Fazia música todos os dias, desde o 11.º ano e acho que há um lado de dedicação e amor pelo que fazemos que é muito importante para construir qualquer tipo de carreira”, considera. No seu percurso, destaca os tempos que passou a tirar cafés e a receber pessoas nos estúdios BigBit, em Lisboa, depois de voltar da universidade. “Acho que a disposição para fazer o trabalho mais ‘abaixo’ no estúdio, com um sorriso na cara e orgulho de fazer bem feito, foi das coisas que mais me deu um empurrão inicial para conhecer músicos e produtores, aprender a maneira como trabalhavam e aplicar isso no meu trabalho”, partilha o músico de Setúbal, acrescentando que “foi assim que conheci o Valete e tive oportunidade de substituir o técnico de som dele durante uns meses quando ele partiu o pé. Foi uma experiência inesquecível”.
Trabalhos editados de forma independente reflectem vontade de fazer acontecer
Produziu, escreveu e interpretou as suas duas primeiras obras: o EP The Free Food Tape, em 2015, e o álbum The Art Of Slowing Down, em 2017. Em 2018, fundou, com amigos, uma editora independente. “Todos os meus trabalhos até agora foram independentes, sendo que a certo ponto criámos a nossa editora, ‘Sente Isto’, para podermos editar outros trabalhos além do meu”, diz.
“Ser um artista independente não é uma bandeira que levante, é mais reflexo do sentido prático de não ficar sentado à espera que os outros acreditem em nós”, adianta. Para o João, “o espírito é fazer, foi para isso que estudei, para conseguir fazer um álbum do início ao fim só com um portátil e um microfone e na prática consigo fazê-lo”.
Nas suas músicas e nas mensagens que através delas pretende passar, fala, com a sua singularidade, sobre a sua vida e sobre aquilo em que acredita, “para me motivar, a mim e aos outros, a seguir o caminho que sabemos que é o nosso, mesmo que às vezes nos tentemos enganar a nós próprios ou vender-nos barato. Temos um tempo limitado nesta vida e coisas que só nós viemos cá fazer, mãos à obra!”. O segundo projecto “You are forgiven” nasce em 2019 e em 2020, durante a quarentena, Slow J lança Lo-Fi, um projecto de instrumentais.
Todos estes elementos colocam o artista “na vanguarda da nova geração de artistas portugueses que estão a quebrar barreiras e preconceitos da música e identidade cultural portuguesa”. Quer que a sua geração deixe à próxima “uma música a desenvolver como um estilo só nosso, que curtimos nas festas, ouvimos em casa e apreciamos independentemente do que as pessoas ouvem fora de Portugal”. Esta “nossa música” tem, no seu entender, “de nos representar a todos, cores, origens, tamanho de sobrancelha, etc. Na verdade, já anda aí, mesmo que algumas pessoas ainda não se tenham apercebido”. Acrescenta ainda que “a nossa música não pode ser só importar o que se faz lá fora todos os anos”, manifestando o desejo de “voltar a ter capacidade de levar a nossa música para fora, que os nossos jovens músicos sejam incentivados a sonhar mais alto e seja natural querermos ser ouvidos por pessoas de todo o mundo”. Na ligação às suas origens, diz vestir “a camisola de setubalense como símbolo de trabalho e humildade”.
Foi precisamente em Setúbal que “tudo começou, para onde os meus avós foram viver quando chegaram de Angola, onde nasci e vivi alguns dos anos mais importantes de formação pessoal” e é ao rio azul que dedica uma canção. “Quando escrevi ‘Sado’ tinha a sensação que não ia ter muito mais tempo para passar por Setúbal. A olhar para o rio, veio-me essa ideia de que ele não nos vai julgar, quer estejamos ao lado dele a vida toda, quer vamos embora e só voltemos no fim. Ele só corre e, tal como canto na música, olha sempre de lado”, refere, com um sorriso, o mesmo que solta quando questionado sobre planos para o futuro: “é tudo segredo”.
João Coelho | Slow J à queima-roupa
Idade 29 anos
Naturalidade Setúbal
Residência Cascais
Área Música
Por todos os sítios por onde passou, a música foi sempre “uma íntima companheira de viagens”