Autarcas exigem resolução dos problemas no acesso aos cuidados de saúde. Vários testemunhos dão conta da “degradação” no serviço
Os autarcas de Setúbal, Palmela e Sesimbra reuniram o Fórum Intermunicipal da Saúde e agendaram uma vigília para 17 de Novembro, junto do Hospital de São Bernardo, em Setúbal, para exigir a resolução dos problemas que afectam o acesso aos cuidados de saúde.
O organismo, reunido nesta terça-feira, contou com a presença de várias entidades ligadas ao sector da saúde, que foi convocado pelos presidentes das câmaras municipais de Setúbal, Palmela e Sesimbra, André Martins, Álvaro Amaro e Francisco Jesus, respectivamente, para analisar o actual estado da saúde nos três concelhos, que, de acordo com estes autarcas, vive “numa instabilidade e precariedade sem precedentes”.
“O Fórum Intermunicipal da Saúde convida a população e os agentes sociais de Palmela, Sesimbra e Setúbal, a realizar junto ao Hospital de São Bernardo uma vigília pelo reforço das urgências e do Serviço Nacional de Saúde (SNS), entre as 19h00 e as 24h00 do dia 17 de Novembro, acompanhando os profissionais que prestam serviço de urgência no turno nocturno”, lê-se no documento aprovado pela meia centena de participantes no encontro realizado na terça-feira no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Setúbal.
Ao longo do encontro foram dados vários exemplos da degradação progressiva dos serviços públicos de saúde nos três municípios, incluindo as interrupções cada vez mais frequentes em diversos serviços de urgência do Hospital de São Bernardo, unidade de saúde que serve as populações dos três concelhos, bem como as populações do Litoral Alentejano.
A falta de médicos nos centros de saúde, o elevado número de doentes sem médico de família que têm de madrugar para conseguirem uma senha para uma consulta, e que mesmo assim nem sempre conseguem, e sobretudo, a perspectiva de que os problemas actuais se deverão agravar ainda mais nos próximos meses, foram outros problemas do SNS referidos em diversas intervenções.
Utentes e profissionais partilham preocupação quanto ao futuro
Uma preocupação partilhada pela médica Teresa Palminha, do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, que, entre outras críticas à organização do SNS, defendeu que “não se pode basear o funcionamento dos serviços de urgência em trabalho extraordinário”.
“Isto não tem nada de incompetência. Foi um plano traçado para benefício dos hospitais privados, para onde só iam as grávidas não complicadas”, disse, acrescentando que era importante saber-se “quantos partos dessas grávidas não complicadas acabaram em cesarianas, porque isso é que dá dinheiro”.
Neste fórum esteve também um enfermeiro do Hospital de São Bernardo, que partilhou a sua experiência e deixou algumas ‘soluções’ para as problemáticas levantadas ao longo da discussão.
“Vou buscar doentes a casa, que tiveram alta no próprio dia, ou no dia anterior, o que comprova que existe uma grande falta de acompanhamento do doente”, referiu, dando outro exemplo daquilo que é o seu “dia-a-dia”. “Já fizemos partos na rua, em plena auto-estrada. Já tive um pai a perguntar, em tom de ironia, se a sua filha se iria chamar A2”, esclareceu.
Os vários presentes também questionaram o porquê de os Bombeiros Sapadores de Setúbal não terem uma ambulância do INEM, que “se recusam a ter”, tendo em conta que possuem uma grande corporação.
Um utente, que mora em Pinhal Novo há trinta anos, deu também o seu exemplo. “Há trinta anos que moro lá e não tinha médico de família. Há duas semanas foi-me atribuído um médico de família, mas, para surpresa minha, quando fui marcar a consulta fui informado que só poderia ser atendido em Janeiro. Isto é inaceitável”, enalteceu.
Também houve quem reforçasse que é necessário fazer uma restruturação, e “não apontar apenas para o Governo”, realçando que existe a “necessidade” de reunir com a direcção do Hospital de São Bernardo.
Já Luis Leitão, da União de Sindicatos de Setúbal, esclareceu que os profissionais devem ser valorizados por todo o trabalho que têm, apelando a que as pessoas saiam à rua pelo reforço do Serviço Nacional de Saúde, deixando a garantia que as autarquias podem “contar com o apoio” da União de Sindicatos nesta “luta” por um melhor serviço de saúde para a população de Setúbal.
A reunião desta terça-feira contou ainda com as presenças do presidente da Junta de Freguesia de São Sebastião, Luís Matos, do director de Infecciologia do Hospital de São Bernardo, José Poças, e de representantes do Bastonário da Ordem dos Médicos, da Assembleia de Freguesia de Palmela, Junta de Freguesia de Santiago, União dos Sindicatos de Setúbal, Sindicato dos Médicos da Zona Sul, Associação Nacional de Farmácias, comissões de utentes de Saúde de Azeitão e do Pinhal Novo e Comissão de Utentes dos Serviços Públicos do Concelho de Setúbal.
André Martins “Se for preciso vamos para a porta do Ministério da Saúde”
André Martins garante estar “muito preocupado” com o “processo de degradação progressiva” dos cuidados de saúde, designadamente com a situação das urgências do Hospital de São Bernardo “relacionada com o défice de profissionais de saúde e com a incapacidade de os centros de saúde darem uma primeira resposta aos utentes”, referiu.
O presidente da Câmara Municipal de Setúbal exige “medidas articuladas que possam reverter a situação que está criada e tem tendência a agravar-se”, enquanto manifesta o apoio aos profissionais de saúde, “de cujo êxito depende a disponibilidade e motivação daqueles sem os quais os serviços de saúde não funcionam”.
Tendo em conta a situação nas urgências do Centro Hospitalar de Setúbal, que “chegou ao limite”, como vincou André Martins, o autarca diz ser necessário “defender o Serviço Nacional de Saúde”.
“É importante encontrar sempre outras formas de diálogo e é isso que vamos continuar a fazer. Mas, se este caminho não resultar, avaliamos a situação e, se for necessário, mobilizamos as populações para nos manifestarmos à porta do Ministério da Saúde”, realçou o autarca.
Álvaro Amaro “As autarquias são entaladas e chantageadas”
O presidente da Câmara Municipal de Palmela não teve ‘medo’ de dizer aquilo que considerava ser necessário, referindo que a autarquia que preside tem vindo a ser “entalada” e alvo de “chantagem”, relativamente à transferência de competências na área de saúde.
“As autarquias continuam a ser entaladas, que é o que está a acontecer com a transferência de competências na área da saúde, e chantageadas, até nesta matéria.
Mesmo antes de termos assinado, no caso de Palmela, assinámos fruto de uma grande chantagem”, referiu Álvaro Amaro. O edil palmelense reforçou que se está a assistir a um “clima de incerteza” que leva a um ambiente de “falta de confiança”, dando o exemplo do pai e da sogra, que preferem utilizar o privado, tendo em conta aquilo que ouvem e assistem sobre o Hospital de São Bernardo.
O Hospital de Setúbal deixou de ser um espaço de atractividade para novos profissionais, e nesse sentido Álvaro Amaro considera que é urgente que existam “medidas e respostas”. O autarca considera que existe um “descontentamento e desilusão” com esta situação, que cria um “grande clima de incerteza” que pode pôr em causa o prestígio do hospital de Setúbal, garantiu.
Francisco Jesus “Queremos melhorar as condições de resposta da saúde”
O líder autárquico de Sesimbra recordou que, normalmente, nestas situações, “nunca há ganhos”, considerando que aquilo que existe é uma “estabilização” de algumas áreas, que acabam por resultar no “desaparecimento de algumas especialidades”.
“A verdade é que, passados estes meses todos, a situação vai-se agravando e nós continuamos sem ver mudanças nenhumas, pelo contrário”, realçou Francisco Jesus. O autarca de Sesimbra enalteceu a importância da realização destes encontros, para que a população partilhe com as edilidades as “dificuldades que têm”, reforçando que “todos os relatos são importantes nesta luta por um melhor serviço à saúde da região”.
Francisco Jesus apelou à população para que se una às autarquias nesta ‘luta’ por um melhor serviço de saúde, garantindo que a única vontade dos autarcas é estar “do lado” da população. “O que nós queremos é estar do lado dos utentes, do lado da população e das estruturas representativas, para que possamos todos caminhar para aquilo que eu acho que é fundamental, que é a melhoria das condições de resposta de saúde aos nossos cidadãos”.