27 Julho 2024, Sábado

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“Se está é a minha voz, então eu é que tenho de ir à luta”

“Se está é a minha voz, então eu é que tenho de ir à luta”

“Se está é a minha voz, então eu é que tenho de ir à luta”

Com o fado a ‘correr-lhe nas veias’, a fadista Deolinda de Jesus afirma sentir-se feliz com o seu percurso de mais de quatro décadas

 

Rodeada de familiares ligados ao fado, Deolinda de Jesus cresceu no meio artístico, apesar de confessar que nunca imaginou que este seria o seu percurso, que conta já com mais de 40 anos de história. Tudo começou aos 16 anos, “numa das primeiras casas de fado de Setúbal, a Ribeirinha do Sado”. A partir daí nunca mais deixou de cantar, tendo hoje, aos 60 anos, uma carreira preenchida por diversos momentos que considera “inesquecíveis”. Sempre incentivada pelo seu marido, possui actualmente dois álbuns: o “Estilos” e o “Travo de Sal”. Para o futuro está já agendado o terceiro CD, com letras exclusivamente feitas para si.

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Como surgiu o interesse em cantar fado?

Praticamente nasci a ouvir fado. Vivi muito tempo com os meus tios, os fadistas Gorgette e Manuel de Jesus, e por isso o fado sempre fez parte da minha vida, como se me corresse nas veias. No entanto, a cantar só comecei aos 16 anos numa das primeiras casas de fado de Setúbal, a Ribeirinha do Sado. O espaço foi aberto pelos meus tios em 1974, em conjunto com o também fadista Fernando Machado e a sua esposa.

Servia às mesas e ia cantando?

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Sim. Lá éramos uma família. Começámos a ter muito público e chegámos a trazer de Lisboa grandes nomes do fado. Ia também cantando e a partir daí nunca mais parei. Como os meus tios e o Fernando Machado tinham ainda espectáculos fora da Ribeirinha do Sado, comecei desde cedo a frequentar os palcos e a privar com grandes nomes.

Também nesta altura comecei a ir a Lisboa, para a zona de Cascais, para ouvir fado nos dias em que o negócio não abria. Foi, então, surgindo a oportunidade de começar a cantar nas casas de fado que ia frequentando. Entretanto, comecei a ser acompanhada aqui na cidade por guitarristas. Posteriormente fui começando a fazer a minha vida e acabei por me desligar um pouco dos meus tios, sem nunca deixar o fado.

Quais foram os seus principais incentivos?

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Certo dia lembro-me de um dos meus guitarristas dizer que ia haver um concurso de fado na cidade e que me ia inscrever. Concorri e ganhei. A partir daí comecei a ter ainda mais gosto por cantar.

Também o meu marido sempre me incentivou a prosseguir no meio artístico. Posso dizer que tenho um marido que é um espectáculo. Chegou a levar-me com temporais a Lisboa, antes de eu começar a ir de comboio sozinha. Houve uma altura em que estive mais parada no fado por causa do meu emprego, mas o meu marido sempre me disse que eu deveria de conciliar ambas as coisas. Na época trabalhava na Tutilanche, onde estive sete anos e meio. No entanto, o meu marido começou a achar que eu não estava lá bem. Foi quando comecei a trabalhar na NaviGomes, onde estive durante 26 anos em contabilidade. Foi bom ter mudado, até porque na Tutilanche não tinha tanta liberdade para conseguir dar espectáculos. Hoje, aos 60 anos, já estou reformada e consigo-me dedicar a tempo inteiro ao fado.

Imaginava que seria este o seu percurso?

Não. Com 16 anos só queria era frequentar discotecas. Só que fui ouvindo os meus tios cantarem e não há dúvidas de que fui começando também a criar o gosto. Também nunca pensei ser conhecida ao ponto que sou actualmente, mas se quis ser um pouco mais conhecida tive de ir para Lisboa. Estou feliz com o meu percurso mas considero-me uma pessoa mais crítica, também porque só eu sei o que passei para ter um bocado do nome que hoje tenho.

Alguma vez pensou em sair de Setúbal?

Nunca. Sou uma pessoa 100% da cidade. Tenho as melhores referências que se possa dar de um setubalense. Setúbal para mim é mar, é Sado, é pescadores. Na minha família haviam muitos pescadores, todos dos bairros dos Pescadores e do Troino. Também nunca fui aquela pessoa de querer sempre mais. Sempre tive as minhas coisas, graças ao meu trabalho. Também nunca tive um agente, nem quis ter. Sempre pensei que se esta é a minha voz, e se sou eu que gosto de fado, então eu é que tenho de ir à luta.

De todas as distinções que já recebeu, qual a que mais a marcou?

Desde os 19 anos que ganho prémios. Guardo todos os troféus que já recebi. Até à Grande Noite do Fado eu concorri. Na 1.ª vez obtive o 4.º lugar, mas isso não me fez desistir e fui novamente no ano seguinte, onde consegui ficar em 3.º lugar. Já este ano, ganhar a Medalha da Cidade de Setúbal deixou-me sensibilizada. Foi um gesto bonito, porque se fui distinguida é porque pensaram que eu tinha tudo para a receber. Fico toda ‘babosa’ quando sou reconhecida.

Já fez parte de vários projectos. Qual o que mais a marcou?

Participei em vários projectos inesquecíveis. Um dos que mais adorei foi o Fado em Coro, do Coral Luísa Todi. Consistia em duas solistas a cantar temas com o coro. Foi realmente um projecto que me deu gozo. Depois também fiz com os meus colegas do teatro diversos sketch, cheguei a ser madrinha das Marchas Populares em 1998/99 e sou muito ligada ao Vitória Futebol Clube, intitulando-me de sua madrinha.

Tem algum ponto fixo onde costuma actuar?

Tenho estado como privativa na casa de fados O Forcado, em Lisboa, e trabalho com uma empresa de turismo, na qual sou a sua principal artista. Resumidamente os grupos estrangeiros ficam hospedados no hotel, que oferece aos hóspedes os meus espectáculos. Depois tenho também espectáculos por todo o País, onde sou solicitada.

Onde é que já cantou?

Além de Lisboa tenho ido cantar ao Algarve, ao Porto e a tantos outros pontos do País. Quando gravei, em 1998, o meu primeiro CD, o “Estilos”, comecei também a ser convidada internacionalmente, conhecendo assim já muitos países. O meu primeiro espectáculo fora do País foi em Gotemburgo, na Suécia. Hoje em dia, quando tenho de ir para fora, vou sozinha apenas com os guitarristas. Cheguei a ir sozinha para Nantes, em França. Na altura a cidade já tinha aeroporto, mas não haviam voos de cá para lá. Para me ajudar, o meu marido tirou-me a planta da cidade e ajudou-me a compreender o caminho que eu tinha de percorrer até ao destino final.

Tem alguma referência?

Tenho várias, mas curiosamente gosto mais de ouvir homens do que mulheres. Gosto de ouvir o Rodrigo [Rodrigo Ferreira Inácio], por exemplo. Considero que o Carlos Zel era uma pessoa que cantava muito bem e gosto do Carlos do Carmo. As referências femininas são fadistas como a Fernanda Maria, Maria Armanda, a Maria Teresa de Noronha ou a Leopoldina da Guia, porque são pessoas de um fado cuidado.

Quais os planos para o futuro?

Este ano devido à pandemia está tudo parado, mas para o ano vêm aí várias coisas. Depois de há dois anos ter gravado o meu segundo álbum, o “Travo de Sal”, vou voltar a estúdio em Janeiro. O novo CD vai conter letras feitas para mim, com músicas tradicionais. Vai ser uma homenagem e uma surpresa para o público. Tenho também planeada uma coisa engraçada para o digital, que a seu tempo se saberá.

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