Da Palmela, onde reside, até ao pódio olímpico mais alto. Pelo meio ficaram momentos difíceis
A forçada saída da ilha caribenha Cuba, a chegada a Portugal, a rivalidade com Nélson Évora, a adaptação ao País. Fixa-se no Pinhal Novo e treina em Setúbal. Este foi o caminho para o ouro de Pedro Pablo Pichardo em Tóquio.
Na madrugada de quinta-feira, Pedro Pichardo sagrou-se campeão olímpico de triplo salto, alcançando a marca de 17.98 metros. O atleta já naturalizado português, pulverizou a concorrência, deixando Yaming Zhu, da China, em segundo com 17.57 metros, e Hugues Fabrice Zango, do Burkina-Faso, em terceiro com 17.47 metros.
“Este ouro tem um significado muito grande, pois é a única forma que tenho de agradecer ao País que me apoiou desde o primeiro dia. Agradecer com medalhas e bons resultados”, afirmou Pedro Pichardo em conferência de imprensa após a competição.
Os esforços para chegar aos Jogos Olímpicos e ser campeão olímpico são, naturalmente, enormes, mas Pedro Pichardo para chegar até aqui teve de enfrentar situações que afectavam directamente a sua carreira, e que não estavam apenas ligadas ao triplo-salto.
Pedro Pablo Pichardo nasceu a 30 de Julho de 1993, em Santiago de Cuba, em Cuba, filho mais novo de um treinador de atletismo e uma comerciante. Começou no atletismo aos 6 anos, influenciado pelo pai, Jorge Pichardo, e a irmã, Rosalena, mas só aos 14 chegou ao triplo-salto.
Sem condições para treinar em Santiago, teve que ir para Havana, capital cubana, e aí começaram a surgir os problemas.
Foi impedido de treinar com o pai, na equipa nacional cubana, e entrou em rota de colisão com o poder desportivo cubano, o que prejudicou os seus resultados desportivos, estando mesmo um ano sem competir por não se entender com o técnico nacional e a entidade que regula o atletismo cubano.
Em entrevista ao Expresso, publicada em 2019, o atleta revelou que a sua mudança começou a ser pensada quando o pai saiu para a Suécia, depois de ter sido impedido de treinar em Cuba.
Num estágio da equipa cubana na Alemanha, em 2017, planearam a fuga para a Suécia, correndo o risco de serem apanhados pelos agentes de estado cubanos, como revelou Pedro Pichardo.
Com a fuga bem-sucedida, surgiram vários convites para receber Pedro Pichardo e o pai. Os mais aliciantes chegaram de Portugal e Espanha, mas por decisão de Jorge Pichardo, o filho veio para Portugal, para posteriormente ser apresentado no Benfica. O clima e a tranquilidade foram os principais motivos para escolher o nosso País.
Os tempos iniciais em Portugal foram, ainda assim, conturbados. O seu processo de naturalização nunca foi consensual, ainda hoje não o é, já que o atleta vindo de Cuba recebeu a nacionalidade portuguesa em questão de meses.
Pedro Pichardo nunca deu grande importância a esta polémica. Com toda a esta confusão, o atleta só foi autorizado a competir pela equipa nacional de atletismo em 2019, quase dois anos depois de ter recebido a nacionalidade lusa.
Choques entre Pichardo e Évora
Não ficaria por aqui. A chegada ao Benfica, juntamente com o rápido processo de naturalização, mergulham Pedro Pichardo numa rivalidade com o também atleta de triplo-salto Nélson Évora.
O experiente atleta português, campeão olímpico em 2008 (Pequim), acabara de trocar o Benfica pelo Sporting, e chegou mesmo a considerar um ataque pessoal a chegada e rápida naturalização de Pedro Pablo Pichardo.
Évora chegou a afirmar: “Todos têm o direito de mudar de nacionalidade. Somos cidadãos do mundo. Acho é que não temos o direito de passar por cima de muitas coisas, de uma história. Por interesses clubísticos fizeram-se coisas inacreditáveis. Cheguei a Portugal com seis anos de idade. Foi nesse sentido que não achei justo. Foi feito por questões clubísticas e com o objectivo de ataque pessoal quando não houve nenhuma má intenção da minha parte na mudança de um clube para o outro”.
Em entrevista ao Diário de Notícias, em 2018, Pedro Pichardo respondeu, afirmando que entre ele e Nelson Évora houve uma “quebra de confiança”, pondo fim a uma boa relação que existia entre atletas.
Durante o Jogos Olímpicos 2020, que foram adiados para agora devido à pandemia da covid-19, voltaram a defrontar-se, desta feita nas meias-finais, com Pichardo a pulverizar a concorrência e Évora a ficar pelo caminho, devido a lesão logo no primeiro salto, dizendo adeus aos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Nelson Évora desvalorizou o não cumprimento entre ele e Pichardo, no fim da competição, afirmando “O Pichardo há-de aprender com a vida”.
O agora campeão olímpico respondeu, em conferência de imprensa após a final do triplo-salto: “Não tenho falado mal do Nelson. Há pouco enviaram-me o link sobre o Nelson a falar do abraço. (…) Não falo mal do Nelson, não quero levar o assunto para problemas pessoais. Há anos que fala de mim e não respondo”, acrescentando, em declarações à Agência Lusa, em Tóquio: “Já ganhou tudo, porque não me deixa a mim fazer a minha carreira?”.
Medalha de Honra da Cidade de Setúbal
Foi em Setúbal e no Pinhal Novo que Pichardo encontrou o seu refúgio, mostrando-se agradecido à Câmara de Setúbal e ao Benfica pelo apoio que lhe têm dado, depois de enfrentar dificuldades iniciais para encontrar pouso fixo para treinar.
Ao semanário Expresso, Pedro Pichardo revelou: “Comprei casa no Pinhal Novo e estou a treinar no Complexo de Setúbal. É muito melhor do que Lisboa para treinar. Tenho o meu próprio espaço, o Benfica criou-me um ginásio para poder treinar lá. A Câmara Municipal de Setúbal deu-me boas condições, posso trabalhar na relva sem problemas.”.
Recentemente, o atleta foi homenageado com a Medalha de Honra da Cidade de Setúbal, após a conquista do título europeu de triplo salto nos Campeonatos da Europa em Pista Coberta.