Candidato à presidência da República vê novo aeroporto como um “caso definitivo” e coloca combate à pobreza e às desigualdades como uma prioridade nacional
Com o objectivo de ser o próximo Presidente da República, Luís Marques Mendes vê em Setúbal uma região cheia de potencialidades, com um “horizonte brutal” pela frente. Para o antigo dirigente do PSD, o novo aeroporto é um caso definitivo, afirmando que quando este estiver construído, o impacto do mesmo levará à existência de “um antes e um depois” do novo aeroporto em toda a região de Setúbal.
Em entrevista a O SETUBALENSE, garante que aumentar as verbas em defesa não vai prejudicar o Estado social, e se tal acontecesse, “seria uma tragédia”. Luís Marque Mendes considera também que o combate à pobreza e às desigualdades sociais têm de ser uma prioridade nacional.
O candidato à presidência aponta ainda a “estabilidade e a ambição” como os maiores desafios para o próximo Comandante Supremo das Forças Armadas e deixa uma palavra de homenagem a O SETUBALENSE, um jornal que considera “histórico”, e de confiança para os setubalenses.

Que ideia tem da região de Setúbal e da forma como pode contribuir para o crescimento do país?
É uma região cheia de potencialidades, que tem oportunidades extraordinárias pela frente.
A situação hoje de Setúbal e da Península de Setúbal é radicalmente diferente, por exemplo, daquilo que eu me apercebi quando fui pela primeira vez para o governo, nos anos 80. Era um drama, um flagelo, um pesadelo. Era o tempo dos salários em atraso, era um problema quase crónico. Um desemprego altíssimo. E de facto, nos últimos anos, nas últimas décadas, Setúbal deu a volta.
Em grande medida por causa da Autoeuropa, mas não apenas por causa da Autoeuropa. E tem hoje, de facto, potencialidades grandes em todos os domínios. Agora, acho é que sobretudo tem um horizonte brutal pela frente.
A construção do novo aeroporto vai ser uma grande oportunidade de crescimento e de desenvolvimento. Em matéria de turismo, há também ainda condições excelentes pela frente para reforçar e desenvolver muito mais.
O importante é que todo este processo de crescimento e desenvolvimento que vai acontecer em força nos próximos anos seja feito de forma harmoniosa e justa. Importa crescer, mas crescer não é desenvolver.
Desenvolver precisa, depois, de capacidade de planeamento, de combater a pobreza e de fazer justiça social. Espero que, Poder Central por um lado, autarquias, por outro lado, e sociedade civil, em terceiro lugar, todas em conjunto, pensem o futuro desta forma. É preciso criar riqueza, é preciso empreender e investir muito mais, mas é preciso combater a pobreza e as desigualdades sociais.
Tenho a certeza de que, se houver esta atenção, Setúbal tem um horizonte muito risonho pela frente.
Como vê a recente criação da NUT Península de Setúbal?
É uma boa oportunidade. É uma solução relativamente consensual e é uma boa oportunidade, sobretudo, para fugir a um conjunto de constrangimentos que existem do ponto de vista comunitário. É um trabalho que já andava a ser desenvolvido há muito tempo e espero que tenha resultados.
Neste último ano, foi apresentado um conjunto de projectos, para a região, como o aeroporto, travessias do Tejo e uma nova versão do Arco Ribeirinho Sul. Acredita que é desta que tudo isto vai avançar?
Não posso dizer o mesmo em relação a todos, porque não sou governante nem sou candidato a governante, mas vamos por partes. O novo aeroporto é um caso definitivo. Ao fim de mais de 50 anos de avanços e recuos, a solução de Alcochete é definitiva, porque teve o apoio simultâneo de Governo e de oposição. E, portanto, os dois partidos que se alternam no governo estão de acordo. Esta foi a grande vantagem da criação daquela comissão interministerial e daquele acordo de regime. Portanto, não tenho uma única dúvida a esse respeito. Não há mais recuo nessa parte.
Esse vai ser um empreendimento que vai mudar, em grande medida, a face desta região. Quando o aeroporto estiver construído, dir-se-á que há um antes e um depois do novo aeroporto em toda a região de Setúbal. Também no país, mas sobretudo aqui na região.
Quanto ao projecto do Arco Ribeirinho, espero que seja um grande projecto em termos práticos. Tanto quanto sei, será nomeado, nos próximos meses, um comissário que vai dirigir toda a operação.
Terceiro, todas as infra-estruturas, como o caso da nova ponte, eu acho que quando o aeroporto se torna irreversível, acho que também se vai tornar quase indispensável. Acredito que, depois de tanta promessa, estamos agora numa fase, de facto, diferente.

Setúbal continua a ser uma das regiões mais pobres do país, onde o Estado social faz muita falta. O país está em condições de aumentar a despesa com a Defesa sem comprometer as políticas sociais?
Isso é a minha opinião pessoal. Quer dizer, aumentar as verbas em defesa vai ser uma obrigação internacional, da União Europeia e da NATO. E nós somos da União Europeia e somos da NATO.
Agora, há quem diga que isto vai prejudicar o Estado social. Eu digo, nem pensar. Seria uma tragédia se fosse, seria um absurdo. E, portanto, o aumento das verbas de defesa, primeiro, vai-se fazer de forma gradual. Não é de um ano para o outro.
Segundo, vai ser feito com verbas nacionais e também com apoios comunitários. Terceiro, também vai entrar nisto empréstimos de carácter europeu.
Quarto, também alguns fundos de coesão. Chamo à atenção que a Comissão Europeia já autorizou que uma parte dos fundos de coesão seja afecto às indústrias de defesa. Penso que vamos, obviamente, conciliar uma coisa e outra.
E há aqui um ponto que pouco se tem falado, que é muito importante, que é, nós temos de transformar este reforço das verbas de defesa numa nova oportunidade para o país, em termos económicos, que é reforçar as indústrias de defesa. Portugal, até por causa da guerra colonial de há 50 anos, teve uma grande tradição em indústrias de defesa. E tem aqui uma grande oportunidade.
Os fundos de coesão, os fundos comunitários, vão passar a ser também, a poder ser utilizados para defesa. E devem ser para incentivar as indústrias de defesa. Criar mais riqueza e criar postos de trabalho. Portanto, eu julgo que o Estado social não pode nem vai ser afectado. Diria mesmo que, se fosse afectado, seria uma tragédia.
Mesmo com o envelhecimento demográfico e a pressão sobre a Segurança Social?
É justamente por causa disso. O envelhecimento da população é isso que reclama que nós não possamos pôr em causa o Estado social. Somos um país com uma população cada vez mais envelhecida. Nasce cada vez menos gente e, portanto, a população envelhece. E se envelhece, há duas coisas que são óbvias.
Evidentemente que é um peso para a Segurança Social e é um peso maior sobre a saúde, porque é, de facto, no fim de vida que as pessoas recorrem mais ao Serviço Nacional de Saúde. Ora, Segurança Social e saúde são dois pilares essenciais do Estado social. Se a população envelhece, é preciso mais Estado social e não menos Estado social.
Algumas pessoas que dizem, reforço das verbas da defesa à custa do Estado social, eu acho que essas pessoas andam noutro mundo e esse discurso é inaceitável.

Sobre a criminalidade, em que Setúbal aparece como um dos distritos mais afectados, tem dito que é melhor não fingir. Como se deve enfrentar esta realidade?
A criminalidade tem de se enfrentar obviamente da única forma que se pode enfrentar, evidentemente, e que é com uma actuação empenhada das forças de segurança, não há outra forma.
Evidentemente que a criminalidade geral em Portugal tem vindo a diminuir, mas é tudo muito assimétrico. Há distritos, como é o caso de Setúbal, em que tem vindo a aumentar e, portanto, isso vai reclamar cada vez mais uma maior atenção e motivação de empenho das forças de segurança. E, portanto, não sei, porque essa é uma matéria que não me diz respeito, mas se for necessário reforçar os meios para as forças de segurança, seja em Setúbal, seja noutra zona do país, isso não pode deixar de ter atenção e de ser uma prioridade.
Nós estamos numa fase da vida, da vida nacional, em que temos aqui muitas coisas positivas, a economia tem vindo a crescer bem, o desemprego é baixíssimo, quase não existe, temos ao mesmo tempo o turismo bastante em alta, temos um significativo número de investimento nacional e estrangeiro, portanto, isto são tudo coisas positivas. Agora, temos de ter em atenção que há três ou quatro questões também que ainda são negativas ou que ainda suscitam preocupação. Para mim, a mais decisiva de todas é a pobreza.
A pobreza é ainda muito alta, os índices de pobreza são muito altos, os níveis de pobreza são muito inquietantes. E é por isso que eu faço sempre um apelo às autoridades, seja no governo, seja nas autarquias, para concentrarem o mais possível as atenções e o investimento no combate à pobreza e às desigualdades sociais. Isto tem a ver com Setúbal, mas tem a ver com outras zonas do país.
Infelizmente, o combate à pobreza e às desigualdades sociais ainda não é uma prioridade nacional. E tem de ser, porque senão nós crescemos, mas não desenvolvemos. O desenvolvimento é o crescimento com a justiça social.
Marcelo Rebelo de Sousa prometeu acabar com os sem-abrigo em Portugal. Aprofundando a questão da pobreza, quais considera serem as melhores formas de a combater?
Eu não tenho de ter, porque eu sou candidato a Presidente da República e quero ser Presidente da República, se obviamente tiver a confiança dos portugueses. O Presidente da República não governa, mas tem de ter causas. E a causa dos sem abrigo, para mim, é uma causa importante.
Se alguém quiser resolver a sério o problema dos sem abrigo, pelo menos reduzir significativamente, acho que para eliminar é muito difícil. Não vi eliminar os sem abrigo até hoje em nenhuma grande cidade da Europa, mas a grande questão é diminuir significativamente.
Se alguém quiser esse objectivo, tem de fazer uma coisa, que é entregar a responsabilidade desta situação às autarquias locais e às instituições sociais. Se continuar a ser o Governo, o Estado Central, a burocracia do Estado Central, pode ter a certeza de que nos próximos anos vamos ter a mesma frustração que aconteceu nos últimos anos. Uma promessa e uma promessa não cumprida.
Porquê? Porque quem tem capacidade para resolver este assunto é quem está no terreno, próximo das pessoas. A burocracia do Governo, mata qualquer boa ideia. Isto falhou durante estes anos porque está-se ao nível central, num gabinete, um conjunto de burocratas, a fazer relatórios, a fazer estudos, a fazer planeamento, quando isto se resolve no terreno.
Quem é que está no terreno? As autarquias e as instituições sociais. Entreguem o dossier dos sem abrigo às autarquias e às instituições sociais e eu acho que as coisas melhoram.
Quais os maiores desafios que antevê para o próximo Presidente da República?
Estabilidade e ambição. O primeiro grande desafio é a estabilidade, por duas razões, uma razão interna e uma razão internacional. A razão interna é que não podemos continuar nesta situação de ter eleições de ano em ano. Acho que isto tem de acabar.
Isto não é modo de vida. Um país que tem crise de ano em ano, eleições de ano em ano, é um país que não vai a lado nenhum. É um país que não gera condições para as pessoas investirem.
O que significa que o próximo Presidente da República tem de ter uma capacidade e uma firmeza muito grande de fazer tudo para evitar crises. Não é resolvê-las, porque resolvê-las, no final, é dissolver o Parlamento. Isto toda a gente sabe fazer.
É só assinar uma lei. Não, tem de se actuar no início de uma crise para a prevenir, para a evitar. O que é que isso implica? Fazer pontes entre os partidos.
O próximo Presidente da República, se houver um governo minoritário, tem de mediar um acordo entre os dois maiores partidos, PS e PSD, com três questões. Evitar moções de censura, evitar moções de confiança e exigir que os dois partidos se comprometam a negociar, ano a ano, os orçamentos de Estado.
Isto são as três condições mínimas para garantir estabilidade. Isto não é nenhum bloco central. Isto não é nenhuma geringonça. Isto é garantir condições de estabilidade e de governabilidade. Dir-se-á isto é difícil. É difícil, mas não é impossível.
Os portugueses estão fartos de eleições. Os portugueses estão fartos de crise política. E o Presidente da República tem de perceber o sentido disto mesmo e tem de chamar os partidos e dizer-lhes com toda a clareza. Acabou este tempo de miniciclos, temos de ter um mínimo de estabilidade.
O segundo grande objectivo da minha candidatura, a par da estabilidade, é a ambição. Quando eu falo de ambição não falo de ganância. A ambição é para Portugal, no sentido de termos de ter políticas com mais ousadia. Políticas com maior crescimento, temos de crescer economicamente mais do que estamos a crescer.
Temos de ter políticas mais ousadas no domínio social. Volto a dizer, o combate à pobreza e às desigualdades sociais tem de ser a prioridade que ainda não é hoje. Nós estamos no século XXI e não podemos continuar a ter os nichos de pobreza que temos.
Eu estive hoje no Mercado do Livramento, e ouvi as pessoas que falaram comigo e a dizerem-me que há muita pobreza aqui. Não foi uma pessoa, foi mais do que uma pessoa. E eu sou muito sensível a isso.
O que significa que nós temos de ter mais ousadia. Quando eu chamo ambição é ousadia nas políticas. Crescimento. Justiça social. Temos de ter outra ousadia. Combate à violência doméstica. Ainda há muita tolerância neste domínio, não pode haver.
O Presidente da República tem de fazer pedagogia. Ele não governa, mas tem de fazer pedagogia em torno dos objectivos principais que o país precisa ter.
A Constituição da República fez este mês 49 anos. Tem falado numa revisão cirúrgica. Isso é concretamente o quê?
Eu vou-lhe explicar. O que eu tenho dito foi a respeito de uma questão só, porque, de resto, acho que o país não precisa, de um modo geral, de revisões constitucionais. Dei esse exemplo apenas a respeito de uma questão. Houve um deputado do Chega que foi apanhado a furtar malas e que agora está numa investigação judicial.
Disse que a Assembleia da República devia ter instrumentos para penalizar esse deputado. Uma coisa é a parte judicial, outra coisa é a Assembleia da República.
Como é que se pode ter no Parlamento um deputado que anda a roubar malas? A Assembleia da República não tem mecanismos para isso, mas devia ter. E eu disse que acho que é uma questão de fazer uma lei para estabelecer essas sanções.
E depois disse que acho que isso é possível por lei. Mas há algumas pessoas que dizem que isso só com mudança da Constituição. Então, se é possível mudança da Constituição, faça-se uma mudança cirúrgica da Constituição. Foi neste sentido.

Que mensagem quer deixar aos leitores d’O SETUBALENSE?
Primeiro, uma palavra de homenagem. Homenagem a um jornal que é o mais antigo do continente. É um jornal histórico. E, portanto, queria saudar o jornal e queria saudar na pessoa de todos os seus colaboradores. Acho que devem sentir um grande orgulho de um jornal histórico, o mais antigo de Portugal Continental, e que mantém a pujança de sair diariamente e de ser um interlocutor junto desta região. Segundo, queria só, a partir do jornal e com esta oportunidade que me dão, deixar aqui uma mensagem de confiança a todos os setubalenses.
Confiança no futuro. Ou seja, hoje há muitos problemas, mas, no passado, havia ainda mais. Temos de olhar para os problemas não com fatalidade, mas como oportunidade. Ou seja, perante as dificuldades e os problemas que temos, da pobreza, de desigualdades, de insegurança, perante todos os problemas, não devemos cruzar os braços, devemos sim arregaçar as mangas. E eu acho que temos de ter esse sentimento positivo. Mas ainda hoje, andando esta manhã nas ruas de Setúbal e falando com muitas pessoas, eu vi um grande sentimento de confiança, um grande sentimento positivo e construtivo em relação ao futuro. Queria deixar, portanto, uma palavra de homenagem ao jornal e de confiança para os setubalenses.