Caso aconteceu em Outubro de 2020, com Lucas a ser asfixiado por colegas e abandonado em poço em Palmela
Os dois jovens acusados da morte de Lucas Miranda, com 15 anos, com quem estavam institucionalizados no Centro Jovem Tabor, em Setúbal, vão ser julgados por tribunal de júri.
O procedimento para a selecção do júri, que representa a primeira diligência, acontece na próxima quinta-feira, dia 22 de Setembro, a partir das 09 horas, sendo que vão ser nomeados quatro jurados efectivos e quatro suplentes.
Já o passo seguinte passa pela realização de questionários, em que a defesa e a acusação têm a possibilidade de aceitar, ou rejeitar, os cidadãos escolhidos.
No referido caso, em que os dois jovens atiraram o corpo da vítima para dentro de um poço, a cerca de 150 metros da instituição, foram os assistentes a requerer a constituição de júri.
Trata-se de um julgamento raro, uma vez que em Portugal existe uma reduzida utilização do tribunal de júri, composto por três juízes de direito, um dos quais com a função de presidente.
O julgamento dos dois jovens, acusados em Maio último, pelo Ministério Público, de homicídio qualificado e profanação de cadáver, deverá decorrer na sala principal de audiências do Tribunal de Setúbal, em data a marcar posteriormente.
Vítima pediu para morrer
O crime remonta a 15 de Outubro de 2020. Lucas Miranda, institucionalizado 13 dias antes no Centro Jovem Tabor, tentou fugir por diversas ocasiões, até que o seu desaparecimento foi comunicado à Polícia Judiciária (PJ).
A 16 de Fevereiro de 2021, passados quatro meses, o corpo do jovem com 15 anos foi encontrado, em estado de decomposição, dentro de um poço em Brejos do Assa, Palmela.
menor foi asfixiado até à morte e enforcado numa árvore por dois colegas do centro. Trata-se de um plano delineado entre os três, que consistiu em asfixiar o jovem até à morte, a seu pedido, e enforcá-lo para simular o suicídio aos olhos da polícia, mas o ramo do sobreiro cedeu.
No dia a seguir ao crime, Lucas já estava com os joelhos no chão. Os dois arguidos decidiram então retirá-lo da árvore, enrolar o cadáver num lençol da instituição e atirá-lo ao poço inutilizado, tapando-o, nos dias seguintes, com terra e galhos.
Institucionalizado a 02 de Outubro de 2020, Lucas Miranda chegou a fugir seis vezes do centro, pelo que, quando desapareceu, se tenha pensado que se tratava de mais uma das suas fugas.
O crime terá sido planeado no início de Outubro. A vítima queixava-se de estar farta da vida e pediu aos colegas para a matarem. Dois dias antes terá acontecido uma primeira tentativa, com um dos autores do crime a asfixiar Lucas até este perder os sentidos, a seu pedido, para simular a sensação de morrer.
Quando recuperou os sentidos, o jovem de 15 anos pediu para que o matassem da mesma forma. Na manhã do crime, os três saíram do centro e Lucas foi asfixiado, desta vez até à morte.
Foi em Novembro que surgiu o primeiro rumor sobre a morte de Lucas, ao dar conta de que o seu corpo estava num poço, não no de Palmela, mas algures no concelho da Moita. Passado um mês, o padrasto do jovem garantiu tê-lo visto a embarcar no terminal fluvial do Barreiro, rumo a Lisboa.
A localização exacta do corpo de Lucas Miranda chegou à PJ em Fevereiro de 2021, assim como a forma como foi assassinado. Foram encontradas ossadas a cinco metros de profundida.
A operação foi levada a cabo pelos Bombeiros Sapadores de Setúbal, que encontraram igualmente o cadáver de um cão. Volvidas duas semanas, foram detidos os dois autores do crime, na altura com 16 e 17 anos.
No entanto, o Tribunal de Setúbal viria a libertar os dois jovens – que regressaram à instituição -, contra a vontade do Ministério Público. O Centro Jovem Tabor é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) sob a dependência da Diocese de Setúbal da Igreja Católica, que acolhe cerca de duas dezenas de jovens com dificuldades de inserção na sociedade.
Mãe adoptiva pede indemnização civil de 400 mil euros Já este ano, no passado mês de Junho, a mãe adoptiva de Lucas Miranda tomou a decisão de avançar com um pedido de indemnização contra o Estado, o centro de acolhimento, o Ministério da Segurança Social e os dois jovens acusados do homicídio.
O pedido de indemnização civil no âmbito do processo-crime foi feito no valor de 400 mil euros: 200 mil a título de indemnização por perda do direito à vida (dano morte), 100 mil euros a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima e 100 mil euros a título de danos não patrimoniais sofridos pela demandante (a mãe).
No pedido de indemnização é referido que “falharam todas as instâncias de controlos e dessas falhas resultou a morte de Lucas Miranda”, com a mãe a sentir-se “defraudada pela confiança que depositou no Centro Jovem Tabor e no Estado português, a quem acreditou que o filho estava confiado”.
Lucas Miranda foi adoptado em 2008, com dois anos e meio, e, de acordo com o documento processual entregue, a partir do 5.º ano começou a revelar problemas comportamentais, típicos da adolescência, o que levou a mãe a recorrer a instituições públicas, passando o jovem a ser seguido por uma pedopsiquiatra.
Já no início da pandemia de covid-19, e com a consequente quebra das rotinas, o menor tornou-se mais violento e começou a ser agressivo com a mãe, que voltou a pedir ajuda. A participação deu origem à intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), culminando o processo na institucionalização de Lucas a 02 de Outubro de 2020.