João Reis Ribeiro: “Não faço crítica literária, chamo a atenção de que é preciso ler para conhecer o mundo”

João Reis Ribeiro: “Não faço crítica literária, chamo a atenção de que é preciso ler para conhecer o mundo”

João Reis Ribeiro: “Não faço crítica literária, chamo a atenção de que é preciso ler para conhecer o mundo”

Por ocasião da publicação da centésima crónica ‘500 Palavras’, o autor João Reis Ribeiro partilha como tem sido a experiência e faz um retrato da produção literária na cidade

 

Desde Março de 2020, João Reis Ribeiro publica, às quartas-feiras, a crónica ‘500 Palavras’ no jornal O SETUBALENSE, um espaço onde partilha livros que leu, de que gostou ou que considerou particularmente interessantes, sobre os mais variados temas. Chega esta semana ao centésimo registo, marco que assinala com um conjunto de reflexões sobre o acto de ler e o universo do livro no seu todo (página ao lado).

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Professor de Português no ensino secundário, João Reis Ribeiro é membro de associações locais como a Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, Casa da Poesia de Setúbal e Associação Cultural Sebastião da Gama e autor de diversas obras publicadas. Responsável pela edição completa e anotada do “Diário” de Sebastião da Gama, em 2011, colabora na imprensa desde 1976 em jornais de Viana do Castelo, Caminha, Lisboa e Setúbal.

Como surgiu a ideia para publicação da crónica ‘500 Palavras’?

Um dia, Francisco Rito, director de O SETUBALENSE, lançou-me o desafio – “quando quiser colaborar, temos o jornal ao dispor”. Na altura, nem disse que sim nem que não, ficou apenas a ideia. Com o início da pandemia, tempo de mais isolamento, a leitura foi um recurso eficaz. Como sempre gostei de partilhar ideias sobre livros, contactei o Francisco e propus-lhe escrever uma crónica sobre um livro de três em três semanas. Não fui capaz de cumprir tal prazo, logo que saiu a primeira, enviei-lhe a segunda e assim sucessivamente. Desde aí até hoje, falhou uma semana por causa do calendário dos feriados e estamos já nas cem crónicas semanais sobre um livro, num tempo que vem desde Março de 2020. Nem eu pensava nesta longevidade.

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De que forma deve ser apresentada esta crónica?

Simples: é uma crónica sobre um livro lido. Um livro de que tenha gostado ou que considere interessante. Não escrevo sobre livros de que não gosto. Não é uma crítica literária, é mais um registo de leitura, uma nota de apresentação, em que ressalte o prazer de o ter lido ou o interesse que a obra possa ter, uma chamada de atenção para algumas ideias ou apenas para o facto de ser preciso ler para conhecermos o mundo.

A que critérios obedece a escolha dos livros?

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O gosto pessoal ou a necessidade e oportunidade do momento. Evito deixar-me dominar por um tema, porque as nossas leituras devem ser diversas, desde o assunto local ou de um autor próximo até à obra de um autor consagrado, sobre temas e géneros diversificados, de autores portugueses ou estrangeiros. Enfim, a diversidade da vida e da biblioteca! 

Como decorre o processo de escrita destas crónicas?

Normalmente, são escritas dois ou três dias antes de as enviar para o jornal, nem sempre quando acabo de ler o livro. Por vezes, entre a conclusão da leitura do livro e a escrita da crónica, passam alguns dias, mas as anotações e os sublinhados que vou semeando pelos livros ajudam a relembrar sensações de leitura e ideias. Em muito poucos casos, retomei coisas que já tinha escrito há muito tempo sobre uma ou outra obra, afinal uma forma de reler ou de voltar a sentir o prazer de ter lido aquele autor. Frequentemente, ultrapasso os limites do texto e, depois, vou podando o que pode estar a mais, um bom exercício de simplificação. Quando escolhi o título ‘500 Palavras’ foi para me impor limite no espaço do jornal, muito embora sejam sempre mais do que isso, e propositadamente não trouxe a palavra ‘livro’ para título, porque queria falar de livros assim como quem conta uma história.

E que significado tem ter contado até aqui estas cem histórias?

Não imaginava chegar lá tão rapidamente, duvidava da continuidade, porque podia o tema ser considerado supérfluo num jornal local. Afinal, a cultura raramente surge nos jornais locais para lá do serviço de agenda a anunciar, porque, depois, nem relato há do acontecido, salvo raras excepções. E, então, no que diz respeito a livros normalmente é mesmo só a agenda das apresentações e nada mais. Compreende-se, porque ler exige tempo e disponibilidade e, por vezes, o espaço é curto e há outras áreas de interesse mais geral, mas é bom que haja esta porta aberta. Continuarei, enquanto o tempo me permitir e o jornal o queira.

Tem recebido feedback?

Pouco, mas já tenho sido surpreendido. Ainda há tempos, encontrei um amigo que já não via há dois ou três anos e me disse: “João, vejo-te todas as semanas! Leio o que escreves n’O SETUBALENSE”. É interessante ver que há pessoas que vão ler sobre livros, seja qual for a razão, e que se tornam fiéis. Como, depois, os textos estão disponíveis na Internet e nas redes sociais, lá se vai vendo um ou outro comentário. Normalmente, as pessoas não comentam muito sobre o que lêem sobre livros, a não ser que conheçam o livro de que se fala.

Que retrato faz da produção literária, e também da crítica literária, na cidade?

As obras que se vão publicando em Setúbal têm estado relacionadas sobretudo com história local e com poesia. É verdade que também temos autores setubalenses que publicam na área do pensamento e da filosofia ou na área do romance, mas ligados a editoras de projecção nacional. Em termos de publicações locais, o movimento associativo e as autarquias têm proporcionado bons estudos de história local e simpáticas obras de projecção e de divulgação regional, abrangendo diversas épocas ou aspectos, e têm surgido muitos títulos de poesia, normalmente em edição de autor. Nota-se também que há esforço na realização de eventos públicos de apresentação destas obras, embora o seu público seja normalmente restrito. Talvez falte, depois, uma forma continuada de divulgação e venda, pois, por vezes, torna-se difícil adquirir obras para lá do momento da apresentação pública. Tenho a ideia de que há muita gente a investigar sobre Setúbal, em número superior ao que é publicado. Talvez devesse existir uma bolsa de apoio à edição e publicação local, partilhada por várias instituições. Mas o importante, verdadeiramente, é que se leia e que se fale sobre o que se aprende e descobre, e, quanto a isso, tem sido interessante o trabalho feito por diversos agentes, como a Biblioteca Municipal, a livraria independente Culsete, as dinâmicas   partilhadas em grupos de leitores, os debates e leituras sobre livros e autores na Casa da Cultura, os encontros da Casa da Poesia, o contributo de algumas escolas com projectos de leitura e de escrita. Felizmente, Setúbal tem tido boas referências neste campo, onde também temos a noção de que se deve continuar a trabalhar e a partilhar, porque ler é mesmo uma incrível janela sobre a identidade e sobre a humanidade.

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