Investimento permitiu elevar a taxa de cobertura de saneamento de “80% em 2004 para 99,32% em 2022”. A população servida com tratamento passou de “25% para 98,83%”, destaca o responsável. Impactos também são visíveis no Tejo
A SIMARSUL – sistema responsável pelo encaminhamento e tratamento de efluentes em oito dos nove municípios que compõem a península de Setúbal (a excepção, desde início, é o município de Almada) – celebrou 20 anos de existência ao longo de 2024. Francisco Narciso, presidente do Conselho de Administração da empresa, faz o balanço aos investimentos realizados e realça as mudanças significativas operadas na península, que contribuíram para a saúde pública e a recuperação e preservação dos ecossistemas da região.
Que leitura faz sobre os 20 anos da SIMARSUL?
Acima de tudo, [uma leitura] de esforço conjunto, de uma ideia de uma grande parceria no território, com um conjunto de entidades externas. Foi um pouco isso que procurámos assinalar com um ciclo de conferências ao longo do ano. Porque foi um esforço conjunto continuado de infra-estruturação, implementação de modelos de governança, da articulação que tem havido ao longo destes 20 anos no encaminhamento e no tratamento dos efluentes. Não basta ter uma boa ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais], é preciso ter aqui, digamos, toda a infra-estrutura a montante, todo um trabalho de sensibilização junto das populações que é também aqui muito determinante. Hoje é evidente a alteração do panorama de desempenho ambiental. Este foi um trabalho que começou a partir de 1974 e que nós procurámos também salientar nas conferências públicas [comemorativas dos 20 anos].
Esta, pode dizer-se, é também uma das conquistas de Abril, do Poder Local…
…Exatamente. Ou seja, todo o processo de infra-estruturação acelerado foi feito. Já havia algumas manifestações na década de 1960, relativamente a planos e à resolução de grandes problemas nacionais, mas é muito evidente que a partir de 1974 é que se criou uma dinâmica de resolução concreta, e a península de Setúbal, em particular, foi exemplar a nível nacional. Daí falarmos sempre na grande parceria, num esforço conjunto e articulado de infra-estruturação.
Qual foi o investimento global realizado até hoje pela SIMARSUL?
Nestes últimos 20 anos estamos também na presença de uma alteração de paradigma e de filosofia. É que não basta construir, há um esforço continuado de boa operação, de boa manutenção, boa substituição, de formação de quadros técnicos. Falamos hoje neste conjunto de impactos positivos, seja o bem-estar, a saúde, a recuperação e preservação dos recursos hídricos, a qualidade das águas balneares – temos aqui um paradigma em termos de águas balneares que é exemplar: basta dizer que, por exemplo, vamos a Sesimbra e temos uma ETAR mesmo ao lado da praia –, mas, acima de tudo, também da preservação da biodiversidade, na protecção do ambiente.
Desde 2004 foram reabilitadas 12 ETAR e construídas nove, assim como foram construídas 71 estações elevatórias, dois novos emissários, uma rede de colectores de 215 quilómetros. Ou seja, foi um esforço enorme em toda esta península e estamos a falar de um investimento global na ordem dos 227 milhões de euros, o que permitiu elevar a taxa de cobertura de 80% em 2004 para 99,32% em 2022, passando a população servida com tratamento de 25% em 2004 para 98,83% em 2022, conforme os dados publicados pela entidade reguladora.
Quando olhamos para a margem sul não podemos esquecer que isto teve de ser, mais uma vez, um trabalho articulado a nível nacional. O que seria do Rio Tejo se não fosse uma idêntica intervenção na margem norte ou nos municípios mais a montante do rio? Por isso é que hoje temos com muito orgulho a questão do Rio Tejo, quando vemos as manifestações de golfinhos… uma associação ambientalista dizia que já identificou pradarias marinhas no estuário do Tejo, ou seja, os ecossistemas, de certa forma, a recuperarem. E essas são as verdadeiras manifestações do sucesso desta grande parceria.
Portanto, acima de tudo, isto é o passado, é o presente e depois é também o futuro. Porque quando nós temos ambições para o território, como, por exemplo, a recente candidatura da Arrábida para a reserva da biosfera, é com projectos destes que também estas matérias têm sucesso. É com projectos destes que também o território está mais capacitado para capitalizar um conjunto de oportunidades, além dos desafios ambientais que temos, de oportunidades de investimento, seja o novo aeroporto, ou situações de indústrias que estão a querer aqui fixar-se.
Que investimentos destaca desse bolo?
Todas as ETAR são importantes. Mas, o projecto do Barreiro-Moita foi um marco muito grande, por toda a envolvente e pela sua dimensão – é a nossa maior ETAR. E importa precisar que as descargas no Barreiro acabaram em 2019. Até 2019 havia descargas de uma parte industrial.
Há aqui um trabalho pouco visível, por vezes aparece, quando é publicitado no nosso site, como por exemplo com as queijarias, com a parte de produção de vinhos, com a [indústria das] carnes, em que estamos a trabalhar lado a lado, cada um com as suas responsabilidades…
Com as queijarias de Azeitão houve um investimento de êxito.
É importante ter a inteligência para adequar cada solução à própria necessidade. A situação das queijarias é muito interessante, porque o caso de Azeitão, cuja solução foi depois replicada, por exemplo no Alentejo, foi tão simples quanto isto: foi, pura e simplesmente, separar o soro na produção de queijo. A parte de maior carga poluidora passou a ter um processo de separação e de encaminhamento para uma ETAR apropriada.
A separação é determinante. Ainda há pouca consciencialização cívica, deposita-se tudo numa sanita ou num lava-loiças, o que provoca constrangimentos no sistema…
… Essa é uma mensagem necessária de vincar. Por exemplo, o fenómeno das toalhitas [de higiene], que a SIMARSUL tem trabalhado de forma continuada… Indevidamente alguém diz que aquilo é biodegradável. Se calhar é capaz de ser biodegradável ao fim de muitos meses, ao fim de muitas horas ou dias, mas ao fim de poucos minutos ou de poucas horas elas criam lençóis que danificam, fazem parar os sistemas de bombagem, entopem o sistema. Quando forem ao nosso site, seguramente que encontrarão lá fotografias relativamente a essa matéria. Lençóis que chegam a ser de vários metros. Já nem estamos a falar das situações de fraldas de bebé ou de fraldas de adultos.
Daí a razão da mensagem de proximidade às comunidades que a SIMARSUL tentou passar ao longo do ciclo de conferências que foi realizando, pelos vários municípios, nas comemorações destas duas décadas de existência?
Os desafios com que nos confrontamos passam por aprofundarmos essa proximidade. Trabalhar hoje com proximidade com as comunidades, prepará-las, sensibilizá-las para a tipologia de respostas que, como sociedade, temos de dar é aqui fundamental. E era esse também, muito, o papel da forma de assinalarmos os 20 anos. Não era apenas falar do passado, do presente, mas, acima de tudo, desenvolver aqui uma proximidade que nos possa alavancar melhores respostas do território, relativamente ao conjunto de desafios para o futuro.
Este é um sistema com 100% de capitais públicos, mas que depende do pagamento das facturas dos municípios associados. Todos os municípios têm as contas em dia com a SIMARSUL?
Diria que temos aqui uma situação exemplar. Agora, todos nós na nossa vida, por vezes, passamos por ciclos um pouco mais de aperto e a seguir resolvemos. Temos uma situação regular, uma situação de resolução, em conversas sempre com os responsáveis autárquicos.
Vamos ao futuro. Quais são os principais desafios da SIMARSUL, numa altura em que já se sentem os efeitos das alterações climáticas? Os desafios de hoje não são os mesmos de há duas décadas.
Seguramente, não. A nossa agenda hoje tem uma ambição e um papel muito relevante na acção pelo clima e começou a ser preparada já há alguns anos de forma continuada, acelerando a economia circular em domínios como o da água para reutilização e o da valorização de lamas. Hoje temos projectos muito concretos, nomeadamente na questão das lamas, que é também uma questão de diminuir a deposição em aterro e valorizar em termos orgânicos, ou seja, para a valorização de solos, em termos de matéria orgânica. Estamos também a ultimar importantes investimentos no domínio da descarbonização, através da produção de energia. A nossa missão é mesmo a questão do ambiente. Mas, não podemos esquecer que a digitalização foi um dos principais ensinamentos da pandemia. Daí a necessidade de reforçar a digitalização. Estamos a trabalhá-la e vai ser muito importante também para os novos desafios das alterações climáticas, para o desafio da melhor monitorização e para responder àquilo que são as novas exigências de tratamento.
Numa escala de 0 a 10 em que patamar coloca a SIMARSUL?
Eu sou sempre uma pessoa muito exigente, logo dificilmente daria 10. Mas daria facilmente um 8 ou um 9. Porque todo o percurso da SIMARSUL tem muitos traços de inovação. A proximidade, a participação dos municípios sempre foi inovadora. Uma grande proximidade para as actividades económicas foi também sempre um traço muito inovador. Quando falamos, por exemplo, na questão da primeira actividade complementar e acessória também sempre foi aqui uma grande veia de inovação. Por exemplo, estamos a querer montar também um projecto inovador de monitorização do impacto nos ecossistemas, dar mais ferramentas às comunidades para também monitorizarem o nosso desempenho, também é inovador. Depois também uma outra particularidade, que são os nossos trabalhadores. Já temos aqui uma patente registada com base numa inovação de um colega, que foi submetida a registo em 2014 e foi obtida em 2021. Agora, fizemos o primeiro concurso de inovação, digamos, mais abrangente e para uma empresa com pouco mais de 100 trabalhadores, na ordem dos 120, ter 13 propostas… isto mostra logo aqui uma ambiência muito própria. Arrisco a dizer que vamos ter seguramente, pelo menos, mais uma patente. Isto é próprio da ambiência de inovação que tem.
O actual modelo permite à SIMARSUL a sustentabilidade financeira para que assim continue ou a entrada de privados é um cenário a ser equacionado?
É um modelo do passado, da década de 1990, é um modelo do presente e é um modelo com capacidade para o futuro, pelo menos para o futuro que hoje temos. É evidente que isto passa sempre por um conjunto de nuances e, acima de tudo, por ter os parceiros alinhados relativamente a estas matérias. No dia em que esta engrenagem complexa for prejudicada, aí poderemos ter de pensar. Agora, neste momento, é de uma enorme previsibilidade, é exemplar em termos de desempenho económico-financeiro.
Como imagina a SIMARSUL daqui por 20 anos?
Imagino a ter esta capacidade de antecipação, a ter uma capacidade mobilizadora, dinamizadora no território, em grande proximidade com os seus stakeholders, parceiros, com o tecido económico, com as comunidades, com as forças vivas de todo este território. E depois com um traço, em particular dos nossos trabalhadores, dos nossos técnicos, que é esta capacidade de ir muito além do mero exercício da função. Há aqui um espírito de missão, de servir, que é fundamental. E isso não se pode perder, isso é crítico.
Investimento Mais de 25 milhões previstos para Setúbal
O município de Setúbal aderiu à SIMARSUL desde a primeira hora, mas a sua integração plena no sistema só se efectivou há dois anos e o balanço, diz Francisco Narciso, é francamente positivo. Desenvolvido foi um plano de intervenção “significativamente diferente e mais exigente do que o inicialmente admitido”. “Hoje discutimos e temos planeados investimentos acima dos 25 milhões de euros, quatro vezes mais do que o inicialmente previsto, circunstância que não deixa de nos remeter para configurações técnicas e calendários de execução diferentes dos anteriormente admitidos. Adicionalmente, intervenções de maior complexidade remetem-nos hoje para calendários de execução significativamente mais dilatados”, salienta o responsável sobre a dinâmica de desenvolvimento em torno da ETAR de Setúbal.
Nos dois anos de integração foram concluídas “múltiplas intervenções, com investimentos e gastos acumulados na ordem dos 500 mil euros, decorrentes do esforço de substituição de equipamentos e outros materiais”. Entre as intervenções levadas a efeito, Francisco Narciso destaca “a antecipação das intervenções (nas EEAR de St. Ovídeo e Faralhão), agora praticamente alinhadas com as intervenções tidas como prioritárias (nas EEAR do Bonfim e Praias do Sado)”. Além disso, no subsistema de Setúbal “têm sido introduzidas alterações destinadas a eliminar as afluências indevidas, designadamente válvulas anti-retorno em descarga de emergência (da EEAR Faralhão 2)”, conclui.