Florival Cardoso: “Não consegui tirar a Casa do Povo do cinzento, mas ‘O Sonho’ navega bem”

Florival Cardoso: “Não consegui tirar a Casa do Povo do cinzento, mas ‘O Sonho’ navega bem”

Florival Cardoso: “Não consegui tirar a Casa do Povo do cinzento, mas ‘O Sonho’ navega bem”

Dirigente de várias IPSS que têm estado “debaixo de fogo” responde a quem o acusa de má gestão na Casa do Povo, de Sesimbra, e diz que sobre o processo de ‘O Sonho’, em que foi constituído arguido, não sabe mais nada

 

Florival Cardoso, dirigente de Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) há 40 anos, que está à frente de associações em Setúbal e em Sesimbra, responde em exclusivo a O SETUBALENSE. Fala sobre a Casa do Povo, de Sesimbra, onde a dívida chegará aos 500 mil euros e os funcionários têm feito vigílias por salários em atraso. Sobre o inquérito do Ministério Público relativo a ‘O Sonho” diz apenas que está em segredo de justiça. Quanto às críticas, diz que são de “meia dúzia de teimosos, movidos por outros interesses”, e que não vai recandidatar-se à IPSS de Sesimbra. Mas garante que a instituição ainda é viável.

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O que está na origem da situação?

Lamentavelmente, agora é fácil meia dúzia de teimosos, movidos por outros interesses, arranjarem um motivo para fazer seja o que for. Hei-de saber, se há interesses políticos ou ódios de estimação por trás disto. Isto começou com um ‘vamos correr com a direcção’, que é um falso problema porque a direcção já tinha convocado eleições há um mês. Já é a segunda ou a terceira vez que a direcção faz pedidos de eleições antecipadas. Desta vez, convocámos uma assembleia, em que, na proposta do calendário eleitoral, estavam eleições para dia 3 de Março. Essa proposta não foi aceite porque quiserem fazer uma assembleia para aprovar o caderno eleitoral, que vai ser feita agora, dia 16. Entretanto, um grupo de sócios fez uma petição para se fazer uma assembleia extraordinária para saber como é que está a instituição, coisa que já tinha sido explicada na assembleia anterior. Neste momento, não há direcção nova na Casa do Povo exactamente porque este grupo fez isto.

Mas há efectivamente uma dívida de cerca de 500 mil euros?

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É fácil brincar com números. Quem vê um número de meio milhão é capaz de pensar que é muito. A dívida deve rondar isso, de grosso modo, mas está consolidada. Ou seja, o bolo da dívida, que são cerca de 300 mil euros, está acordado com a Segurança Social o pagamento de 1 900 euros por mês. As dívidas das empresas e das instituições são quando não temos dinheiro para pagar a pronto e vamos pagando. Portanto, essa dívida é natural. Também convém que se vá ver como é que essa dívida chega e se é da culpa da minha equipa. Isso é que é importante, quando se quer acusar alguém de má gestão… Para já, não se pode acusar um presidente de uma IPSS de má gestão porque é partir do princípio de que ele é administrador e é pago como administrador. Eu não recebo nenhum ‘tostão’ da Casa do Povo. O que pode haver é opções de gestão que levem a que o dinheiro, em vez de ir para um lado, vai para outro.

Então como é a que dívida chegou a este montante?

Este montante foi somado ao longo dos anos. Também dizem que as contas não foram apresentadas, o que não corresponde totalmente à verdade. Neste momento as contas estão em dia. Faltam só aprovar os dois últimos anos, mas já foram apresentadas as contas. Se se for à internet ver as contas das outras instituições, rara é a IPSS que não tem um montante destes. O problema está no financiamento, porque o financiamento é através da Segurança Social e não paga as despesas correntes. Quem vai para estas instituições, regra geral, não são classes médias altas que poderiam pagar mensalidades um bocadinho melhores. Quem vai, e é essa a missão das instituições, são pessoas que têm baixos rendimentos e pagam baixas mensalidades. Portanto, é fácil juntar dívida.

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A culpa não é então desta direcção?

Ainda ninguém me culpou. Se alguém me culpar, nós depois fazemos contas.

E a Casa do Povo tem a capacidade para pagar os 1 900 euros à Segurança Social?

Até agora tem tido. Para o futuro, ver-se-á.

A instituição não está em risco de fechar?

Nunca ninguém disse isso. O risco há sempre. As empresas não são eternas. Agora, não é por isto que vai fechar. Pode fechar, por exemplo, se este grupo que anda a fazer isto não fizer uma lista para a Casa do Povo. Já deixei bem claro que desta vez não fico. Acho que isto é uma deslealdade, além de ser uma cobardia. Não vou ficar num sítio onde não me querem. Se este grupo não tiver a coragem de avançar para a gestão da Casa do Povo, não sei o que vai acontecer. Agora, posso garantir que nunca ninguém pôs em causa a continuidade da Casa do Povo, nem a direcção actual, nem a Segurança Social, nem a Câmara Municipal [de Sesimbra]. Antes pelo contrário, o que sempre disseram é que temos de arranjar uma solução para estabilizar a Casa do Povo. No fundo, antes de avançarmos para a recuperação, temos de estabilizar os utentes e as contas. No fundo, as receitas.

E há essa possibilidade?

É óbvio que há. Em Sesimbra as instituições estão todas cheias. Se as entidades que mais têm a ver com as instituições, que são as câmaras municipais e a Segurança Social, estão disponíveis para ajudar, há essa possibilidade. O grande problema financeiro da Casa do Povo prende-se também com a pandemia. Nestes dois anos estivemos a maior parte do tempo fechados. Outro tempo estivemos a 50%. Os pais e os empregados ficaram em casa e as despesas são as mesmas e apoios por parte do Estado, para assegurar as despesas de financiamento, foram zero. Estes dois anos foram a ‘gota de água’ em cima do copo porque a Casa do Povo estava à tona.

Tiveram as contas congeladas pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. Ainda continuam?

Não. Em Dezembro a conta foi bloqueada porque tínhamos três ou quatro acordos de pagamento não pagos e eles têm todo o direito de fazer isso. O problema surge quando bloquearam a conta e tiraram-nos de lá o dinheiro. Em Dezembro não conseguimos pagar os vencimentos. Fizemos o acordo em Janeiro. Pensávamos que no fim de Janeiro desbloqueavam a conta e o dinheiro que, entretanto, a Segurança Social pagava nesse mês ficava lá. Também não aconteceu. Portanto, mesmo depois do acordo feito, desbloquearam a conta, mas voltaram a tirar todo o dinheiro que lá estava para diminuir a situação. Contestámos e houve boavontade por parte de quem estava envolvido na Segurança Social para tentarmos recuperar esse dinheiro. Só que a recuperação não foi assim tão rápida. Só conseguimos ter esse dinheiro na conta na terçafeira de Carnaval. Foi nesse dia que eu paguei aos colaboradores o mês de Janeiro e o mês de Fevereiro.

Então à data de hoje os vencimentos estão regularizados?

Há sempre mais qualquer coisa. Em Fevereiro estava tudo regularizado. A Segurança Social voltou-nos a tirar muito mais dinheiro do que seria normal devido ao facto de termos menos utentes nos meses anteriores. No fundo, o acordo de recuperação é quase um contrato de prestação de serviços. Só que, de acordo com a lei, não se pode tirar mais do que 25% e a Segurança Social tirou-nos muito mais. Em 37 mil euros, recebemos, no bruto, 9 mil euros. Isso deu que pagámos 50% dos ordenados. Neste momento está 50% de vencimentos de Fevereiro em atraso.

Como está a situação do apoio domiciliário?

No apoio domiciliário estamos a conseguir, mas temos um outro problema. Muitos trabalhadores foram de baixa, outros despediram-se por falta dos vencimentos e outros foram para a reforma. Esta má publicidade está-nos a causar problemas na contratação. Ninguém quer ir trabalhar para uma casa de que toda a gente diz que vai fechar. Temos a equipa do centro de dia desfalcada e três vagas por ocupar com urgência, só na questão do apoio domiciliário. Nas outras está mais ou menos bem.

Com as contas congeladas, como ultrapassou a instituição estes meses?

Alguém teve de lá pôr o dinheiro. Alguém teve de pôr aquilo a funcionar. Fui eu, como é óbvio.

E que montante teve de investir?

Não sei. Muitas coisas foram donativos de terceiros. A Câmara [de Sesimbra] começou-nos a apoiar em termos alimentares em meados de Janeiro. O modelo que a Câmara arranjou foi contratualizar com outras instituições as refeições que fazemos. Fazemos cerca de cem refeições por dia, aos fins-de-semana são menos. A partir desta semana já nos vai dar os alimentos e somos nós que os confeccionamos. Depois há despesas. Pagamos uma média de 1 200 euros de gás por mês e 1 000 euros de electricidade. Esse dinheiro teve de sair de qualquer lado.

Como foram pedidos esses donativos?

Foram aparecendo. Também houve muito sacrifício por parte dos colaboradores que ficaram. A Casa [do Povo] continuou com o sacrifício de toda a gente que lá ficou. Nós ficámos com o quadro de pessoal abaixo de metade e as coisas funcionaram. Houve uma baixa das necessidades na área do apoio domiciliário. Em alguns casos dávamos dois banhos por dia e passámos a dar só um.

Relativamente a ‘O Sonho’, como está o processo judicial?

Sabe alguma coisa? Eu também não.

Nunca mais lhe disseram nada?

Nada. Zero. Embora eu ache que quem está por trás disto também está por trás do processo de ‘O Sonho’. Também não sei quem está por trás do processo de ‘O Sonho’. Não tenho nada em concreto. Aquilo está em segredo de justiça e no meu caso o segredo de justiça está a funcionar. Aguardo pacientemente que seja feita a acusação.

Na altura manifestou vontade de deixar a direcção de ‘O Sonho’. Mantém essa vontade?

Na altura o que eu disse não foi bem isso. O que disse foi que assim que isto acabar vou-me embora. Eu preciso de estar presente quando vier uma acusação, ou não. Se não vier acusação, tenho trabalho a fazer. Vou ver o processo, ver como é que isto começou e ver quem é que pode ser responsabilizado por tudo aquilo que me tem acontecido ao longo destes cinco anos. E por isto [Casa do Povo] também.

Terminado o processo tenciona sair?

É óbvio que tenciono sair. Tenho vida própria. O meu tempo ali passou. É claro que esta equipa, ao longo destes sete anos, não foi capaz de levar aquilo [Casa do Povo] a bom porto. Não tivemos a capacidade de tirar aquilo do cinzento. ‘O Sonho’ não tem problemas nenhuns. Navega calmamente.

Quando assumiu esta direcção já existiam valores em dívida?

O exercício que vai ser feito é ver como estava quando para entrámos e como fica depois de sairmos. São capazes de ter alguma surpresa.

Da Casa do Povo, disse ter a intenção de se demitir…

Dia 16 [de Março] temos a primeira assembleia para marcar a data das eleições, que será cerca de 15 dias depois. Em princípio dia 3 de Abril tem de haver eleições. Haja lista ou não, vou-me embora.

Mesmo que não haja alguém para o substituir?

Não é problema meu. Neste momento estou de tal forma desgastado que não fico lá. Aliás, todas as pessoas que estão na minha equipa estão demissionárias. A deslealdade é algo com o qual eu não trabalho. Para ficar lá há ali meia-dúzia deles que tinham de se despedir. Por tudo aquilo que foi feito tem de haver responsabilização porque há um prejuízo directo na Casa do Povo por todo este alvoroço sem nexo e sem causa. Quem fez isso só atrasou as eleições. Portanto, agora tem de ter a coragem de assumir.

Quando fala ‘em fazer isso’ refere-se à denúncia da situação?

Sim. Fizeram uma abaixo-assinado para uma assembleia que parou no fundo todo o processo para se fazerem eleições e mesmo assim não foram lá as pessoas certas. A quantidade de sócios que tinham de estar presentes não estavam, o que significa que essa assembleia não poderia ser feita. Eu é que propôs que falássemos na mesma.

E sobre a questão de haver crianças que estão como sócios?

Isso não corresponde à verdade. Ou melhor, isso é uma má-fé na análise porque se vamos por aí, também não podíamos passar o recibo em nome dos menores e eles também não podiam fazer um abaixo-assinado porque não eram sócios. E fizeram e foi aceite. O que se está a passar é que as quotas, na área da infância, são passadas junto com o recibo. Já era assim antes de eu entrar e não me preocupei com isso. Espero que a próxima direcção anule isso, mas não vai anular, porque não é lógico. É uma carga administrativa enorme e nós não temos hipóteses de passar o recibo em nome do menor e a quota em nome do pai.

A activação do Fundo de Socorro Social, atribuído pela Segurança Social, é uma hipótese?

É sempre uma hipótese. O Fundo de Socorro Social é um apoio que o Estado dá às instituições que estão em dificuldades financeiras, mas têm de ter as situações regularizadas para com o Estado. Portanto, para se fazer isso primeiro tem de se estabilizar financeiramente e isso leva vários meses. Além disso, a hipótese de estabilizar a Casa do Povo é continuar com o acompanhamento da Câmara Municipal. Financeiramente não será possível, mas haverá outras formas de apoiar

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