Autor do livro ‘Intocável no Tempo’ garante que as palavras “deficiência mental” nunca vão limitar os seus objectivos
David Dores foi diagnosticado com epilepsia com apenas um ano de idade. A morar desde sempre na zona das Pontes, o jovem de 28 anos relembra a sua infância com alguma amargura. “A minha infância até aos 12 anos foi muito má. Era uma pessoa limitada e inconsciente devido à epilepsia. Foi uma altura difícil e de muita luta com os meus pais”, conta.
Com o diagnóstico mais aprofundado, veio a necessidade de David ser operado para retirar um osso da cabeça. Numa fase em que chegou a ter “mais de vinte crises por dia”, o jovem refere que, até então, era tratado como “um objecto de permanente vigilância”, a quem faltou liberdade para se “desenvolver como pessoa”.
No entanto, no dia da cirurgia nasceu “um novo David”. Apesar dos limites impostos pelos pais, o fotógrafo reconhece que “teve de ser assim.” “Durante muito tempo fui uma pessoa revoltada com os meus pais. A protecção a que me sujeitaram durante tanto tempo fez com que a minha mente atrofiasse”, confessa. “Hoje não gosto de obrigações. Ainda noto um bocado de pouca confiança perante os desafios que tenho de enfrentar, mas gosto de pensar em fazer e faço à minha maneira.
No que diz respeito à educação, David teve acesso a uma educação especial. Com o fim do ensino básico, veio a decisão do curso que devia seguir. Apesar de ter ponderado escolher algo relacionado com o desenho, foi aconselhado por uma professora a ingressar no curso de fotografia.
“Não estava muito certo, mas decidi arriscar. Na altura, era só mesmo para terminar o 12.º ano”, revela o jovem, que acabou por entrar no Curso Técnico de Fotografia na Escola Secundária D. João II.
Salto em comprimento ‘de lado’ para dar lugar à fotografia
Antes de assumir o meio fotográfico como a sua grande paixão, David chegou a ter um percurso relevante no desporto. “Entre os 6 e os 7 anos”, o setubalense foi atleta na modalidade de salto em comprimento pelo desporto escolar, até chegar ao Vitória Futebol Clube, onde “havia a expectativa de ser profissional”.
No entanto, aos 15 anos acabou por deixar o atletismo quando iniciou o estágio do curso de fotografia no clube. “Comprei a minha primeira máquina em 2011, quando comecei a estagiar. Fotografava diversas modalidades e alguns jogos de futebol. Comecei a sentir um formigueiro e no fim do estágio surgiu o gosto a sério pela fotografia e tive de optar por sair do desporto”, diz.
Foi numa herdade abandonada perto de casa que David desenvolveu as suas técnicas de fotografia. “Aquilo era uma quinta onde moravam e trabalhavam algumas pessoas. Passava lá imenso tempo e aprendi muito”. Em 2018, decide mudar o seu tipo de fotografia, que, até então, se focava nas paisagens e na natureza.
Antes disso, o jovem já havia ingressado no mundo profissional como ardina d’O SETUBALENSE, local onde adquiriu alguns contactos para o meio fotográfico. “O primeiro conhecimento que tive para fotografar foi de uma menina, enquanto trabalhava como ardina. Curiosamente, fui premiado com o trabalho que fiz dessa rapariga”. À época, David oferecia os seus serviços para aumentar o portefólio. Actualmente, o jovem já realiza sessões “a cobrar”, mas admite ter de se organizar um pouco mais para mostrar “a sua experiência e um portefólio detalhado”.
De uma exposição no Moinho da Mourisca para dois livros em 2021
Os frutos do seu trabalho fotográfico vieram um ano antes, em 2017, quando viu as suas fotografias expostas no Moinho de Maré da Mourisca. “Realizei uma exposição, com a ajuda dos meus pais, dedicada à herdade”.
Dois anos depois, realizada duas exposições, sendo que a reviravolta na sua vida chega em 2021, quando decide divulgar o seu trabalho num site galeria, o ‘Olhares’.
“Decidi ir divulgando as minhas fotografias nesse site, até que recebi uma mensagem de uma senhora que me perguntou se queria participar no livro ‘Pandemic’. Seleccionei uma imagem que tirei durante a pandemia e apareci num livro com outros 99 fotógrafos”, refere.
A obra foi editada pela AlmaLusa, que, mais tarde, ficou interessada em trabalhar com o jovem. Do interesse nasceu o livro ‘Intocável no Tempo’, publicado em Março do presente ano. Na obra estão várias fotografias tiradas pelo jovem, num trabalho realizado desde 2013 na mesma herdade.
Do seu percurso destacam-se igualmente as publicações que fez nas revistas Mundo Digital e Zoom.
Para David, o diagnóstico de 66% de incapacidade não definem quem é, assim como as palavras “deficiência mental” nunca vão limitar os seus objectivos. Já a fotografia resume a sua vida. “Às vezes ando de cabeça no ar só a pensar nisto. Eu faço o melhor que posso em tudo, no trabalho e fora dele, mas a fotografia é a minha grande paixão”.
Hoje, é empregado de armazém numa empresa de materiais de construção. Trabalha oito horas por dia, deixando a fotografia para os seus tempos livres. Além disso, é na Associação Cultural de Novas Ideias que garante ter vindo a evoluir e onde tem realizado alguns projectos.
“Desde que integrei na associação que me sinto mais positivo e desenvolvido. Eles ajudam-me muito a arranjar mais trabalho e sabem puxar por mim”, refere o jovem, que tem agora como principal objectivo fidelizar alguns clientes e construir uma carreira sólida no meio.
David Dores à Queima-Roupa
Idade: 28 anos
Naturalidade: Pontes, Setúbal
Residência: Pontes, Setúbal
Área: Fotografia
Com um livro já publicado e diversas exposições realizadas, sonho passa agora por fidelizar clientes e construir carreira sólida no meio fotográfico