Companhia de teatro completa, em Dezembro, 50 anos desde que estreou a primeira peça. Membro do TAS há 42 anos explica como é que a arte e a comunidade de Setúbal se têm aproximado
Célia David, 62 anos, faz parte do Teatro de Animação de Setúbal (TAS) há 42 anos e, actualmente, integra a direcção com o actor Duarte Vítor e o encenador Miguel Assis. Em entrevista a O SETUBALENSE, a actriz elucida que a companhia tem sido “pioneira na descentralização cultural” e que, desde início, cultivou forte proximidade com a comunidade de Setúbal.
A companhia completa este ano 50 anos de existência e começou, em Março, uma programação comemorativa com o espectáculo de Rui Zink, “Simplesmente Abril – Três Tristes Pides”, apresentado no Fórum Luísa Todi. Em Dezembro, no mesmo espaço, as celebrações terminam com uma nova criação do autor, acompanhada de uma exposição dedicada ao percurso do TAS e um documentário.
O colectivo estreou a primeira peça a 26 de Dezembro de 1975 e nunca mais parou. É um dos grupos mais prestigiadas do País, tendo sido distinguido como companhia histórica e como Membro-Honorário da Ordem de Mérito, título atribuído a 10 de Maio de 1999.
O que representa para vocês esta data comemorativa?
Num País como este, conseguir chegar aos 50 anos numa companhia de teatro, acho que fala por si. Sem interrupções, nunca parou. E sempre uma companhia profissional.
O TAS veio para Setúbal para colmatar uma série de dificuldades que havia. Foi um pioneiro na descentralização cultural e teatral, e tem-se afirmado, nesse sentido, com grande vitalidade. É uma companhia histórica, mas que tem acompanhado a evolução dos tempos. E é isso que se pretende, não ficar parado no tempo.
Quais foram os maiores desafios ao longo destas cinco décadas?
Deve ter havido desafios diferentes, mas a nossa luta não é de década a década. É ano a ano, porque o teatro continua a ter as dificuldades que são conhecidas, continua a precisar de apoios, continuamos a não ter essa estabilidade a nível de apoios, e todos os anos andamos numa luta constante para saber como vai ser o próximo. É, de facto, uma grande coragem conseguir aguentar e resistir durante estes 50 anos.
Não variam muito, pode haver, eventualmente. Logo a seguir ao 25 de Abril havia a questão daquilo que se poderia dizer que não se tinha dito antes. A questão intelectual e ideológica, acho que isso foi muito importante. O teatro passa por isso, ainda.
Como evoluiu o grupo em termos de estilo, produção e impacto na cidade?
Aqui em Setúbal não havia outra companhia, e era a única companhia profissional. E queria muito chegar às pessoas – e chegava – aos bairros e às escolas. Não havia salas como há agora, havia muito o ‘ir procurar’, havia muita participação do público, das pessoas, da comunidade em geral.
Em relação às peças, depois foi-se vendo aquilo que fazia sentido em cada momento. Depois deixou de fazer sentido as peças mais interventivas, que não se faziam, logo a seguir ao 25 de Abril.
Nos anos 80 houve um ‘boom’ do café-teatro e do café-concerto e desse tipo de espectáculos, foi mais ou menos quando entrei. E fizemos imensos cafés-concertos.
O TAS chegou a ter um elenco de 30 e tal pessoas. Nem o Teatro Nacional quase tinha isso na altura, foi uma companhia de facto com uma grande dimensão.
Qual tem sido o papel na dinamização cultural da cidade e como tem reagido o público ao longo dos anos?
Toda a gente sabe quem é o TAS. Tem muito respeito e muito carinho exactamente por isso. Sempre demos essa proximidade das pessoas ao teatro. Muita gente foi pela primeira vez ao teatro e viu nas escolas o TAS. Tanto que pedem as mesmas peças e lembram-se das peças. É uma referência, de facto, a esse nível.
Existem espectáculos que considerem particularmente marcantes?
Em termos de grandes êxitos, o “Pai Tirano” foi um. Sem qualquer espécie de dúvida. Pode-se perguntar a qualquer pessoa – será, seguramente, nesta cidade, um dos mais importantes. Depois claro que há outras peças, mas esta, se tiver de destacar uma, provavelmente será esta.
Actualmente, como se organiza a estrutura do TAS?
O financiamento, é sempre a mesma coisa. Nós temos de concorrer sempre. Concorremos ao Ministério da Cultura, através da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), pelos apoios sustentados e à Câmara Municipal de Setúbal. Aí conseguimos articular e organizar as coisas, fazer os contratos com as pessoas para os elencos e fazer a programação.
Na direcção, neste momento, sou eu, o Duarte Vítor e o Miguel Assis. A Ana [Isabel Delgado] está na produção e também temos um técnico. As outras pessoas têm de ser contratadas pontualmente, para cada produção. Não podemos ter mais pessoas fixas.
Que tipo de teatro fazem hoje e o que o diferencia de outros grupos?
O que diferencia o TAS é a transversalidade, abranger tanto o grande público quanto o público mais teatral – aquele que é mais formado em teatro, que procura o teatro só pelo teatro. O grande público vai ver espectáculos, quase como se os outros fossem espectáculos e estes, teatro. E as escolas. Ou seja, essa transversalidade, ao longo destes 50 anos, tem sido essencial, nomeadamente nesta cidade.
Que iniciativas estão programadas para assinalar esta data?
Para além do “Simplesmente Abril”, agora temos “Os Três Fósforos”, que é uma peça da Teresa Rita Lopes, que vai estrear em Julho. Não é uma reposição, é um ‘remake’ do que já se fez em 1978. Nós quisemos pegar nisso novamente, porque o tema é actual. Temos, novamente com o Rui Zink, lá mais para Dezembro.
Vamos fazer uma exposição que irá acompanhar o espectáculo depois no Fórum Luísa Todi, em Dezembro, que é a data exacta dos 50 anos do aniversário. Depois, pontualmente, haverá outras actividades, como o TAS tem sempre, mas neste caso serão relativas aos 50 anos. E o lançamento do documentário.
Que planos têm para os próximos anos e como vêem o futuro do teatro em Setúbal?
Acho que o teatro tem sempre futuro, seja onde for, o teatro tem sempre futuro. Aqui em Setúbal, a sua actividade é bastante profícua – não só do TAS, de outras companhias também. Portanto, parece-me que está bem encaminhado. Vai acontecer sempre bom teatro em Setúbal.