É o “número um de Setúbal” a identificar espécies de aves exóticas no país. O nome consta na Lista Nacional de Anilhadores e prepara-se para construir o terceiro Abrigo Fotográfico que encanta apaixonados por aves
Felosa calçada ou felosa pálida? Foi esta a questão que assaltou o observador de aves Carlos Miguel no fatídico dia 24 de Setembro de 2019. Preparava-se para mais um dia de fotografia a aves, perto do terreno da casa dos pais, na Mourisca, quando um pequeno animal lhe despertou a atenção.
“Vi um passarinho a dar pequenas corridas no chão e a voar para um arbusto no solo”, narra. “Estranhei o comportamento porque um passeriforme normalmente saltita, não corre”.
O instinto fê-lo regressar a casa, revelar as fotografias e partilhar as dúvidas com outros admiradores de aves. Em menos de um minuto, choviam mensagens de todos os pontos do país a confirmar a sua intuição: avistou uma Felosa Calçada, registada somente uma vez em Portugal.
“No dia seguinte, veio pessoal do Algarve, Lisboa e Porto. Eram à volta de 30 pessoas com tripés e máquinas fotográficas. Houve quem estivesse desde o nascer ao pôr do sol, mas a ave não apareceu mais”, relembra.
Um feito quase inédito que lhe conferiu o registo do segundo avistamento no país. Mas está habituado a estas ‘andanças’, pois não é a primeira vez que vê o seu nome associado a avistamentos raros. Desde 2019 que procura espécies raras em todo o concelho e já perdeu a conta das observações feitas.
“Sou o número um de Setúbal”, afirma em tom de brincadeira. A verdade é que é mesmo. Escrevedeira Pigmeia, Pato Rabilongo, Mobelha Árctica são algumas das espécies pouco frequentes no país que Carlos Miguel fotografou em primeira mão.
‘Filho de peixe sabe nadar’
Um simples bater de asas é suficiente para Carlos Miguel perceber o que se aproxima. A habilidade veio no ADN. Provém de uma família de caçadores, onde um dia habitual passava por acompanhar o pai em longas temporadas no campo. Admite ser “contraditório”, mas eram estes momentos que o faziam chegar a casa mais curioso do que saía.
“Sentava-me à mesa com livro de identificação de aves e ficava a decorar os nomes. Gostava da textura das penas e principalmente adorava a sensação de liberdade que tinham”.
Também ele próprio se sentia livre no meio onde cresceu. Filho de pais mariscadores fez do Estuário do Sado o seu habitat natural e não estranhou quando, em 2015, os pais fundaram a ‘MiraSado’, empresa organizadora de passeios de barco na Reserva Natural do Estuário, à qual acabaria por se juntar quatro anos depois.
Demorou a perceber que este era o seu destino e optou por seguir Automação Robótica e Controlo Industrial, mas bastou trabalhar na área para perceber que sentia falta do ar livre. “Aquela vida não era para mim”, garante.
A ideia de fotografar a liberdade
Demitiu-se a um fim de semana e na segunda-feira seguinte já estava inscrito no curso de Turismo ao Ar Livre da Escola de Hotelaria de Setúbal. Estagiou na Estação Ornitológica do Monte do Outeirão, em Santiago do Cacém, onde a destreza com que manuseava os pássaros não passou despercebida.
Vítor Encarnação, uma referência no ramo, convidou-o a formar uma estação de anilhagem na Mourisca, convite ao qual “era impossível recusar”. Actualmente, faz parte da Lista Nacional de Anilhadores e também é guia turístico nos passeios da ‘MiraSado’.
Mais recentemente, percebeu que podia dar uma nova função à máquina fotográfica que o persegue para todo o lado. Lembrou-se de criar abrigos fotográficos para todos os apaixonados por aves e começou o teste no jardim dos pais.
“Construí um charco, um abrigo móvel com uma camuflável e ficava a manhã toda lá dentro, sentado num banco a espreitar pela máquina. Ainda fotografei 40 espécies”, conta.
O sucesso do negócio era evidente para o jovem e contra os lamentos do pai que considerava um “desperdício de tempo e dinheiro”, montou o primeiro abrigo na Mourisca, em 2021. Dois dias após a inauguração tinha quem quisesse experimentar o espaço e, recorrendo à memória, conta mais de 300 pessoas que já passaram pelo abrigo do Montado.
“Hoje, é o meu pai que me pergunta se eu quero criar novos abrigos”, ri. A verdade é que criou mais um, o abrigo do Silvado, para passeriformes e no próximo Inverno tenciona presentear os amantes de Limícolas com o abrigo da Mourisca. E não deve ficar por aí.
Para os curiosos, pode ser encontrado nos terrenos da Mourisca, sempre atento ao bater de asas mais próximo e, tal como uma Flosa Calçada, escondido atrás de um “arbusto”, a fotografar.
Carlos Miguel à queima-roupa
Idade: 29 anos
Residência: Mourisca, Setúbal
Naturalidade: Setúbal
Área: Ornitologia
As aves são o ponto forte de Carlos Miguel, sente-se livre a seguir o voo das pequenas criaturas.