A presidente da Entidade Regional de Turismo quer potenciar a excelência de produtos como “enoturismo, Sol e mar e turismo de natureza”. E criar complementaridade com a oferta de Lisboa
Foi eleita no final de Junho último presidente da Entidade Regional de Turismo (ERT) de Lisboa, que abrange os nove municípios da Península de Setúbal, e tomou posse a 12 de Julho para um mandato de cinco anos, ou seja até 2028. Preside, em simultâneo, à União de Associações do Comércio e Serviços e é vice-presidente da Confederação do Comércio. Carla Salsinha – que foi a primeira mulher a ocupar os referidos cargos em cada uma destas três instituições – sublinha o carácter “transversal” da actividade turística, que permite alavancar muitos outros sectores e que garante a “coesão territorial”.
O desafio com que se depara a Península de Setúbal é visto como uma “grande oportunidade” para a região de Lisboa. E isso passa por “aproveitar alguns dos produtos [da península] que são os que têm permitido um crescimento [turístico] acima da média”. Almada, com Sol e mar, e Palmela, com o enoturismo, são exemplos de apostas locais bem-sucedidas.
Antes de olharmos para alguns pontos do presente e do futuro do turismo na Península de Setúbal, em particular, e na região, em geral, podemos dizer que este sector é um dos principais motores económicos do País, senão mesmo o principal. Podemos afirmá-lo assim?
O turismo tem sido ao longo destes últimos anos, e foi no pós-pandemia, o motor de arranque da economia. Nunca nos podemos esquecer que o turismo é transversal, vai acabar sempre por ajudar à recuperação de diversos outros sectores, não só do comércio, mas dos serviços, dos fornecedores… Permite alavancar uma data de sectores e a sua reconversão. Por isso é que tem vindo a ser o motor da nossa economia e na região de Lisboa, em geral, e na Península de Setúbal, em particular, isso tem sido notório. A região de Lisboa foi a que mais teve decréscimo no turismo após a pandemia, mas é, em simultâneo, aquela que está a crescer. Em 2022 já estava praticamente próxima dos números de 2019 e este ano queremos, em todos os municípios que a compõem, superar 2019, que foi o ano de excelência do turismo na região de Lisboa. Acreditamos que até ao fim do ano iremos ultrapassar largamente os números de 2019.
A Península de Setúbal cresceu no turismo 22,6% no primeiro semestre deste ano, face a igual período do ano transacto. Um bom indicador, se tivermos em conta que o crescimento no País foi de 18,8%, mas que, ainda assim, fica abaixo dos 24% da região de Lisboa.
Sim. Setúbal é a península que tem alguns desafios em termos de turismo. Barreiro e Moita são aqueles que, no ranking dos 18 municípios [da região de Lisboa], estão no último lugar. Esta península tem um grande desafio, que costumo dizer que não é um problema, mas sim a maior oportunidade da região de Lisboa. E a grande oportunidade da região é pegar, particularmente, na península, que tem uma nova oferta, um tipo de produtos que pode ir buscar não só o turismo de nicho mas também o turismo que procura algo de qualidade, diferenciador.
O turismo na Península de Setúbal tem margem para crescer…
… Muita margem. A nossa grande oportunidade, aqui nesta península, é aproveitar alguns dos produtos que são os que têm permitido um crescimento acima da média. Acho que esta é a grande oportunidade e o grande desafio que temos como entidade, que têm os municípios e que têm os agentes que estão a desenvolver o turismo nacional.
Almada teve um crescimento de 40%, bem acima das médias do País, da península e da região de Lisboa, neste período. Foi o concelho que mais se destacou, à frente de Palmela (18,9%) e Setúbal (18,3%). Como se explica esta discrepância positiva de Almada?
Tem a ver com os produtos que Almada está a oferecer e também porque é um destino. Tem uma área muito específica. Almada tem a Costa de Caparica e tem vindo, ao longo dos últimos anos, não só a requalificar as suas praias, a promover-se de uma forma diferenciada… Durante muitas décadas, o Algarve era o destino por excelência e hoje temos um nicho de turistas que procuram algo mais tranquilo. E nesta península conseguimos oferecer essas praias, com alguma tranquilidade ainda, e com uma qualidade diferenciada.
Depois, os municípios de que falou estão a apostar muito na requalificação quer dos seus próprios espaços quer dos espaços turísticos que têm (monumentos, palácios, castelos). O enoturismo, que está muito disperso nesta zona, também tem sido o produto que mais cresce, que mais tem permitido a atracção desse nicho de mercado, com um turista com uma exigência e um poder de compra diferentes. É uma procura que exige qualidade e que tem um poder de compra diferente. Não é um turismo de massa, que vem em grupo, são turistas que procuram a especificidade e aqueles alojamentos que oferecem o lazer e o enoturismo. Estamos aqui a falar de um produto em que Almada e Palmela estão a conseguir mostrar a sua diferença e isso explica estes números diferenciadores.
Consegue definir ou quantificar o peso que a Península de Setúbal, inserida na ERT de Lisboa, acaba por ter no sector a nível global ou nacional?
O peso do turismo é muito medido em termos de dormidas. A região tem à volta de 17 milhões de dormidas e quase 13 milhões são só em Lisboa. E os outros 4 milhões, mais ou menos, são divididos pelos 18 municípios da região de Lisboa. Nos municípios da Península de Setúbal, o número de dormidas neste primeiro semestre foi de 663 mil e 463. Temos Lisboa com 13 milhões, os nove municípios da península com 663 mil e a restante diferença vai para Cascais, Mafra, Sintra, Oeiras… Mas, estes números têm vindo paulatinamente a subir. Diria que, provavelmente, de 2022 para 2023 houve uma subida em todos os municípios que compõem a península muito acima das 200 mil [dormidas], o que é significativo em termos de turismo.
E a margem de crescimento da península é muito maior relativamente a Lisboa.
Sim, porque Lisboa está a atingir o ponto máximo de maturidade. Começa a ser difícil Lisboa aumentar o número de dormidas, pode é aumentar o número de estadias. O desafio em Lisboa é aumentar o número de estadias em alguns concelhos; aqui na península é aumentar o número de dormidas.
O número das dormidas é muito baseado não só nos hotéis como nos alojamentos locais, mas com mais de 10 camas. E muitos destes municípios [da região de Lisboa] têm muito alojamento local que não entra para a estatística, por estar abaixo das 10 camas. Sesimbra, por exemplo, tem um número muito significativo de alojamentos locais com menos de 10 camas, que não contam para a estatística. É um desafio que também temos: tentar que o Instituto Nacional de Estatística [INE] inclua estes números, porque são alojamentos que têm a sua base legal. E porque isto acaba por enviesar o peso da região como um todo.
Acreditamos, por exemplo, que a Moita tem alojamentos locais, mas em termos estatísticos tem zero dormidas. Porquê? Porque em termos estatísticos se tiver só um grande hotel, não pode contabilizar em termos de concorrência (tem de ter mais do que um hotel) e como quase tudo o que tem de alojamento local é abaixo das 10 camas não entra para a contabilização. A península está a ser prejudicada, em termos dos seus dados estatísticos, por este critério do INE. Sesimbra, então, é muito penalizada.
Decidiu como objectivo manter o crescimento do sector. Que produtos e programas podem alicerçar melhor esse crescimento?
Esse é um desafio que podemos superar largamente, através daqueles produtos que permitem aqui uma coesão territorial. Isto é, nós temos talvez dos municípios com maior disparidade em termos de escala turística, mas essa é a nossa grande oportunidade. São tudo municípios que, criando percursos e oferta turística, são de fácil acessibilidade. O turista pode dormir em Lisboa, pode ir a Sintra, vir a Palmela, a Setúbal e não precisa de um dia para estas deslocações de um sítio para o outro.
O Sol e mar é dos produtos que mais têm crescido, o outro tem sido o turismo de natureza, nomeadamente a observação de golfinhos, o mergulho, o birdwatching, o surf. O enoturismo é talvez o produto onde os próprios operadores já fazem um trabalho de excelência, e aqui o que temos de fazer é tentar pegar nos turistas que estão em Lisboa e criarmos um produto que lhes permita virem passar um dia a esta península… O turismo náutico, o golfe, cada vez mais com várias unidades aqui – o Montado, a Quinta do Peru, a Aldeia dos Capuchos, a Palmela Village –, que são de qualidade…
Em termos de golfe a nível internacional, quem aqui vem encontra uma oferta de excelência. Estes são os produtos que têm permitido o crescimento dos números da península, mas também são aqueles com que, a nível de região, poderemos abraçar o tal desafio de fazer com que os turistas passem mais de dois dias e meio aqui. Se conseguirmos aliar a estadia ao património e depois a estes novos produtos, acho que temos um enorme potencial de crescimento. Temos de encontrar, como entidade, um conjunto de novos percursos que possam fazer com que os turistas sintam a necessidade de permanecer na nossa região mais tempo e assim alavancarem os municípios que não estão tão desenvolvidos turisticamente.
Apostar numa estratégia de complementaridade entre operadores privados, públicos e até entre as cinco entidades regionais de turismo. Mas como se aprofunda essa estratégia?
As próprias entidades, todas elas com excepção da do Norte, têm pessoas novas que entraram com este objectivo de trabalharmos em conjunto e [a perspectiva] de que não há qualquer concorrência entre Norte, Centro, Lisboa, Alentejo ou Algarve. Todos temos de nos complementar. Há um trabalho que todos nós, com o Turismo de Portugal, temos de fazer, que é cada vez mais pensarmos o País como um todo.
Como entidade, o trabalho é falar com cada uma das câmaras municipais, ver o que estão a fazer em cada um destes produtos e ver o que cada uma quer desenvolver – e aí há produtos específicos, os programas de comercialização e venda – e irmos depois aos privados e tentarmos com que estes criem esses produtos, que façam essa complementaridade. Não é a entidade que vai vender esses produtos. Como entidade, estamos a reunir com cada um dos agentes – viagens, hotelaria, empresas náuticas, “rent a car”…
Assim que tomámos posse começámos a fazer reuniões individuais com as câmaras para percebermos o que é feito, o que nós como entidade podemos potenciar de acordo com as verbas que nos são transferidas, onde podemos ajudar as autarquias nesses produtos, e depois um trabalho paralelo com os privados. Essa complementaridade é o grande desafio que a região de Lisboa tem nestes próximos anos e é o que o turismo pode fazer: a coesão territorial. O principal é sentar [à mesa] todos os “players”, depois de percebermos o que cada um quer, e vermos se um produto pode ser trabalhado em conjunto e ganhar escala.
Aeroporto “Montijo é a solução mais económica, mais rápida de executar, mas levanta mais questões ambientais”
A responsável critica a tutela por “falta de arrojo em tomar uma decisão”. E, em termos pessoais, até pela sua formação académica (Economia), admite que Montijo é a solução mais adequada ao actual contexto do País.
A mobilidade, já o assumiu, é um desafio colocado para os tempos mais próximos. Já nos pode dizer qual a posição da ERT de Lisboa em relação à localização do futuro aeroporto?
A nossa posição é muito simples: tentar pressionar para que o Governo decida o mais rapidamente. Achamos inqualificável que cerca de 50 anos depois se esteja quase a regressar à estaca zero, quando já se tinha duas ou três opções. Agora passou-se a ter 10 ou 12. Nenhuma vai ser a ideal, porque vamos ter sempre os movimentos ambientalistas ou em termos de custos… O Governo tem é de ter coragem para tomar uma decisão. Tem havido alguma falta de arrojo em tomar a decisão.
E a cidadã Carla Salsinha, entre Montijo, Alcochete e Lisboa, qual a localização que escolheria?
Se calhar pela base da minha formação económica, escolheria a que fosse mais económica para o País e que menos gastasse do erário público. Pelos vistos, acho que essa é a que levanta mais questões ambientais: Montijo. E é aquela que mais rapidamente poderia estar em execução. Qualquer que seja o Governo não vai conseguir encontrar unanimidades. No momento em que o País está tem de ser algo que onere menos o erário público, que seja de rápida execução e tentarmos criar menos repercussões negativas para as questões ambientais.