Professora de Mauro Correia, o jovem de 23 anos, do Viso, em Setúbal, que morreu no dia 23 de Junho, recorda o aluno, em carta que publica hoje no DIÁRIO DA REGIÃO. A missiva foi escrita na passagem do primeiro mês do desaparecimento do jovem que frequentava a Escola Profissional Cristóvão Colombo e é acompanhada de uma fotografia em que está rodeado de colegas de formação.
Ao meu aluno Mauro que sempre viu o mundo com um encanto especial
Hoje fui arrumar a sala onde tinhas aulas enquanto foste aluno desta escola. Não consegui controlar as lágrimas. Tudo está diferente, a decoração, a disposição das mesas, a pintura das paredes, mas o teu lugar ainda ali está.
Consigo ouvir-te a rir, ver-te a fazer caretas, ouvir-te falar inglês fluentemente, vejo os teus penteados estranhos e lentes de contacto coloridas. Recordo-me de como fiquei impressionada pela forma como defendeste o teu projecto de final de curso. Lembro-me de entrares na escola há bem pouco tempo apenas para me dares um abraço.
Penso que se neste momento me fosse dada a possibilidade de escolher alguém com quem me sentar para conversar esse alguém serias tu, mesmo que isso implicasse aceitar um silêncio confortável, daqueles silêncios que tu tanto adoravas!
Nesta escola foste, és e serás sempre acarinhado, tal como todos os restantes alunos, mas hoje trata-se exclusivamente de ti. Nesta sempre primámos pela aposta na dimensão humana e isso foi exactamente o que fizemos contigo.
Dediquei a minha vida ao ensino e sempre acreditei que a ligação emocional que criamos com os alunos assegura que aprendam mais e com maior facilidade, porque se sentem seguros, porque lhes mostramos que com persistência e perseverança os objectivos são mais fáceis de alcançar, porque não fazemos juízos de valor, porque mesmo que tudo falhe nós estaremos aqui, incondicionalmente, tanto para partilhar alegrias como para prestar apoio quando necessário.
Aprendemos muito com os alunos e tu acabaste por me ensinar que é possível manter alguém vivo no nosso coração, que há que saber viver com as decisões que as pessoas de quem gostamos muito tomam, mesmo que estejamos totalmente em desacordo.
Escrevo esta carta para que o mundo saiba como eras inteligente embora te apresentasses sempre com um ar assustado. Sempre tive muito orgulho em ti e admiro-te pela coragem que sempre tiveste e nunca acreditaste ter.
Escrevi-te muitas cartas ao longo de todo o período em que frequentaste esta escola, e sei que de alguma forma escrever me faz sentir mais próxima de ti, pelo que provavelmente continuarei sempre a fazê-lo. Ensinar é um acto de amor e eu amei fazer parte do teu percurso escolar para mim foi um privilégio conhecer-te. Sempre viste o mundo com um encanto especial.
Mesmo sabendo que não voltarás a entrar pela porta da escola para me dar um abraço com o teu sorriso tímido, quero que saibas, onde quer que estejas, que o teu lugar continua cá, incondicionalmente, tanto na escola como no meu coração.
Tenho muitas saudades tuas e agradeço-te muito por todo o carinho que me deste, sempre. Envio ainda um forte abraço à tua carinhosa mãe bem como a toda a restante família.
Sandra Costa Alves
Coordenadora do Pólo de Setúbal da Escola Profissional Cristóvão Colombo