28 Junho 2024, Sexta-feira

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António Fialho: “A localização de um novo Palácio da Justiça não pode ser pensada apenas em função da cidade”

António Fialho: “A localização de um novo Palácio da Justiça não pode ser pensada apenas em função da cidade”

António Fialho: “A localização de um novo Palácio da Justiça não pode ser pensada apenas em função da cidade”

A ampliação das actuais instalações é urgente, mas a Câmara de Setúbal quer ceder terreno para novo edifício, diz o juiz

 

António José Fialho, 58 anos, em entrevista à Popular FM e a O SETUBALENSE, aborda as principais questões plasmadas no mais recente relatório aprovado pelo Conselho Consultivo da Comarca de Setúbal.

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O juiz presidente da comarca — que engloba Setúbal, Palmela, Sesimbra, Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines — lembra que a construção de um edifício da Justiça em Sesimbra é mais premente. Além do diagnóstico traçado à comarca, explica ainda por que o caso da morte de Jéssica será julgado por um colectivo de juízes e não por júri.

O relatório de 2022, aprovado pelo Conselho Consultivo da Comarca de Setúbal, determina que é urgente a ampliação do Palácio de Justiça de Setúbal e a construção também de um edifício com igual finalidade em Sesimbra. O que falta para se avançar com estes investimentos? Vontade política?

Falta dinheiro, essencialmente, e também alguma vontade política, porque essa opção não pertence à comarca. Em Sesimbra, há cedência de terreno, há um projecto, oferecidos pela Câmara. Em relação à ampliação do Palácio da Justiça, de Setúbal, a questão é mais complicada. Tinha havido a cedência de um terreno para a ampliação, mas parece que é intenção da Câmara de Setúbal ceder um terreno para a construção de um Palácio da Justiça novo, noutro local, que abranja todos os serviços que neste momento estão espalhados por quatro edifícios na cidade. As necessidades, do ponto de vista de urgência, não são tão prementes como o caso de Sesimbra. Posso adiantar, da conversa que foi tida connosco pelo secretário de Estado Adjunto da Justiça, que no caso de Sesimbra essa necessidade atinge o valor mais elevado da matriz. É só uma questão de ser inscrito num futuro programa orçamental para a construção, uma vez que neste momento temos terreno e projecto.

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O terreno cedido pode reverter para domínio municipal por causa dos prazos. Isto parece-lhe uma forma do município poder pressionar a Administração Central para que o processo avance?

É sempre uma capacidade negocial. Mas penso que Sesimbra não vai utilizar isso, pelos contactos que tivemos com a Câmara. Essa questão colocou-se em relação à eventual ampliação do Palácio da Justiça de Setúbal. Não nos podemos esquecer que qualquer localização de um edifício que venha a incluir os serviços judiciais do tribunal não pode ser pensada somente em função da cidade. Tem de ser pensada em função da comarca, porque é na cidade de Setúbal que nós temos as principais centrais: criminal, cível, execuções, comércio, instrução criminal (…). Uma pessoa que tenha um processo a correr numa destas centrais do tribunal, mesmo que seja de Sines, do Poceirão ou da Quinta do Conde, terá que ir para Setúbal. Portanto, a centralidade que for encontrada na cidade tem de permitir servir todas estas populações.

Acha mais vantajoso um edifício novo ou a ampliação do Palácio de Justiça?

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Há vantagens e desvantagens numa ou noutra solução. Um edifício novo será sempre muito melhor porque oferece funcionalidades que o edifício actual nunca vai garantir, nomeadamente a localização, que tem um problema de estacionamento ali na zona, de grande pressão urbanística no centro da cidade. Mas também temos de ser realistas, porque a construção de um Palácio da Justiça com uma dimensão que é exigida para uma cidade como Setúbal não é algo que possa ser previsto em termos orçamentais para os próximos anos. Um Palácio da Justiça em Sesimbra provavelmente ficará por 3 ou 4 milhões, mas em Setúbal já se pode atirar aí para mais de 10 milhões.

Foram ouvidos sobre a possibilidade de construção de um novo edifício em Setúbal?

Tivemos conhecimento disso logo na primeira reunião com a anterior presidência da Câmara Municipal. O actual presidente também manteve, nos contactos que teve connosco, essa intenção (…). Só transmitimos a nossa preocupação do ponto de vista de centralidade e penso que quer a Câmara de Setúbal quer o Ministério da Justiça serão sensíveis a estes argumentos. A escolha concreta do espaço e a opção política terá de ser tomada entre as duas entidades e não envolvendo propriamente a comarca.

O edifício em Santiago do Cacém também tem algumas dificuldades para se conseguir prestar o melhor serviço.

Sim, quase todos os edifícios têm problemas. Mas aí o que temos são problemas de manutenção, não implicando ampliação ou pensar-se em um edifício novo. São problemas que se notam mais quando chove, estamos a falar das coberturas, das características e funcionalidade. É um problema que se coloca não só em relação a Santiago do Cacém mas também, por exemplo, em Alcácer do Sal.

Ainda de acordo com o relatório, o maior problema de todos prende-se com a falta de recursos humanos. Falta de oficiais de justiça e de magistrados. Acha que é mais fácil resolver este problema de falta de profissionais na Justiça ou, por exemplo, o problema da falta de profissionais de saúde que a tutela também tem “às costas”?

No caso da saúde não posso falar, não conheço, mas no caso da área da Justiça o problema que nós realmente temos mais grave tem a ver com a carência dos oficiais de justiça. Andará à volta dos 20 e tal por cento em média, é um quinto das necessidades, o que corresponde a cerca de 40 e tal funcionários. A isto soma-se a questão da idade dos funcionários, que vai se aproximando muito da idade da aposentação, o que gera problemas relacionados com as doenças e as baixas prolongadas, situações de absentismo que acabam por não ser supridas de forma adequada.

Isto tem reflexo nas pendências. Nos últimos anos a Comarca de Setúbal até tem vindo a conseguir reduzir as pendências, embora agora o ritmo dessa redução tenha abrandado um pouco. Porquê?

Há vários factores. Sabíamos que isto ia acontecer mais tarde ou mais cedo, porque começámos a atingir uma taxa de optimização em que depois é impossível reduzir mais com os meios que nos estão dados. Mas depois temos várias realidades, como o défice de funcionários no Ministério Público (MP), um apoio por parte dos serviços judiciais aos serviços do MP, e isto depois também se reflecte. Em 2022, tivemos algumas situações de baixas ou de colegas que saíram para comissões de serviço, o que também acaba por se reflectir em termos de resultados. Há também factores de natureza processual, como uma alteração recente relativamente à marcação dos julgamentos. Quer queiramos quer não, introduziu ali uma melhor gestão do julgamento, mas teve o efeito perverso de introduzir uma maior duração no tempo dos julgamentos criminais.

É justo dizer que a Comarca de Setúbal acompanha bem as comarcas que estão no topo em termos de produção?

Nós temos uma realidade do ponto de vista dos recursos que é a seguinte: do sul para baixo, de Leiria, Santarém, para baixo há grandes problemas de recursos ao nível de oficiais de justiça. Isto não se sente tanto nas comarcas do norte. Houve um refrescamento nas comarcas do norte que não ocorreu tanto aqui. Pensámos fazer um desafio junto do Politécnico de Setúbal no sentido de colaborar na formação de técnicos de serviços jurídicos, mas temos de ter a garantia de que os concursos abrem para que os jovens que os vão frequentar tenham a expectativa de terem ingresso numa carreira que seja valorizada. Neste momento a carreira dos oficiais de justiça não está devidamente valorizada. Temos também dificuldade em chamar pessoas para a região, tendo em conta o custo da habitação. Se nós tivermos aqui um oficial de justiça que seja do Porto, que no início de carreira venha para aqui pagar um determinado valor por um T1 ou um T0, não consegue com o salário viver o resto do mês.

Por que é que acabou por ser rejeitado um julgamento por júri no caso da morte da pequena Jéssica, em Setúbal?

O júri é uma figura que existe, acho que devia ser mais utilizada. Mas o que se passou no caso concreto da Jéssica é que entre os vários crimes de que os arguidos eram acusados havia uma acusação de tráfico de estupefacientes, que é um dos crimes que está excluído de julgamento por júri. A colega ou rejeitava o julgamento por júri e o processo prossegue, mas realizado por um colectivo constituído por três juízes, ou então tinha a possibilidade de separação. Acontece que a acusação do tráfico surge como um elemento, digamos que aglutinador, de alguns comportamentos relacionados com aquelas pessoas. E portanto retirar o tráfico dali podia ser prejudicial para os interesses da administração da Justiça. Depois também há outro factor, na perspectiva da colega e na minha perspectiva pessoal também: se o tribunal entendesse fazer a separação, de certa forma seria como o tribunal se substituísse ao MP em relação à pretensão que deduziu de um julgamento conjunto.

Que medidas gostaria de ver implementadas numa reforma da Justiça?

Grande parte das medidas que podemos defender são as dos recursos humanos e do edificado. Essas são importantes. Mas depois há um conjunto de medidas identificadas de uma forma mais ou menos uniforme. Um conjunto de medidas de natureza processual e de práticas relativamente à questão da gestão processual, que por vezes dependem de alterações legislativas a implementar. Neste momento temos uma vantagem: um Governo com maioria absoluta. E não vimos até ao momento nenhuma medida que se possa dizer significativa do ponto de vista da gestão dos processos, que introduza uma maior flexibilidade e celeridade relativamente aos processos. Desejaria que houvesse vontade política para introduzir essas reformas que são necessárias. Temos de simplificar a nossa tramitação processual, imenso. Acho que é o factor mais importante.

Que caso ou casos mais o impressionaram no desenvolvimento da sua actividade?

Os que sempre me impressionam mais são aqueles que envolvem violência contra as crianças ou os idosos (…). O caso de uma mãe que matou uma filha de três anos de idade.

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