Américo Aguiar: “Nunca pensei em participar num conclave. Foi uma experiência única”

Américo Aguiar: “Nunca pensei em participar num conclave. Foi uma experiência única”

Américo Aguiar: “Nunca pensei em participar num conclave. Foi uma experiência única”

Cardeal descreve momentos vividos no Conclave que elegeu o Papa Leão, reflecte sobre o que este processo pode ensinar ao mundo e partilha os bastidores da Capela Sistina

Na sequência da morte do Papa Francisco, o cardeal Américo Aguiar integrou o colégio de 133 cardeais eleitores responsáveis pela escolha do novo Papa. Em entrevista a O SETUBALENSE, o Bispo de Setúbal recorda o momento em que soube da morte do Pontífice, relata o ambiente vivido no Conclave realizado na Capela Sistina e descreve a experiência de participar, pela primeira vez, na eleição do líder da Igreja Católica. O cardeal fala ainda sobre a “ligação umbilical” com o Papa Francisco, o perfil do novo Papa Leão e reflecte sobre o que este processo pode ensinar ao mundo.

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Como é que recebeu a notícia da morte do Papa Francisco? 

Nessa manhã estava em Torres Vedras, em casa do antigo Patriarca de Lisboa, Manuel Clemente. Estávamos a tomar o pequeno almoço, e o Vigário-Geral, aqui de Setúbal, o Padre Francisco Mentes, ligou-me a dar-me os sentimentos.

E eu disse, peço desculpa, mas os sentimentos, quem é que morreu? E ele disse que morreu o Santo Padre. Eu disse, não, não pode ser. Mas quem é que disse isso? Deve ser fake news, alguma coisa assim. Ele disse para ver nas televisões e foi assim que eu tomei o conhecimento.

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Que sentimentos é que o acompanharam nos dias após a morte? 

Fui para Roma no dia seguinte e fui homenagear o Papa Francisco, o seu corpo, na capela da Casa Santa Marta. E foi um sentimento muito pesado. A minha relação com o Papa Francisco era muito próxima, de filho, de neto, enfim, muito, muito próxima.

Desde 2019, que nos encontrávamos com alguma frequência, para aquilo que foi a preparação da Jornada Mundial da Juventude, havia uma ligação muito próxima. Aliás, ele fez-me bispo e ele fez-me cardeal. Portanto, havia aqui uma relação muito umbilical.

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Vê-lo morto foi um choque. Depois, vamos fazendo o caminho, porque se a morte é qualquer coisa que nos entristece e que nos fere, também a fé na ressurreição é qualquer coisa que nos permite dar um salto, virar a ordem, como diz o outro.

Como é que foi o ambiente dentro da Capela Sistina, já no conclave?

Era a minha curiosidade maior. O fechar daquela porta, que eu já tinha visto nos filmes, já tinha lido nos livros, mas não tinha vivido directamente. Estou plenamente convencido que vivemos ali uma experiência de Deus. Homens oriundos de mais de setenta nacionalidades, que fomos-nos moldando como família fraternalmente, e que naquele lugar tão especial, esmagados pelo juízo final do Michelangelo, fomos entendendo, ouvindo, sendo sensíveis, àquilo que Deus nos poderia dizer, por intermédio do Espírito Santo, para responder à pergunta central.

É uma experiência única. É até uma coisa engraçada, nos filmes, normalmente, temos de ir com o voto na mão, mas visível, em filinha. E a certa altura, nos filmes, os cardeais fazem um juramento, olham para a frente e têm a pintura do Cristo no juízo final. Na realidade, não é assim.

Quando chegamos ao sítio da votação, no altar, e olhamos para a parede vemos a barca do inferno, porque é o que está no fundo. E, portanto, quando olhamos, temos lá um homem com uma pá, com uma cara muito má, a olhar para nós, assim como a pá, para nos acertar. E, portanto, isso intimida.

E depois, o próprio juramento é qualquer coisa que nos esmaga pela responsabilidade, pelo peso e pela tradição, como nos eleva no exercício. O Papa Bento XVI terá dito que a eleição era feita por homens onde estava presente o Espírito Santo. E eu concordo.

Como é que se delega, entre pessoas que não se conhecem assim tão bem, uma responsabilidade tão grande? 

Estamos a falar de um processo que os envolvidos acreditam que Deus tem uma presença. Depois, isso aí acho que não é novidade nenhuma em qualquer realidade humana. Imagina o que era fechar o Parlamento e dizer aos senhores deputados para escolherem um para ser o responsável.

Ora aí é o desafio, é a tarefa que temos pela frente. E é uma tarefa que não está condicionada por geografia, por cor partidária ou por cor clubística. Os 133 presentes podem ser escolhidos. Aliás, segundo as regras, até podemos escolher alguém de fora.

Eu acho que é humanamente entendível, sem dizer qualquer coisa que não possa dizer, que é falar da primeira votação. A primeira votação diz-nos que aquele colectivo identificou naqueles irmãos, 2, 3, 4, 5 ou 6, por alguma razão, que poderão ser a escolha de todos. A partir daí entramos numa dinâmica e o Espírito Santo foi tomando a dianteira.

Viveram aquilo lá dentro e sentiram o tempo passar de forma rápida? 

Pelo contrário, parecia uma eternidade. Depois, é assim, eu próprio, eu já sou um dependente de redes sociais e ficar sem telemóvel para mim foi um suplício. Uma semana antes eu próprio desliguei as minhas redes, porque tinha a tentação de ver e de publicar e de não sei o quê.

E depois houve aquele pormenor, ninguém tinha despertador, o nosso despertador era o telemóvel, e então eu tenho ali o meu, é uma relíquia, foi um amigo que me ofereceu, comprou na Tailândia, porque, de facto, é um pormenor importante. O tempo dentro da Capela de Sistina é eterno. Não ouvimos nada. Eu lembro-me da explosão de barulho com o fumo branco da praça, os cânticos e o barulho.

Nunca pensei em participar num conclave, e muito menos tão rapidamente, infelizmente, em relação à morte do Papa Francisco.

Sente que a sua presença no conclave trouxe maior visibilidade à Igreja em Portugal? 

Sim, da minha e dos outros portugueses. Primeiro, acho que este processo de eleição do Papa deixa o mundo inteiro sempre pendurado, os não crentes, os crentes, fica tudo pendurado, e é divertido.

Em Portugal, propriamente dito, acredito que sim, seja por simpatia, seja por curiosidade, seja por, até, patriotismo, acho que sim, acho que as pessoas ficam contentes e ficam felizes. Eu recebi milhares de mensagens quando depois tive acesso ao telemóvel. Ainda bem que o tinha desligado, senão pensava a vida a distrair-me com essas coisas.

O que é que aprendeu com este processo que queira partilhar? 

Primeiro que Deus acompanha a nossa história. Deus marca a presença e toca a história dos homens em acontecimentos e momentos muito especiais, e eu estou convencido, plenamente convencido, que este é um exemplo dessa presença de Deus na história.

E depois, aquilo que significa este processo. Que bom seria que fôssemos capazes de o aplicar noutras áreas da nossa vida. Perante um desafio termos sempre a grandeza, a capacidade e a humildade de dizermos quem de nós é que é a pessoa mais certa para agora responder a este desafio? Independentemente do partido, do clube, de isto ou daquilo. Em muitas áreas da nossa vida sabemos que nas escolhas e nas opções o critério não é propriamente quem é o melhor para fazer. Estou convencido que esta metodologia é exigente, mas é também provocadora daquilo que são os nossos critérios actuais. 

Que traços é que mais o impressionaram no novo Papa? 

Um homem humilde, sereno, discreto, silencioso. É uma figura, não digo que não tenha nada a ver com o Francisco, mas lá o Cardeal Velhote disse-me uma coisa engraçada. “Eu conhecia o Cardeal Bergoglio há muitos anos, na Argentina, há muitos anos éramos conhecidos. E eu nunca lhe tinha visto os dentes. E quando foi eleito, uma das suas marcas era o sorrir”. Cada pessoa se transforma. O Cardeal Bergoglio era carrancudo e passou a ser aquela pessoa que sabemos. O Papa Leão também fará essa mudança, ele vai-se adaptando.

Do que teve a oportunidade de falar com o Papa, que mensagem é que gostaria de deixar?

Ele pediu que rezassem à Nossa Senhora de Fátima. Ele, naquele primeiro dia, após a eleição, foi visitar o santuário de Nossa Senhora, porque em ele tem particular devoção. Depois, das duas vezes que conversámos, quer no pós-eleição, quer na audiência geral, falávamos um pouquinho sobre o dossiê da juventude e dos jovens, e da Jornada Mundial da Juventude, para que possamos continuar a dar alento e coragem, e provocarmos os jovens para se levantarem do sofá.

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