Fotografias de nove e nomes de 1755 mulheres que estiveram nas prisões do Estado Novo homenageiam resistência no feminino
A resistência ao fascismo protagonizada pelas mulheres que estiveram presas pelo regime de Salazar foi homenageada no sábado com a inauguração de uma exposição e uma conferência no Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal (MAEDS).
A conferência, intitulada “A luta das mulheres durante o fascismo em Portugal”, teve por base o livro “Elas estiveram nas prisões do fascismo”, editado pela União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP), cuja segunda edição saiu no final do ano passado, e que contém a lista de 1755 mulheres presas.
O livro, que está à venda por 5 euros, foi considerado por Isabel Araújo Branco, investigadora em estudo literários, da Universidade Nova de Lisboa, e especialista em literatura escrita por mulheres, uma enciclopédia em que “podemos pegar em função de temas variados”.
A conferencista destacou elementos como a média de idades das mulheres presas, 31 anos, ou os anos de 1936 e 1937 como aqueles em que se registou maior número de reclusas. A explicação é a Guerra Civil de Espanha. Em 1973 houve também um pico de prisões o que, referiu Isabel Branco, contraria a tese dos que defendem que nessa altura havia um “abrandamento da ditadura”. A académica sustenta que “com o desaparecimento de Salazar a censura foi muita mais rígida”.
Entre os aspectos “comoventes” que encontrou na obra, a investigadora destacou cartas, testemunhos e a capa do livro, que mostra a fotografia de Albina Fernandes que se recusou a largar o filho, no momento das fotos feitas pela PIDE e que assim ficou na ficha.
Uma das mulheres recordadas por Regina Marques, do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), foi Maria Conceição Coelho Amália, natural de Santa Maria da Graça, que esteve presa em 1962, por “actividades subversivas” e em 1963 por “actividades contra a segurança do Estado”. A neta estava presente na conferência e apontou a necessidade de preservação das memórias guardadas pelos familiares destas mulheres para que não fique apenas o registo das fichas da PIDE.
O representante da URAP, Adilo Costa, mostrou satisfação pelo interesse da academia sobre a luta antifascista e recordou que a obra publicada é “um livro incompleto, uma pista” para outros estudos.
Exposição para ver até ao Verão
Antes da conferência foi inaugurada a intervenção artística “Um mundo a preto e branco. Meio século de opressão e sombras”, que vai ficar patente no MAEDS até ao Verão. A mostra de fotografias de nove mulheres presas pela PIDE, tal como foram fotografadas pela polícia política, inclui algumas de Setúbal e da região, nomeadamente Maria das Dores Roca Cabrita, do Barreiro, e as irmãs Mercedes e Georgete de Oliveira Ferreira, que viveram em Setúbal.
Para a autora, Rosa Nunes, a instalação é um “grito de esperança”. “Estas mulheres tiveram que ter também muita esperança para ultrapassar tudo o que passaram”, disse a artista que reconhece tratar-se de um “tema pesado”. Dai ter recorrido à colocação de arame farpado para “haver um aspecto mais dramático”.
Regina Marques referiu que a exposição vai de encontro ao objectivo do MDM para o 25 de Abril, que é falar no antifascismo e mostrar que se trata de uma luta que “ainda é necessária”.
Rita Carvalho, vereadora da Câmara de Setúbal, também defendeu que a mostra “obriga a uma reflexão, no momento em que vivemos, em que há evidências de que o fascismo não terminou em 1974”.
Joaquina Soares, directora do MAEDS, sublinhou que as mulheres homenageadas “foram mártires, heroínas, e é em grande parte por elas que nós, as mulheres, hoje gozamos de igualdade pelo menos legislada.”
A iniciativa juntou cerca de três dezenas de pessoas, incluindo autarcas da União de Freguesias de Setúbal e da Junta de Freguesia de São Sebastião.