A dinâmica cultural em Sesimbra: algumas observações

A dinâmica cultural em Sesimbra: algumas observações

A dinâmica cultural em Sesimbra: algumas observações

25 Agosto 2023, Sexta-feira
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Uma estatística simples sobre iniciativas culturais, no concelho de Sesimbra

 

Ao longo do ano decorrido entre os meses de Julho de 2022 e Junho de 2023, revela a distribuição percentual apresentada a seguir, segundo o tipo da iniciativa e a entidade
promotora.

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Para esta estatística foi usada como fonte informativa a Sesimbr’Acontece, agenda cultural publicada pela Câmara Municipal, o que pode conter algumas limitações, como a existência de iniciativas que não constaram da agenda, ou de outras que constaram e que podem não se ter realizado. Também se deve levar em consideração que diferentes
iniciativas apresentam impactos muito distintos – por exemplo, um grande Concerto de Natal dirige-se a um público mais vasto do que uma conferência sobre Simbologias (In)Visuais, no entanto ambos apresentam valor cultural. O resultado final, apresentado em percentagem, deve ser considerado como meramente indicativo e tendencial.

Uma primeira constatação é a do predomínio de iniciativas musicais e conferências/cursos, e o peso comparativamente menor de espectáculos de teatro ou de exposições, ou mesmo a apresentação de livros.

A estatística dos promotores dessas mesmas actividades revela uma concentração ainda maior: quatro quintos das iniciativas são promovidas por autarquias locais, e mais de metade apenas pela Câmara Municipal.

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Entre as outras entidades – associações recreativas e culturais, e particulares, que promoveram apenas um quinto das iniciativas agendadas – destaca-se o Clube Sesimbrense (mais conhecido como Grémio) que tem apresentado um dinamismo cultural notável, aspecto a que nos referiremos mais à frente.

É legítimo relacionar esta elevada

produtividade das autarquias locais com a dinâmica criada após a Revolução de 1974, que se traduziu num empoderamento do poder autárquico, com crescente aumento de competências atribuídas (processo que ainda não terminou), mas também com os significativos recursos financeiros de que passaram a beneficiar – já lá vai o tempo em que as câmaras se queixavam de que eram “roubadas” pelo poder central, agora queixam-se de que lhes querem atribuir mais competências… sem recursos.

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As câmaras municipais, sobretudo, dispõem hoje de recursos financeiros que lhes permitem contratar pessoal e adquirir ou construir equipamentos vocacionados para a promoção cultural: no caso de Sesimbra, a existência de unidades orgânicas como a Biblioteca Municipal, o Arquivo histórico e o Museu Marítimo, constituem plataformas
potentes para este fim.

Menos compreensível, no domínio cultural, é o apagamento das colectividades e associações recreativas e culturais, que já existiam em 1974 e que cresceram, em número e em iniciativas, nos anos subsequentes à Revolução de Abril, mas que parecem
estar a sofrer agora de alguma desmotivação e desmobilização.

Este apagamento, no entanto, não acontece no associativismo desportivo, onde são muitas as iniciativas e os investimentos em equipamentos e em recursos humanos. Segundo um estudo recentemente divulgado pela Câmara de Sesimbra, o movimento
associativo local, no plano desportivo, movimenta 3 400 atletas, 56% dos quais federados. É certo que esta “genica” desportiva é muito apoiada pela Câmara Municipal, na comparticipação dos investimentos e de diversas iniciativas e até no financiamento
das actividades regulares, incluindo contratação de técnicos, etc. (“centenas de milhares de euros”,  segundo a Câmara). Mas o mesmo poderia ter ocorrido no sector cultural – só que não está a acontecer.

No entanto, no domínio do associativismo cultural, é justo que se destaquem as “novidades” promovidas pela geração mais jovem, como são os casos da associação PIPA, do Grupo Folclórico e Humanitário do Concelho de Sesimbra, da orquestra Zana Batuta e do Grémio. Neste último caso, os novos corpos sociais têm-se multiplicado
em iniciativas, desde a formação musical à realização de exposições de fotografia e pintura, tendo feito renascer o outrora poderoso Grémio do marasmo em que tinha vindo a cair.

O Grupo Folclórico e Humanitário, para além dos seus espectáculos, tem vindo a promover o estudo de elementos identitários das populações do concelho, trabalho meritório, ainda
muito no início, mas isso é natural nas organizações jovens: devem, precisamente por isso, merecer atenção e incentivo.

A Zana Batuta tem dinamizado a aprendizagem e a divulgação da música filarmónica, outro dos pilares históricos da cultura sesimbrense, que também ainda se mantém na Sociedade Musical Sesimbrense, embora muito periclitante.

Confesso que conheço mal as actividades da associação PIPA – Projecto de Inclusão Pela Arte, e admito até que a sua capacidade de iniciativa se encontre subavaliada na estatística que apresentámos no início: mas é igualmente um projecto jovem e inovador
a merecer toda a atenção.

A iniciativa “Tradições & Ruralidade” e a recente inauguração, pelo Grupo Desportivo de Alfarim, de uma biblioteca, já com um programa de exposições e tertúlias culturais, são
outros indícios no bom sentido.

Neste “balanço” não foi possível integrar valências importantes como as Escolas de Samba ou os órgãos locais da comunicação social: não por os considerar menos importantes e apenas devido às limitações próprias dum artigo desta natureza – mas haverá outras oportunidades.

As dimensões regional e social
Sem dúvida que seria desejável que as iniciativas culturais da sociedade civil estivessem mais equilibradas com as que são promovidas por órgãos políticos, não porque estas sejam piores, mas apenas para garantia da diversidade cultural e ideológica que sempre
acompanha – como é inevitável – as escolhas de uns e de outros.

O predomínio “autárquico” tem tido ainda um outro aspecto negativo: a hipervalorização do concelho, com prejuízo da cultura regional, onde as culturas locais se integram
e para a qual contribuem. Actualmente, há apenas um museu regional: o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal; um arquivo descentralizado: o Arquivo Distrital de Setúbal, integrado na Torre do Tombo: e um arquivo supralocal: o
Arquivo dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra, qualquer deles com pouca visibilidade local, pelo menos no período considerado.

E uma última observação: a de que na produção cultural ainda não se vê reflectida a multiculturalidade originada pela diversidade populacional, em franca mutação com a chegada e integração de numerosos imigrantes ou refugiados, de diferentes origens geográficas. No período analisado, penas uma excepção: a realização de vários concertos e exposições de artistas ucranianos, em Julho de 2022, mas sem continuidade depois dessa data. Investigador

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