Uma dezena de jornalistas deu cobertura à detenção de Pedro Pinela que teve uma plateia de cem fiéis a assistirem à reconstituição do “crime” de ter violado um espaço sagrado. Segue-se o relato na primeira pessoa
Dia de tribunal. Algemaram-me a outro recluso e encaminharam-nos para um autocarro da polícia. Seria de esperar que fizéssemos todo o percurso até vermos o juiz, mas apearam-nos junto à estação de comboios juntamente com os guardas e, de comboio, no meio de pessoas entretidas no seu dia-a-dia, saímos na estação de Ernakulam Junction, apanhámos um autocarro local e depois caminhámos até à sala de julgamentos.
Esta história podia já ter sido contada na última crónica, mas não quis ser repetitivo com mais aventuras com a polícia ou dormidas na rua. No entanto, esta noite teve um desenrolar diferente de tudo o que experienciei.
Foi de 17 para 18. Shaggy viajara para a Malásia ao escurecer e eu estava só e sem tecto previsto. Então, perto da meia-noite, começo a gritar para dentro de um templo já fechado – “Namaste! Namaste! Ji!” Que é como quem diz – “Olá! Olá! Senhor!” (O alfabeto hindi, oficialmente, tem 11 vogais e 35 consoantes, além de que, no processo de conjugar as letras a fim de formar palavras, existem cerca de 50 variantes destes caracteres – uma das muitas desculpas que poderia utilizar para justificar o meu parco vocabulário hindi. Outra seria que, na Índia, existem 22 línguas diferentes que se falam em 720 dialectos diferentes)
Ninguém me respondia e os mosquitos eram omnipresentes em grandes enxames, pelo que decidi saltar o muro que me separava do interior. Entrei, alcancei uma porta através da qual via uma luz, mas não estava ninguém. Decidi voltar para trás até que vem ao meu encontro um homem de fraldas laranjas e em tronco nu que me responde que não e que saia. Assim o fiz. Passados 10 minutos saem pelo portão quatro monges que me convidam a entrar e… chamam a polícia.
Depois de um interrogatório de meia-hora, apresentam-me a um quarto de pensão (cortesia policial) e pedem-me que me apresente novamente na esquadra na manhã seguinte. Não desobedeci, apresentei-me, esperei e fui liberto.
Três dias depois, já em Goa, meia dúzia de mensagens online de polícias indianos. Tinham feito quase 1 000 km desde Kerala para me irem buscar e, já comigo dentro do jipe, outros 1 000 de volta, três dias de condução.
Jornalistas, fiéis, interrogatórios e uma semana de prisão
À chegada mais de 10 jornalistas de microfones em punho, câmaras ao ombro e flashes ansiosos – estava abismado perante tudo isto e os dias que se seguiriam só me deixariam ainda mais.
Levaram-me a reproduzir os meus movimentos nessa noite, perto do templo, onde tive uma plateia de uma centena de religiosos a assistir atentamente às minhas explicações e modos de agir num grande escrutínio. Fui interrogado por três corporações de polícia diferentes, espremido até estar seco de informação valiosa para o caso. E depois de duas noites a dormir em cima de uma mesa na esquadra da polícia, fui introduzido à “sub-jail”, onde passei uma noite entre outros cinco reclusos. Era a primeira vez que via uma porta feita de grades a fechar-me dentro de uma cela.
Mas não a última. Na manhã seguinte sou transferido para a cadeia central de Viyyur. Quatro dias de reclusão numa cela partilhada com um egípcio (preso por ter cinco plantas de canábis em sua casa) e um nigeriano (traficante de heroína através dos correios) deram-me a conhecer toda a gama de criminosos: violadores, assassinos, traficantes, terroristas, etc. As histórias mais macabras, repulsivas e revoltantes estavam diante dos meus olhos, espelhadas em pessoas.
Hoje, estou solto, são e salvo. Volto às ruas de gente mestiça, de mulheres de pintas na testa e de homens de panos em volta da cintura só para poder contar.
Pedro Pinela