Procuradora-Geral da República aponta que apenas 5% das crianças em Portugal estão em acolhimento familiar
Lucília Gago marcou presença esta quinta-feira no VII Fórum ABRIGO e deixou fortes críticas à legislação portuguesa relativamente ao acolhimento de crianças, alertando para o aumento de menores institucionalizados. A Procuradora-Geral da República apontou que quase 40% das crianças foram colocadas em acolhimento devido a problemas de comportamento, deficiência mental e saúde mental.
Foi no Cine-Teatro Joaquim d’Almeida, no Montijo, que, durante a sessão de abertura da sétima edição do Fórum ABRIGO, dedicado à protecção de crianças e jovens em risco, que Lucília Gago realçou as principais problemáticas relacionadas com o acolhimento de crianças. Na manhã desta quinta-feira, a Procuradora-Geral da República analisou o mais recente relatório da UNICEF, divulgado em Janeiro, o qual refere que Portugal, a nível europeu, é quem tem menos famílias de acolhimento, sendo que apenas 5% das crianças estão em acolhimento familiar, o que representa o pior valor entre os 42 países analisados.
A Procuradora-Geral da República criticou o que apelida de “insustentado encerramento” de residências, em centros educativos, principalmente no último ano, classificando mesmo a situação de “lamentável”.
Lucília Gago apontou o dedo à escassez de equipamentos e recursos humanos especializados, particularmente na área da saúde mental das crianças e lembrou ainda o número recorde de internamentos decretados no início do ano, um número muito superior à lotação dos espaços.
A governante criticou também a legislação e defendeu a necessidade de uma reflexão sobre a aplicação de um regime semiaberto para os jovens que estão em acolhimento residencial, considerando de “altamente questionável” a opção do legislador.
Analisando o relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (CASA) de 2022, enalteceu: o aumento de 10% no acolhimento de crianças entre os zero e os 3 anos, assim como um aumento de 3% no acolhimento de crianças na faixa etária entre os 4 e os 5 anos; destacou que apenas 3,6% das 6347 crianças e jovens acolhidas se encontrem em famílias de acolhimento; e sublinhou o facto de os factores que mais ditaram o acolhimento terem sido, em 25,1% das situações, problemas de comportamento, seguido da deficiência mental e de problemas da saúde mental, em 9,6 e 4,9%.
Opção do legislador é “altamente questionável”
Lucília Gago considerou também “merecer reflexão” a impossibilidade legal de decretamento da medida de acolhimento residencial em regime semiaberto, uma opção do legislador que considera ser “altamente questionável”, tendo em conta os “reflexos perversos” que potencia.
Para a procuradora, dessa “impossibilidade” decorre muitas vezes o “malefício de conceder aos acolhidos carta branca” para seguirem caminhos na direcção da desprotecção, o que origina um aumento dos jovens residencialmente acolhidos para a mendicidade, a prostituição, o consumo e a dependência de drogas e de álcool.
A Procuradora-Geral da República reforçou ainda que o intuito do acolhimento é a “educação para o direito”, ou seja, a constituição do comportamento dos jovens seus beneficiários com o dever jurídico penal e a sua inserção de “forma digna e responsável” na vida em comunidade, evitando os “percursos desviantes”, como os percursos criminais e a entrada precoce no meio prisional, que condiciona “inexoravelmente” o percurso de vida das crianças acolhidas.
Ainda na sessão de abertura do fórum, o presidente da ABRIGO, Jacinto Guilherme Pereira, advertiu que as “incertezas sociais, políticas e económicas, continuarão a estar no horizonte, afectando os grupos sociais mais vulneráveis e especialmente as crianças e jovens em risco”.
Jacinto Guilherme Pereira defendeu ainda que a crescente imigração exige uma “estratégia sólida e realista, acima de tudo eficaz, de integração económica, social e cultural”, para que as instituições preparem as equipas técnicas e a sua forma de intervenção, para dar resposta a esta nova realidade.
No período da manhã desta edição do Fórum ABRIGO, houve um painel dedicado às ‘Reflexões sobre o Mundo, as Famílias e as Crianças’, que contou com a participação do psiquiatra e escritor, Daniel Sampaio, e do Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra, Paulo Guerra, sendo moderado pelo jornalista Carlos Andrade.
Já na parte da tarde existiu um painel que vai fez uma ‘Viagem pelos Afectos em Acolhimento Familiar’, tendo como oradores Eunice Magalhães, investigadora no ISCTE, Núria Fuentes-Peláez, da Universidade de Barcelona, Laura Alba, investigadora, e a pós-douturada Vânia Pinto.
O próximo Fórum ABRIGO ficou já com data marcada para 14 de Maio de 2026.
Governo precisa de ser “mais ágil e menos burocrático”
Na sessão de encerramento deste fórum, Clara Marques Mendes, secretária de Estado da Acção Social e da Inclusão, reforçou que o Governo precisa de ser “mais ágil e menos burocrático” quando trabalha com associações como a ABRIGO.
Nesta sessão, a governante realçou que o trabalho feito pela associação é uma “relevante resposta” e o acolhimento familiar deve ser “uma prioridade”, porque “é a melhor resposta” para as crianças institucionalizadas.
A secretária de Estado reforçou que o Governo quer estar próximo e mostrou-se confiante que “todos juntos” vão conseguir no terreno dar a “devida resposta” às famílias e crianças, realçando o envolvimento da comunidade com este projecto, e elogiou o trabalho desenvolvido pelos autarcas do Montijo e de Alcochete.