João Afonso acusa Nuno Canta de ter ordenado abertura de correspondência dos vereadores da oposição. O socialista defende que se trata de correspondência institucional e diz que o social-democrata já expediu mais de 60 ofícios sem registo. Polémica volta a instalar-se no executivo
É o mais recente caso polémico entre autarcas do executivo camarário do Montijo e vai parar a tribunal. João Afonso, vereador social-democrata, eleito pela coligação PSD/CDS-PP, acusa o presidente da Câmara, Nuno Canta, de violar a correspondência dos vereadores da oposição e já assumiu que irá recorrer aos meios legais para pedir justiça; o chefe do executivo, de maioria socialista, diz que se trata de correspondência institucional e não individual e acusa o autarca social-democrata de já ter enviado mais de 60 ofícios sem registo no expediente, prática que considera como crime reiterado, e promete apurar responsabilidades até às últimas consequências.
O tema foi levantado na reunião pública da câmara, na passada quarta-feira, por João Afonso, que exigiu que a gestão socialista se retracte e consequentemente respeite a privacidade e sigilo da correspondência dos gabinetes de apoio aos vereadores da oposição.
“Aquilo que aconteceu ultimamente nesta autarquia, no que diz respeito à correspondência recebida e expedida pelos vereadores da oposição, em que a mesma, por ordem do senhor presidente Nuno Canta, é aberta, constitui uma atitude ignóbil e um verdadeiro atentado ao estado de direito democrático, como é aliás previsto na lei, particularmente no Código Penal”, começou por dizer o social-democrata.
“Mas, mais do que atacar os partidos da oposição, o que esta determinação semeia, na melhor tradição da censura típica do totalitarismo que o PS-Montijo agora patrocina e acarinha, é tentar provocar a desconfiança dos cidadãos nos representantes do estado democrático, levando tudo, o que o edifício jurídico do País construiu, à frente na sua ânsia de controlar o papel da oposição”, disparou, adiantando: “Certamente que os seus fundadores não se revêem nesta atitude miserável e rasteira que só o manifesto desespero político em travar o trabalho da oposição pode justificar.”
João Afonso desafiou ainda o PS do Montijo e a maioria do executivo autárquico a pedirem desculpas aos montijenses, pela atitude que classificou de “miserável, bafienta e despudorada” e que, no entender do social-democrata, não passa de uma tentativa “absurda e totalitária” de controlar o papel dos partidos da oposição nas relações com os eleitores e com as instituições externas.
Nuno Canta fala em ir até às últimas consequências
Na resposta, Nuno Canta considerou que o social-democrata apresentou a situação de “forma torpe, distorcida e maldosa”, até porque os serviços foram confrontados “com o facto de o vereador ter enviado um ofício que não tem registo oficial na Câmara”.
“O que aqui está em causa são procedimentos regulares ilegais da Câmara. Chegam ofícios em carta fechada entregues por funcionários da Câmara que estão afectos aos gabinetes dos vereadores e que depois são expedidos e pagos pela autarquia. Não estamos a falar de correspondência individual de cada um. Isso é um equívoco de quem o ajuda nisso. Não se trata de correspondência privada, mas sim institucional”, defendeu o socialista, sublinhando que a prática corrente e legal é a de abrir a correspondência, registando a entrada e saída de ofícios.
“Quando assumi a presidência em 2013 recebi todos os dias uma pasta com a correspondência aberta da oposição. E antes [nos mandatos anteriores] era sempre assim. Depois disso, como não quero ter acesso nem quero ler, acho que despachamos imediatamente para os gabinetes da oposição toda a correspondência. Surpreendentemente, viemos a verificar que começam a fechar as cartas e não há registo. E isso é falta de transparência, é uma ilicitude relativamente às normas”, explicou.
De acordo com o presidente da autarquia, os serviços detectaram que João Afonso enviou um ofício para a Agência Portuguesa do Ambiente e outro para a GNR que não foram registados. “Fomos verificar e já vai em 60 e tal ofícios, que é um crime reiterado de adulteração das coisas dentro do município”, justificou, acusando de seguida: “O senhor vereador assina ofícios que vêm em carta fechada para o nosso expediente, que a Câmara paga, e esse ofício não é registado na correspondência expedida da Câmara. O senhor vereador não tem competência delegada, não pode assinar ofícios em nome da Câmara e fê-lo. Detéctamos a situação e vai ter de ser levada até às últimas consequências.”
Nuno Canta revelou ainda que “os serviços estão a ser investigados” face ao ocorrido. “Quero saber como aconteceu isto. Esta questão vai ser desfiada de fio a pavio e nós vamos tomar opções e decisões, quer o senhor ou os autarcas de outro partido gostem ou não. Aconselho-o a ir ver às pastas antigas do PSD quem assina lá em cima, num carimbo de entrada. Já viu o seu grau de irresponsabilidade. E veio para aqui com uma declaração a atacar as pessoas de forma enviesada e suez, devia engolir as palavras todas que disse”, concluiu.
CDU critica medidas presidenciais
Já Carlos Jorge de Almeida, vereador eleito pela CDU, não poupou críticas duras à actuação de Nuno Canta, considerando que o socialista “transformou a maioria absoluta em poder absoluto”.
“Começou por fazê-lo alterando, com a maioria absoluta, via regimento de funcionamento, os horários da Câmara Municipal, conhecedor que é do enquadramento profissional dos vereadores eleitos e adiantando a hora da reunião das 19h00 para as 15h00. Continuou esta política, alterando a hora de intervenção do público, adiantando-a das 19h30 para as 18h00. Ao mesmo tempo, retirou a menção expressa à obrigatoriedade da periódica realização de reuniões descentralizadas da Câmara nas freguesias”, atirou.
Antes de criticar o procedimento de abertura de correspondência, o comunista elencou outras medidas do presidente da Câmara: “Foi ainda mais longe, fazendo constar do regimento que a gravação áudio das actas deve ser destruída logo após a sua redacção, ainda sem discussão onde pudesse suscitar-se qualquer necessidade de correcção. Ao mesmo tempo esconde-se a verdade toda, retirando das actas as afirmações mais violentas do presidente da Câmara, que impõe uma censura a si próprio, ou que apresenta declarações políticas manuscritas, para que mais tarde ‘ao serem passadas a limpo’ possam ser moderadas e menos violentas para a oposição.”
“Agora, há poucas semanas, arroga-se o direito de violar a correspondência dirigida aos gabinetes de apoio aos vereadores da oposição, por alegadas razões de gestão documental”, criticou, juntando que estas não são práticas exclusivas do presidente da autarquia, já que na Assembleia Municipal também “ocorrem regular e sistematicamente situações impensáveis na democracia autárquica”.
Nuno Canta considerou que a intervenção de Carlos Jorge de Almeida não trouxe nada de novo. “Foi mais do mesmo, que levou a CDU a ter uma derrota histórica nas últimas eleições”.
Entretanto, João Afonso já fez saber através da rede social Facebook que irá recorrer a tribunal.