19 Abril 2024, Sexta-feira
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Seis ajudaram a decidir futuro do País na União Mutualista do Montijo

Assinaram de cruz a folha filha da liberdade, herdada há quase 48 anos. Sabem dar valor e o exemplo

 

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Terça-feira, 25 de Janeiro de 2022. Passam 54 minutos das 9 da manhã e José é o primeiro de seis que quiseram contribuir para a democracia com uma cruzinha. Chega de cadeira de rodas. Do outro lado de uma secretária, que suporta uma urna negra, estão três figuras femininas, com batas, máscaras e luvas de protecção da “cor do céu”. Recebe um boletim branco com múltiplas opções de escolha impressas e um envelope azul para o colocar, depois de fazer valer o direito que chegou nas “asas” de um outro 25, o de Abril de 1974.

Estamos no lar da União Mutualista Nossa Senhora da Conceição, em Montijo. “Consegue fazer a cruz? Já está?”, pergunta Cláudia Bento, directora técnica da unidade residencial para idosos, que se prontifica a ajudar José a dobrar aquela folhita filha da liberdade, destinada ao interior do sobrescrito. O voto antecipado para as legislativas do próximo domingo está praticamente concretizado.

Detrás de uma espécie de biombo, que tapa uma secretária sobre a qual assinalou a decisão, até chegar junto das senhoras da mesa de voto – equipa formada por Maria Clara Silva, vice-presidente da Câmara Municipal do Montijo, e duas funcionárias autárquicas – vão três a quatro metros. José cumpre a “viagem” para entregar o envelope, de seguida selado e depositado na caixa negra. Em troca recebe um comprovativo. Estão feitos mais dois tracinhos para juntar a milhões de outros, cuja soma permitirá desenhar a governabilidade do País.

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Neste dia, o município tem equipas em lares localizados em Montijo, Afonsoeiro e Canha. “Vão votar 28 [utentes]. Mesmo que fosse por apenas um voto a acção seria sempre importante”, revelaria, no final, Maria Clara Silva. Desses 28, seis moram na valência da União Mutualista – também conhecida como Lar Montepio – e Rui é o senhor que se segue.

Apoiado numa bengala, senta-se, levanta-se, e pede ajuda à directora técnica do lar: “Qual é o quadradinho?” É traído pela visão e não quer errar na escolha. Confidencia ao ouvido qual o partido em que quer depositar confiança e lá vai “rabiscar”. Tem 91 anos. “Vou a caminho dos 92. Votei sempre e estando vivo lá vou votando. É importante”, diz, em resposta à equipa de reportagem da RTP que, tal como O SETUBALENSE, está presente a acompanhar o processo.

De lupa para não se enganar

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Depois vem João Lopes, 80 anos. Sem ajudas nem medos. Não falha uma eleição. “Importante é continuar a votar. Pena é ser aqui, nesta situação, mas também é importante fazê-lo em segurança”, reconhece, face ao contexto pandémico instalado.

O ritual democrático prossegue, à vez e de forma rápida. Juliana, 96, é a seguinte. De cabelos prateados e com a ajuda de uma bengala de quatro pontas para se equilibrar, vem preparada para tudo. Saca de uma pequena lupa para identificar a quadrícula mais desejada e cruzar os riscos. E, expedita, aceita dar um passo atrás para a “improvisada zona de entrevistas rápidas”. Confessa que sempre votou desde as primeiras eleições. Mas vai mais além. “A minha família era anti-salazarista. Mas não podemos esquecer que o Salazar livrou-nos da II Guerra Mundial”, comenta, para voltar mais atrás na história de Portugal e soltar uma confissão: “Não retirava a estátua do Marquês [de Pombal]. Foi um primeiro-ministro extraordinário. Não foi o único com culpa pelo massacre dos Távoras”.

E… não há tempo para mais. Assunto não lhe falta, mas Marcelina Maia já aguarda pela sua vez. Tem 89 anos e, assim que entra, atira: “Não posso estar com o nariz tapado”. Alivia a máscara para baixo e desabafa: “Sei lá onde vou votar”. Sem se sentar, analisa melhor o boletim e deixa escapar: “Sei lá… Vou por aqui”, decide, por fim.

Olívia Bibe surge em cadeira de rodas e é a última a exercer o direito de voto. É rápida. Solta uma risada e entrega o voto. Já comemorou 87 Primaveras. E faz questão de vincar que “é sempre importante votar”, ao mesmo tempo que admite sentir-se “segura” ao poder fazê-lo na instituição.

A democracia voltava assim a arrepiar caminho e o exemplo acabava de ser dado por quem melhor conhece o valor da sua conquista. O último esboço, composto por pequenas linhas cruzadas, para dar forma à pintura da tela do futuro dos próximos quatro anos completa-se neste domingo.

Pedro Santos: “Foram estas pessoas que construíram a democracia”

Pedro Santos, presidente do conselho de administração da União Mutualista Nossa Senhora da Conceição, fez, no final, um balanço “muito positivo” à votação descentralizada nos lares. E sublinhou a importância da acção. “Foram estas pessoas que construíram a democracia. Estes utentes, destas idades, viveram aqueles tempos mais difíceis. Conseguir que possam exercer o seu direito cívico e que possam contribuir para a democracia do País é, para todos nós, motivo de orgulho e satisfação”, frisou.

 

Na União Mutualista do Montijo votaram antecipadamente nove utentes – “três já o haviam feito no passado dia 23”, revelou o responsável. “Um número não muito elevado face aos cerca de cem utentes que temos aqui. Mas todos foram questionados se pretendiam votar”, lembrou, antes de justificar a disponibilidade da instituição para abraçar sempre este tipo de acções. “Reflecte um pouco do dinamismo que quisemos trazer para o projecto que estamos a liderar: modernizar a União Mutualista, torná-la mais apelativa e interessante para todos os que estão ligados a esta instituição que este ano vai completar 150 Primaveras”, finalizou.

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