O Polígrafo detecta potenciais “fake news” e leva a sua análise à televisão, em horário nobre, na SIC. Esta semana a vila de Baixa da Banheira esteve em foco devido a alegadas medições de ruído que não contemplam a passagem de aviões. Mas que aviões?
O programa Polígrafo apresentado pelo jornalista Bernardo Ferrão, na SIC é reconhecido por levar a público esclarecimentos acerca de informações veiculadas nas redes sociais que possam estar erradas ou imprecisas, contribuindo para criar mitos sociais. As chamadas “fake news”.
No passado dia 21, entre as informações que foram levadas ao esclarecimento público pelo Polígrafo está um comentário feito por Nuno Cavaco, presidente da União das Freguesias de Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, que na sua página pessoal de Facebook questionou “Como é possível que no Estudo de Impacte Ambiental sobre o aeroporto na Base Aérea do Montijo não se tenham efectuado medições de ruído?”. Nuno Cavaco afirmou ainda que “o desprezo com que o PS está a tratar a população do concelho da Moita e do Barreiro merece um tratamento à altura”.
Perante esta afirmação, o Polígrafo classificou a publicação de Nuno Cavaco como “fake news”.
O foco do autarca seria o ruído causado pelos aviões que sobrevoam a localidade de Baixa da Banheira, rumo à Base Aérea do Montijo. E o objectivo contestar os valores apresentados no Estudo de Impacte Ambiental (EIA), referente ao projecto de construção do Aeroporto no Montijo e Respectivas Acessibilidades, que indica registos de 67,4 decibéis nas Medições do Ambiente Sonoro.
Contudo, em nenhum cenário das medições foi testado o nível de ruído gerado por um avião comercial. E era esse reparo que o autarca queria fazer com a sua publicação, explica o próprio.
Para Nuno Cavaco, “no EIA não fica claro qual será o valor para a passagem de um avião comercial a 160 metros de altitude, sobre a zona ribeirinha, na vila de Baixa da Banheira”. Uma área habitacional com serviços, onde estão escolas básicas, um centro de apoio à comunidade senior, o actual Centro de Saúde e o futuro, cuja construção a Câmara Municipal da Moita estima para 2020 e que, quando terminado, ficará também na área de influência do cone de aterragem.
O autarca fez acompanhar o comentário por um vídeo, com som, de um avião militar a sobrevoar, a baixa altitude, uma área habitacional.
Quase um mês de acusações ping-pong
A contraposição de factos e dúvidas entre o Polígrafo e o autarca já data de algumas semanas, mas só agora veio a publico no pequeno ecrã.
A 27 de Setembro, Nuno Cavaco publicou nas redes sociais uma resposta às denuncias feitas por utilizadores do Facebook de que a sua exposição sobre a medição de ruído seria uma “fake new”, tendo sido essa a causa pelo qual a sua publicação foi analisada pelo Polígrafo.
Nuno Cavaco avançava assim em Setembro, na sua página pessoal de Facebook, “acerca das medições ao ruído no âmbito do Estudo de Impacte Ambiental do Projecto do Aeroporto do Montijo e Respectivas Acessibilidades: Caros senhores do Polígrafo já que me seguem atentamente e porque entenderam mal o que escrevi, informo que no Estudo de Impacte Ambiental para o novo aeroporto não foi feita uma única medição ao ruído de um avião, daqueles que supostamente irão usar o novo aeroporto e que portanto medir o impacto do ruído sobre a população e sobre o ambiente de um novo aeroporto sem, efectivamente, fazer medições ao ruído dos aviões que o vão utilizar, no mínimo não é preciso. Já agora e porque é a vossa missão, sugiro que perguntem ao Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. António Costa, se ainda considera que o aeroporto de Lisboa é uma ameaça à segurança e à saúde da população de Lisboa”.
Quase um mês depois Bernardo Ferrão leva o tema à televisão, com a pergunta “Estudo de Impacte Ambiental do aeroporto no Montijo não tem medições de ruído?”,
O Polígrafo foi confirmar. O SETUBALENSE – DIÁRIO DA REGIÃO confirmou e falou com Nuno Cavaco, no papel de autarca e geógrafo.
Os “Factores Ambientais” ao pé da letra
Neste caso seguindo ao ‘pé da letra’ a análise dos “Factores Ambientais” presentes no EIA referente ao Aeroporto do Montijo e Respectivas Acessibilidade, na página 36, apresenta-se que “para a avaliação dos impactes no ambiente sonoro, foi definida uma área de estudo significativa, e que abrange: i) Para os sobrevoos futuros de aeronaves do Aeroporto do Montijo: os concelhos de Moita, Barreiro e Seixal e ii) Para o tráfego rodoviário futuro de acesso ao Aeroporto do Montijo: os concelhos de Montijo e Alcochete”.
O SETUBALENSE-DIÁRIO DA REGIÃO consultou o Anexo 8 do Estudo de Impacte Ambiental referente à avaliação do Ambiente Sonoro. E confirmou que foi selecionada uma área para as medições, dentro do território mais potencialmente afectado pelo cone de aterragem, estando presentes a Estrada Nacional 10, que atravessa a vila de Baixa da Banheira ou a Avenida José Almada Negreiros, área de união à localidade de Vale da Amoreira. Há mais ruas presentes no anexo e as medições foram realizadas sobre o Ruído Ambiente entre 22 e 24 de Novembro de 2016 e de 07 a 10 de Novembro de 2017. E os registos mais elevados ficam em 67,4 decibéis. O contexto destas medidas: ora ruído ambiente geral, ora a passagem de um avião militar. Nunca à passagem de um avião comercial. E não é feita medição, ou pelo menos não está claro, numa das principais vias da zona ribeirinha e que será potencialmente afectada. A Avenida Capitães de Abril.
Nuno Cavaco em breve entrevista a O SETUBALENSE-DIÁRIO DA REGIÃO, questiona a escolha dos locais para as medições. “Parece tudo bem, mas e porque não foram acrescentados mais locais? Fala-se em pontos como a Estrada Nacional 10 e a Avenida Almada Negreiros, mas se querem medições reais sobre a zona que será mais afectada pelo ruído façam-nas na Avenida Capitães de Abril”. Uma área que estará na mira do cone de aterragem, tal como já foi, inclusive, referido diversas vezes por Luís Chucha, oficial aposentado da Força Aérea Portuguesa, que desempenhou funções na Base Aérea do Montijo e actualmente integra o movimento de cidadãos “Plataforma Cívica BA6 Não”.
O autarca e geógrafo, nas medições efectuadas por si, em vídeos como aquele que partilhou nas redes sociais, “embora sejam feitas com equipamento não homologado” registou “75 decibéis”.
Também Carla Graça, uma das representantes da Zero, em recente entrevista a O SETUBALENSE referiu valores registados próximo ao Aeroporto de Lisboa de “79 decibéis. Valores que podem ser alcançados entre a Baixa da Banheira e o Montijo”.
Sobre a acção do polígrafo Nuno Cavaco explica-se. “Talvez o mal do meu comentário, que feito na minha página página pessoal e não na página da União das Freguesias, o mal talvez tenha sido deixar no ar questão retórica de ‘como é que possível não terem sido realizadas medições ao ruído’, sem que a tivesse complementado de forma precisa. De facto foram realizadas medições, mas faltam pormenores dessas medições. Foram realizadas ao ambiente geral, a todo o ruído, e não na vertical, apenas ao momento da passagem de um avião com características comerciais. Essa informação pormenorizada não nos é dada e esta ausência de informação objectiva é notória ao longo de todo o EIA”.
Estes são os principais motivos alegados por Nuno Cavaco para a rejeição do aeroporto no Montijo.
“Se me explicassem por A+B que esta era a solução ideal para o país e que não haveria nenhuma outra possível, com os mesmos benefícios eu próprio diria, ‘se é para o bem do país fazemos sacrifícios deste lado e aceitamos’. Mas a informação continua a não nos chegar de forma clara”, aponta o autarca.
Um comentário que vai ao encontro das declarações proferidas na Assembleia Municipal da Moita, realizada a 16 de Setembro, para votação do parecer sobre o EIA referente à construção do aeroporto e cujo resultado foi um parecer negativo.
Já nessa época Nuno Cavaco desafiou a comunicação social a questionar a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o porquê de não ter promovido uma Sessão de Esclarecimento na vila de Baixa da Banheira, à semelhança das sessões realizadas no Montijo e em Alcochete, para esclarecer populações e instituições públicas, sendo esta uma das zonas mais afectadas pelos impactos negativos que o aeroporto irá gerar a a nível ambiental.
Na altura, O SETUBALENSE – DIÁRIO DA REGIÃO direcionou a questão não só para a APA, sendo esta a entidade que gere a Avaliação de Impacte Ambiental, no âmbito da qual esteve em consulta pública o Estudo de Impacte Ambiental, agora em fase de análise, como direcionou esta e outras questões para a VINCI, promotora do projecto do novo aeroporto. Até à data não obtivemos respostas.
A razão do Polígrafo. A razão de Nuno Cavaco.
O Polígrafo, analisado ao ‘pé da letra’, tem razão, mas e quando a questão é colocada com todos os pormenores? “Porque não foram realizadas medições com os aviões que teremos a sobrevoar a área e quais serão os resultados reais dessas medições se tivessem sido realizadas com essas características e na Avenida Capitães de Abril?”. A essas questões, por enquanto, Nuno Cavaco não terá resposta.
Foto – Alex Gaspar