O socialista critica as opções da gestão CDU, ao mesmo tempo que acusa esta força política de tentar esconder informação à oposição e à população. “Não há democracia”, resume. E diz-se defensor de um hospital no Seixal complementar ao Garcia de Orta
O líder da principal bancada da oposição no executivo municipal do Seixal não poupa críticas à gestão CDU, liderada por Paulo Silva. Em entrevista concedida a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, o vereador socialista Eduardo Rodrigues (sem pelouros) lembra a dimensão dos orçamentos municipais na ordem dos 150 milhões de euros e considera que o concelho devia estar mais desenvolvido. “É muito dinheiro para que o Seixal continue a manter uma arquitectura urbanística idêntica à que tinha há 30 ou 40 anos”, aponta.
Lamenta que a oposição não seja tida nem achada em qualquer processo de decisão da Câmara e acusa o PCP de ter sido “desonesto” com o eleitorado, por ter “premeditado” a substituição de Joaquim Santos por Paulo Silva.
Afirma que o Hospital do Seixal deve ser construído de imediato, mas como complemento ao de Almada. E defende ser mais urgente o alargamento do Centro de Saúde de Fernão Ferro do que a construção de um novo em Paio Pires. O autarca do PS critica ainda a política de habitação no concelho e diz-se disponível para se candidatar pela terceira vez à presidência da autarquia.
Confirma que PS e PSD tentaram seduzir o vereador Henrique Freire, eleito pelo Chega, para conseguirem uma “maioria negativa” no executivo?
As coisas não são assim. Após qualquer eleição há uma tentativa de acordo entre as partes. Não é propriamente uma sedução. O normal é qualquer partido exercer a sua função, como tal os líderes de cada bancada devem falar entre si para saberem os posicionamentos. Parece-me que terá sido isso que aconteceu. Assim como aconteceu com a CDU, que estava em minoria no poder e que também terá conversado com Chega, PSD e PS, para tentar encontrar uma solução de governação.
A CDU falou com o PS?
Falou. Tentou abordar-nos para saber a nossa posição. Não foi dado andamento a qualquer acordo, mas houve uma tentativa de perceber o posicionamento do PS. E o posicionamento que o PS tem é de oposição, porque quer ganhar a Câmara e não quer qualquer governação com o PCP, como o Chega fez.
A relação da vereação do PS com a CDU melhorou ou não com a saída de Joaquim Santos e a passagem de Paulo Silva para a presidência?
É complexo. Pessoalmente, até pensava que com o presidente Paulo Silva iríamos ter uma abertura mais dinâmica com os eleitos da oposição. Acho que me enganei. A CDU tem um “modus operandi” de governação muito próprio, é uma governação sempre centrada na tentativa de manter o poder. Não há qualquer proximidade à oposição, não há qualquer tentativa de democratizar os processos, de conversação. Não acho que tenha melhorado. Pelo contrário, a diferença não é muita, mas diria que é mais para pior do que para melhor.
Há falta de democracia no seio do executivo?
Sempre houve e continua a haver. A CDU vale-se de todos os meios, de todos os estratagemas, para tentar manter o poder. São praticamente 50 anos de poder e a forma como a CDU lida com a oposição sempre foi numa tentativa de esconder a informação. Um jogo de esconder a informação e um jogo de manipulação, quer junto da oposição quer da população. O que era antidemocrático há 10 ou 15 anos continua a sê-lo hoje. Não somos incluídos em qualquer processo de decisão da Câmara e, a partir daí, o que se pode dizer é que não há democracia.
Bruno Vasconcelos, vereador do PSD, queixava-se de não ser atribuído pessoal de apoio aos vereadores da oposição sem pelouros. O vereador independente Henrique Freire diz que isso tem a ver com uma impossibilidade legal…
… Na maior parte das Câmaras no distrito e até no País é dada essa premissa aos vereadores da oposição, até porque é quase impossível fazer-se trabalho sem apoio. Não há questão legal nenhuma. Se as outras Câmaras têm, não é uma questão legal. Isso não faz sentido. A CDU está atenta a todos os pormenores, nomeadamente Paulo Silva, e tenta fazer com que tudo seja controlado à minúcia para que a oposição, noutros fóruns autárquicos, não tenha relevância, visibilidade.
Que análise faz ao trabalho desenvolvido pela gestão CDU?
É igual à que fazemos relativamente aos 50 anos de governação da CDU. É uma governação centrada na manutenção do poder a todo o custo… e absorção de todos os recursos da Câmara em benefício próprio do PCP…
… Mas isso não é transversal a todos os partidos?
É transversal, mas ainda não tinha acabado de responder. Faço uma análise comparativa com os 50 anos, porque o Seixal devia estar mais desenvolvido em muitas áreas. Temos necessidades que já podiam ter sido resolvidas com orçamentos na ordem dos 150/170 milhões de euros, que é o que tivemos no último ano. É muito dinheiro para que o Seixal continue a manter uma arquitectura urbanística idêntica à que tinha há 30 ou 40 anos. Consegue-se gastar um orçamento completo sem ser aplicado em projectos estruturantes. Não temos novas estradas, mobilidade, em termos de paisagismo só a parte central da cidade é que tem algumas árvores ou pouco mais. Seixal só tem crescido por estar próximo de Lisboa e ter os preços das casas mais baixos.
Também tem criticado os apoios do executivo às colectividades.
Não criticamos os apoios às colectividades. Somos a favor. O problema é a forma como se fazem esses apoios. Não são propriamente apoios. O PCP é forte no apoio ao movimento associativo, porque é aí que também vai beber a sua votação para efeitos de eleições. A forma como se fazem os donativos ou os apoios é que não é clara nem transparente. Exemplo: foi construído um pavilhão que supostamente ficaria na dependência do Lobatos Volley Clube e, na prática, está lá escrito Pavilhão Municipal de Amora. São estes apoios, feitos de forma encapotada para dar a volta àquilo que é a legislação da contratação colectiva.
Quando aponta críticas à mobilidade, ao paisagismo, quer isso dizer que a gestão CDU até tem estado bem nas outras áreas?
De forma alguma. Na área da Educação também temos deficiências. Há necessidade de construção de novas escolas, de equipamentos de ensino pré-primário. Mas se formos para a parte da Saúde temos o mesmo problema, pese embora não seja da responsabilidade da Câmara a edificação de novos centros de saúde… Noutros concelhos vizinhos, como por exemplo em Sintra ou no Barreiro, já depois de a Câmara ter mudado para o PS, encontraram-se soluções de protocolo com o Ministério da Saúde. Seixal é exímio em aguardar que a tutela avance com tudo e não dá um passo em frente, porque para o PCP quanto pior, melhor.
Como olha para a afirmação do vereador Henrique Freire de que nenhum partido da oposição tem capacidade neste momento para gerir a autarquia, por esta ser uma máquina muito bem oleada e complexa montada pela CDU?
Isso é de quem não tem visão nenhuma nem tem conhecimento nenhum do que é um acto de gestão. Primeiro, qualquer Câmara não funciona com elementos da política, funciona com técnicos da Câmara. Esses funcionários trabalham quer seja para PCP quer seja para PS, PSD, para quem quer que ganhe a Câmara. Depois disso há o executivo. Eu, pessoalmente, sinto-me preparado, pelo que aprendi profissionalmente, para gerir qualquer empresa, e a Câmara é uma empresa. Depois vamos para aquilo que é a nossa visão e que é o nosso programa. Qualquer empresa, à partida, é governável pela máquina da empresa. Os gestores só lá estão para encontrarem e tomarem as melhores decisões, neste caso para a comunidade. O PS está mais do que preparado para governar quer esta quer qualquer Câmara.
De que forma o PS olhou para a passagem de testemunho de Joaquim Santos para Paulo Silva? Hoje, à distância, defenderia eleições intercalares?
Defendemos logo na altura. Mas, depois de o PCP se ter aliado ao Chega para formar executivo estavam à partida invalidadas essas eleições. Infelizmente, o eleito do Chega, como é funcionário da Câmara, não se iria virar contra o patrão.
Mas não era legítima essa passagem de testemunho?
Não. Foi programada antecipadamente. Quando Joaquim Santos foi a eleições, o PCP já tinha na manga essa passagem de testemunho. Não foi claro, não foi honesto com as pessoas, manipulou-as, foi desonesto com os munícipes do Seixal.
Considera também que o executivo é sustentado por uma aliança entre PCP e o vereador independente Henrique Freire?
Isso está à vista. Se não fosse pelo vereador eleito pelo Chega, o PCP não teria maioria e já teria de vir à discussão com a oposição para encontrar soluções. Já no mandato anterior o elemento do PSD que se tornou independente também lhes deu o conforto. O PCP no meio disto tudo acaba por ter sorte com os elementos que os partidos têm candidatado e que depois não honram os compromissos que lhes são atribuídos por votação em urna.
Foi administrador do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo. Conhece o projecto para o Hospital do Seixal. É um projecto que serve os intentos do Seixal ou é um “hospitalzinho”?
A construção desse equipamento é uma mais-valia para o Seixal e não só. A construção que se quer não é a de um hospital como o de Barreiro, Almada ou Setúbal. É uma extensão do Hospital de Almada. É uma espécie de hospital de ambulatório. Não é um “hospitalzinho”, é um equipamento que vai complementar o Hospital Garcia de Orta. Se fosse criado um hospital com dimensão idêntica à de Barreiro, Setúbal ou Almada, até do ponto de vista de recursos humanos não haveria capacidade para o preencher. Os recursos humanos seriam subtraídos aos hospitais periféricos, de Barreiro e Setúbal. Não vejo muitas vantagens na criação de um hospital no Seixal do tamanho do Garcia de Orta.
Acredita que deve ser construído neste momento com o novo Governo?
Sou apologista da edificação da nova unidade, até porque o Garcia de Orta está com dificuldades em dar resposta ao aumento da população, que vai continuar a aumentar. Sou a favor deste novo hospital de proximidade no Seixal, no imediato. O Garcia de Orta há muito que não dá resposta. Mas isso não invalida que haja também uma aposta na construção de novos centros de saúde. A unidade que vai ser construída em Foros de Amora ou a que vai ser construída em Paio Pires são indispensáveis, assim como o alargamento da unidade de Fernão Ferro. Do meu ponto de vista há mais necessidade em alargar o Centro de Saúde de Fernão Ferro do que construir um novo em Paio Pires. Fernão Ferro está com 20 mil habitantes, quando aquele Centro de Saúde foi construído para seis ou sete mil.
Qual é a sua visão sobre o problema da habitação no concelho e o trabalho desenvolvido pelo executivo, já que o Seixal é o terceiro município do País com maior captação de fundos do PRR?
Em relação aos apoios do PRR, não é o executivo. É a equipa de técnicos da Câmara, que trabalhou bem e soube aproveitar as oportunidades. Tínhamos condições para concorrer, fez-se um bom concurso e as verbas vieram para pagar o realojamento de Vale de Chícharos. Já do ponto de vista daquilo que é a carência de habitação, vamos ver como o PCP funciona: zero! Fala-se da necessidade de edificação de habitação para apoio a jovens, para arrendamento, a custos reduzidos. O que temos no Seixal? Zero! Já deliberámos um projecto de construção de habitação a custos controlados e até hoje não saiu do papel. Uma coisa é aproveitar as verbas que estão à nossa disposição com boas candidaturas, outra coisa é ter iniciativa própria e utilizar o orçamento da Câmara em projectos estruturantes. Não há política de habitação no Seixal.
Consegue encontrar pontos positivos na gestão da CDU?
Já referi o apoio ao movimento associativo. Depois vamos para algum programa cultural, temos o exemplo do “Seixal Jazz”, que é conhecido a nível nacional. Podia ser melhor? Podia. O Seixal tem uma linha de onde não quer passar, embora sejam áreas que estejam claramente boas, mas podiam ser melhores.
É adepto da expressão popular “não há duas sem três”?
Também a utilizo.
Se transportarmos essa máxima para as autárquicas de 2025, isso significará que será outra vez cabeça-de-lista do PS à Câmara Municipal do Seixal.
Sempre estive disponível para o partido e continuo disponível. A minha candidatura em 2017 teve um crescimento exponencial, o PS nunca tinha passado dos 12 mil votos e saltámos para os 19 mil. Em 2021 continuámos a crescer em número de votos. Uma terceira candidatura seria eventualmente para vencer, estou disponível, mas quem tem de tomar essas decisões é a concelhia, é a distrital, é a [estrutura] nacional. Mas seria normal que Eduardo Rodrigues voltasse a ser candidato em 2025.