Comunistas acusam gestão PS de se colocar ‘ao serviço de interesses privados duvidosos’. Socialistas lembram que a CDU no poder também pretendia construir no local e disparam: ‘O reduto ideológico comunista contra a iniciativa privada foi sempre um adversário do desenvolvimento do Barreiro’
A anunciada intenção da maioria socialista da Câmara Municipal do Barreiro em vender a Quinta do Braamcamp, tendo em vista destinar 5% dos 21 hectares do terreno para habitação e os restantes 95% para áreas de circulação, equipamentos, zonas verdes, lazer, ambiente e espelhos de água encontrou forte resistência no PCP/CDU e levou mesmo a uma guerra de comunicados entre os dois partidos, com troca de fortes críticas de parte a parte.
Em comunicado, a concelhia comunista condena “veementemente a opção de venda” e acusa o PS e o presidente da autarquia, Frederico Rosa, de se colocarem “ao serviço de interesses privados duvidosos”. Para o PCP, a acção dos socialistas neste processo é feita “à revelia dos interesses barreirenses” e “procura aprofundar um processo de deriva de especulação imobiliária e de negócios pouco claros”.
Já o PS local, também em comunicado, apresenta uma cronologia detalhada do processo em torno da Quinta do Braamcamp e lembra que a CDU, no poder no mandato anterior, defendia solução idêntica. “A 8 de Fevereiro de 2016, Carlos Humberto e João Góis (Millenium/BCP) assinaram o acordo que selou a aquisição da Braamcamp, afirmando o então presidente [da Câmara] que o espaço seria ‘maioritariamente de âmbito público, mas que [poderia] ter alguma actividade empresarial, comercial ou habitacional’”. Os socialistas contestam o que consideram ser um flic-flac dos comunistas e contra-atacam: “O reduto ideológico comunista contra a iniciativa privada foi sempre um adversário do desenvolvimento do Barreiro. Por maior que seja a incoerência das posições tomadas no poder e agora investidas na oposição, todos deveríamos estar unidos em assegurar o investimento na nossa terra. Esta é a verdade que se esconde nas mentiras do PCP.”
A leitura comunista é, porém, diferente. “A Quinta do Braamcamp, que em 2015 passou a ser património de todos os barreirenses, foi adquirida, por proposta da CDU que mereceu a aprovação unânime do executivo municipal de então, para que se transformasse num espaço de todos e para todos, permanecesse o mais natural possível, e onde, com um mínimo de estruturas de apoio, se pudessem desenvolver actividades culturais, desportivas ou de lazer, de contemplação do património cultural que o envolve e actividades científicas ligadas à natureza e aos rios que lhe são adjacentes.”
O PCP lembra que o PS não tem na Câmara “mandato suficiente para, de uma maneira tão grosseira, ignorar os reais interesses da população do Barreiro” e acrescenta: “Ao contrário do que se pretende com este anunciado desvario do PS, que por agora está na Câmara Municipal, o PCP insiste que é necessário aprofundar o caminho de debate e reflexão com a população, partilhando propostas, sentimentos e anseios, avaliando e propondo possibilidades de intervenção, chamando a população a decidir.” Mais: os comunistas anunciam que vão lutar pela manutenção da Quinta do Braamcamp “na posse do município”, defendendo que “ali se desenvolva um espaço de usufruto público, um espaço de todos e para todos, livre de especulação imobiliária”.
Socialistas garantem participação popular
A auscultação da população é, de resto, um dos argumentos usados igualmente pelos socialistas, que recordam que promoveram no passado dia 18, na maior sala do concelho (AMAC), uma sessão de esclarecimento sobre o projecto à porta aberta e que no decorrer da iniciativa “foram repetidas as intenções para o futuro daquele território”, com a adição de dados de caracterização do projecto, a forma de financiamento e os preceitos jurídicos necessários para defender o interesse público.
“No total, em discurso directo e sem filtros, foram respondidas mais de uma centena de dúvidas e prontamente desmentidas algumas narrativas mais fantasiosas”, atira o PS, criticando de seguida algumas das acções comunistas. “Da parte do PCP, nos dias que antecederam este momento, enquanto decorria o mesmo e no momento exactamente subsequente, foi posto em marcha um imenso plano de intoxicação da opinião pública. O PS Barreiro repudia a tentativa de manipulação – efectuada através de perguntas encomendadas, perfis falsos, blogues anónimos e até por parte de alguns anteriores altos responsáveis da vida autárquica – que tudo fizeram para aumentar o ruído e confundir a população.”
Os socialistas afirmam que se a intenção da CDU não fosse construir, o anterior executivo “não teria dialogado” com investidores. “Se a intenção não fosse construir, os responsáveis de então poderiam não ter apreciado projectos para construir. Se a intenção não fosse construir o presidente da Câmara [Carlos Humberto] e o então vereador Rui Lopo poderiam não ter apreciado o estudo da TECK Projects”, riposta o PS, questionando de seguida: “Se a intenção não fosse construir, por que afirmou o então presidente que iria construir?”
Sobre o processo em cima da mesa, o PS diz pretender “recolocar, com a maior celeridade possível, a Braamcamp ao serviço dos barreirenses, renovando-a e colocando-a ao serviço da estratégia de sustentabilidade para o desenvolvimento e crescimento do estuário do Tejo e das suas zonas ribeirinhas”. Garante ainda que “apenas 5% do território será destinado à implementação de habitação” e que “95% ficará dedicado a áreas de circulação, equipamentos, zonas verdes, lazer, ambiente e espelhos de água”.
Os socialistas realçam ainda o objectivo de “reconverter as antigas zonas senhoriais numa unidade hoteleira, qualificar o espaço público, promover a recuperação do património moageiro, dinamizar a economia local e criar 300 novos postos de emprego, garantindo a utilização da caldeira por clubes e escolas da comunidade local”, assim como a edificação de “um equipamento desportivo de referência”. A infra-estruturação “inerente à iluminação pública, arruamentos, águas, redes e saneamento, e telecomunicações” também está definida no projecto defendido pelo PS.
Associação opõe-se e defende criação de grupo de especialistas
Em desacordo com a intenção socialista está também a Associação Barreiro Património Memória e Futuro, que, também em comunicado, faz notar que todo o espaço da Quinta do Braamcamp, classificado como Sítio de Interesse Municipal, encontra-se “protegido ambiental, paisagística e patrimonialmente”.
A associação defende que “todo o espaço deve ser tratado como paisagem cultural evolutiva, preservando o ecossistema, num equilíbrio entre paisagem e ambiente, bem como deve dar a conhecer a história da acção do homem ao longo dos séculos”. No entender desta entidade, as futuras acções no local devem começar “pela constituição de um grupo de trabalho com especialistas nas áreas paisagística, ambientalista, arqueológica, histórica, de arquitectura e de engenharia com experiência em restauro”, de forma a ser possível “dispor de bases científicas” que permitam “gizar um projecto para todo o espaço classificado, a ser realizado faseadamente”.