Decorrido mais de um ano desde que a SaintGermain venceu o concurso de venda, antiga área senhorial continua a aguardar por uma solução
Na altura em que foi tornado público que o município do Barreiro pretendia alienar o território ocupado pela Quinta do Braamcamp – com 82% deste terreno a destinar-se a usufruto público e o restante à construção de um empreendimento no local com 125 fogos e uma unidade hoteleira com 178 camas –, após o lançamento do concurso público, a empresa Saint-Germain acabaria por ser a vencedora, tendo adquirido o espaço no ano passado, por pouco mais de cinco milhões de euros.
Mais tarde, a autarquia local veria suspenso o projecto, bem como a decisão do júri, devido a uma declaração de ineficácia, por ordem do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada e após a apresentação de uma providência cautelar apresentada pela plataforma cívica Braamcamp é de Todos – que contesta aquilo que considera ser um “mero negócio” –, e várias críticas da Associação Barreiro Património Memória e Futuro (ABPMF).
Recorde-se que a Câmara chegou a apresentar uma resolução fundamentada, em 2020, com o argumento de que “a não-persecução do acto prejudicaria não só o projecto, mas também aquilo que é o interesse público”, sendo que, segundo a plataforma, o documento em causa não possuía “qualquer base legal”.
Com 21 hectares, a antiga quinta senhorial, em tempos propriedade da Sociedade Nacional de Cortiça e actualmente votada ao abandono, apesar da edilidade barreirense realizar sempre que possível, operações de limpeza naquele espaço, situado numa zona ribeirinha privilegiada com vista para a cidade de Lisboa, a Braamcamp continua à espera de melhores dias e que o futuro lhe sorria com uma solução que seja definitiva, seja ou não através do projecto anunciado pela Câmara Municipal.
No entanto, em tempos de pandemia, o processo tem continuado estagnado e à espera de uma decisão da justiça.
Em declarações a O SETUBALENSE, Rui Braga, vereador responsável pelas áreas do Planeamento e das Obras Municipais no município, afirmou que “já lá vai tempo demais, mas [estes processos] por vezes têm o seu próprio timing, no entanto, até ao momento não há nenhum desenvolvimento digno de registo”.
“Continuamos com a mesma convicção daquilo que achamos que é importante para a cidade”, garante, acrescentando que “não temos tido contacto com o investidor já há algum tempo”.
Para o vereador, a empresa “continuará certamente na mesma posição que nós estamos, já que [o processo] está suspenso”. Em relação ao ‘silêncio’ do Tribunal quanto a este assunto, o autarca acredita que o mesmo deverá “vir a pronunciar-se [e] essa é a nossa perspectiva, de que temos o procedimento bem feito, mesmo que continuem “à procura do erro administrativo, portanto, estou convencido que o Tribunal nos dará razão ou validará o processo”.
Para Rui Braga, “se houver alguma coisa que o Tribunal nos tenha a apontar, também facilmente será corrigível, porque aquilo que acho que não vai acontecer – é a minha convicção –, é de haja um tropeço qualquer que possa chegar à conclusão de que não poderíamos ter lançado o concurso” e que “foi legitimado pelos dois órgãos, Câmara e Assembleia Municipal”.
Quinta senhorial à beira-Tejo
Com um passado ligado à história de vários tipos de actividades, desde a moagem de maré e vento, passando pela agricultura e piscicultura, até à transformação da cortiça, a Quinta do Braamcamp está situada entre a Ponta do Mexilhoeiro e o Clube Naval do Barreiro, com vista para Lisboa e para os concelhos do Seixal e Almada.
Coube a Geraldo Venceslau Braamcamp o papel de promover a Quinta, assim como a plantação de amoreiras e a criação de bicho-da-sede no local, para abastecimento das fábricas têxteis de então.
O seu filho Abraham Wheelhouse arrenda o espaço em 1883 e Robert Hunter Reynolds acaba por o comprar um ano depois. Em 1895, a fábrica The Cork Company Lda implanta-se naquela área e decorridos dois anos o espaço passa a ser detido pela Sociedade Nacional de Cortiça.
Na altura, a zona era conhecida como a Quinta dos Ingleses. Já em 1986, um incêndio na fábrica acabaria por causar o desaparecimento dos vestígios do Moinho de Vento do Barão do Sobral.
Considerada insolvente, a fábrica seria posteriormente vendida em leilão, assim como o material e maquinaria ali existentes.
O terreno, esse, passou a ficar na posse do BCP (hoje Millennium BCP), até ser vendido à Câmara Municipal do Barreiro, que procedeu à aquisição da Quinta após reunião privada realizada a 4 de Novembro de 2015.
Dois anos depois, a autarquia aprova a decisão final do procedimento de classificação como SIM do Sítio de Alburrica e do Mexilhoeiro e do seu património moageiro, ambiental e paisagístico.
Cronologia Da compra pelo município do Barreiro até ao actual projecto imobiliário
2016
– Dezembro – Câmara assina escritura de aquisição da Quinta do Braamcamp, no anterior executivo presidido por Carlos Humberto de Carvalho (CDU);
2018
– Março – Presidente Frederico Rosa (PS) considera quinta “uma pérola” para desenvolvimento de projecto no local;
2019
– Fevereiro – Comunistas acusam gestão socialista de colocar espaço ao “serviço de interesses privados”, numa altura marcada por uma ‘guerra’ de comunicados entre PCP e PS;
– Março – Movimento de cidadãos defende que a Braamcamp deve ser apenas de usufruto público, mostrando-se contra venda do espaço;
– Setembro – Com peças concursais já recebidas, município barreirense prepara palco para apresentação de futuro para a quinta;
– Novembro – Assembleia Municipal viabiliza projecto para requalificar Braamcamp. CDU defende que “interesses económicos não se podem sobrepor a gestão política de bom senso”;
2020
– Janeiro Braamcamp já está em hasta pública e investidores têm dois meses para submeter propostas, sendo o valor base de alienação de 5 milhões de euros. Quinta está entre a construção imobiliária, com parte da área destinada a habitação e hotelaria e outra a espaço público;
– Março – Abertura das propostas de venda da Quinta é adiada para 17 de Abril;
– Abril – Providência cautelar suspende venda da Braamcamp, depois do município ter recebido duas propostas de compra das empresas Calatrava Grace e Saint-Germain. Propostas foram abertas, mas processo ainda pode ser anulado. Câmara apresenta Resolução Fundamentada contra providência cautelar;
– Junho – Saint-Germain vence concurso, após decisão do júri, com empresa a apontar 2025 como o ano em que a nova Quinta do Braamcamp estará concluída. No mesmo mês, Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada suspende venda e os efeitos da abertura das propostas, tendo a Plataforma Cidadã Braamcamp é de Todos apresentado um pedido de declaração de ineficácia dos actos da CMB. Suspensão não demove Câmara e empresa de firmarem negócio. Oposição tem dúvidas;
– Dezembro – Projecto continua nos planos da empresa Saint-Germain, embora justiça tarde em decidir;
2021
– Maio – Projecto parece estar “enguiçado” e a Agência Portuguesa do Ambiente dá parecer desfavorável ao projecto, não sendo vinculativo. Câmara envia informação adicional à CCDR sobre projecto previsto.