Acusações do Ministério Público relatam espancamento a dois rapazes de 15 anos que estavam institucionalizados
A antiga directora técnica e o ex-psicólogo da casa de acolhimento de jovens em risco Rumo, no Barreiro, vão responder em tribunal por crimes de maus-tratos infligidos a dois rapazes de 15 anos, institucionalizados nesta casa.
As vítimas foram sujeitas a espancamentos, sovas e insultos ao longo de um ano, entre 2016 e 2017. Num momento em que um dos jovens dirigiu-se à esquadra da PSP para apresentar queixa, foi surpreendido pelos arguidos na esquadra.
Acabou por não apresentar queixa. Viria a ser levado para o mato pelos dois arguidos e, alegadamente, agredido a soco. O Ministério Público descreve vários episódios em que Carla Santos, directora técnica, e Vladimir Pérez, psicólogo, infligiram maus-tratos aos dois rapazes menores, então com 15 anos.
Num dos episódios, em Novembro de 2017, os dois jovens visados portaram-se mal na escola que frequentavam. Quando os arguidos foram informados levaram os rapazes para um quarto para os agredir.
Vladimir, de acordo com a acusação, “desferiu socos com uma luva de boxe nos dois e pontapeou um enquanto estava agachado junto à porta. Ao outro deu um murro no peito. Depois entregou as luvas de boxe aos dois e disse-lhes para lutarem”. Carla Santos, presente naquele momento, incitou à luta entre os dois jovens.
Vladimir é descrito na acusação como o mais activo nas agressões. Um dos jovens foi agredido a murro por ter faltado às aulas e outro foi insultado por não ter tido uma aula de luta olímpica na escola. “Queres luta? Eu dou-te a luta em casa”, terá dito o psicólogo.
Carla Santos é identificada num episódio em que terá esbofeteado um dos jovens quando este disse um palavrão depois de se ter magoado a jogar futebol. Ao Ministério Público (MP), a visada defendeu que estava de férias nesse dia.
Despedidos com justa causa
A denúncia chegou ao MP em Janeiro de 2018 pela direcção da Rumo. Foi uma funcionária da casa que decidiu denunciar o que se passava na casa do Lavradio junto da direcção da cooperativa.
Os dois suspeitos foram suspensos no início de Janeiro de 2018 quando a instituição abriu um inquérito interno, findo em Maio desse ano com o despedimento por justa causa. As conclusões foram remetidas ao MP.
Os arguidos pediram a abertura de instrução perante a acusação, mas o Juiz de Instrução Criminal do Barreiro decidiu pronunciá-los pelos crimes. No requerimento de abertura de instrução de Carla Santos, a sua advogada alertou que “para a descoberta da verdade impõe-se ter em conta a personalidade dos jovens”.
Estes são descritos como tendo “uma natureza pessoal e perfil problemático”, com processos disciplinares e criminais e por isso devia ser “ordenada uma perícia à sua personalidade”.
O juiz considerou que a personalidade dos jovens, conhecida pelo tribunal, e descrita por testemunhas dos arguidos, não foi suficiente para “abalar os fundamentos da acusação quanto à imputação que é feita aos arguidos” e por isso decidiu levar Carla Santos e Vladimir Pérez a tribunal por maus-tratos a menores.
O MP considera que os arguidos agiram com sentimento de impunidade resultante da quase ausência de testemunhas e fazendo-se valer da ascendência e superior força física que tinham sobre as vítimas. Para o MP, os dois molestaram física e psicologicamente as vítimas, com o propósito de atingir a dignidade humana e saúde física e mental.
O MP arquivou um episódio que podia ser considerado crime de injúrias por falta de queixa das vítimas. Em causa estava o momento em que Vladimir Pérez se terá dirigido a duas jovens institucionalizadas e dito: “Isto não é um bordel de vacas onde as vacas fazem o que querem”.