“Desastrosa”, é assim que a candidata do BE à presidência da Câmara de Almada considera a gestão socialista de Inês de Medeiros
Socióloga, doutoranda em Estudos de Género e investigadora no Observatório do Racismo e Xenofobia da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Sandra Cunha assume-se como feminista convicta.
Sócia fundadora da FEM – Feministas em Movimento e membro do conselho consultivo da Associação Meninos do Mundo, integra a Comissão Coordenadora Distrital de Setúbal, da Comissão de Direitos e do Departamento Internacional do Bloco de Esquerda. Foi deputada à Assembleia da República entre 2015 e 2021, e aceitou agora o desafio de ser candidata à presidência da Câmara Municipal de Almada e compromete-se a “colocar as pessoas no centro das decisões políticas, combater desigualdades, defender o direito à habitação, à mobilidade, à saúde, à educação e a serviços públicos de qualidade”.
Defende que o Metro Sul do Tejo deve estender-se a todos os concelhos da Margem Sul como principal eixo de ligação no distrito. Sobre uma eventual nova travessia do Tejo entre Almada e Lisboa, considera que esta tem de priorizar o transporte público ferroviário e rodoviário e afirma: “Seria um erro estratégico e ambiental repetir o modelo que só agrava os problemas de trânsito e emissões poluentes”.
Além da habitação, mobilidade e saúde, coloca as questões ambientais à cabeça das propostas do BE para o concelho de Almada.
Depois de Joana Mortágua ter encabeçado a lista do Bloco de Esquerda à presidência da Câmara de Almada em 2013; foi eleita para a vereação em 2017 e 2021. Como encara ser a escolhida pelo partido em 2025?
Com um grande sentido de responsabilidade e empenho. Ao longo dos últimos anos, através do trabalho da Joana Mortágua, do José António Rocha e de toda a equipa, o Bloco de Esquerda tem sido uma voz firme em Almada, dando visibilidade a quem é invisibilizado, defendendo direitos fundamentais como a habitação, a saúde, o trabalho digno ou a mobilidade e apresentando propostas concretas e soluções reais para os desafios do concelho e da sua população. É com esta mesma determinação e espírito de compromisso que assumo a continuidade deste trabalho.
Se for eleita, como pretende fazer a diferença no executivo municipal?
A diferença do Bloco de Esquerda não está em quem encabeça a candidatura, mas sim no seu projecto político, nas suas propostas, na teimosia de estar ao lado das causas mesmo quando elas não dão votos. Temos provas dadas em Almada. A diferença que trazemos e que esta nova equipa assume com convicção, nasce dos princípios comprometidos com a justiça social, a transparência e a proximidade às populações. As nossas prioridades são as de colocar as pessoas no centro das decisões políticas, combater desigualdades, defender o direito à habitação, à mobilidade, à saúde, à educação e a serviços públicos de qualidade.
Quais as prioridades do Bloco de Esquerda para Almada no próximo mandato autárquico?
O legado do Bloco no concelho de Almada define-se pela capacidade de agregar diferentes reivindicações, experiências e propostas num projecto autárquico coerente. Nas últimas eleições autárquicas, o Bloco marcou o centro da campanha e das prioridades com um lema determinante e claro, “Uma Casa, uma Causa”. O problema da habitação agravou-se severamente nos últimos anos. O Bloco continuará a colocar a habitação como a questão central na transformação do concelho.
A candidatura do Bloco e o seu respetivo programa ainda estão em construção, numa perspetiva de abertura à participação plural e abrangente. Ainda assim, o trabalho do Bloco ao nível autárquico envolve, para além do direito à habitação, o combate às alterações climáticas, o desenvolvimento da mobilidade e dos transportes colectivos, o fortalecimento dos serviços públicos e valorização dos trabalhadores do município, assim como uma política de protecção do património cultural, artístico e associativo local. É desse projecto interseccional e profundo que concebemos um futuro para o concelho de Almada.
A habitação tem sido um problema crescente em Almada. Que medidas concretas propõe para travar a especulação imobiliária e garantir habitação acessível?
A habitação é hoje a maior crise nacional, e Almada está entre os concelhos onde os preços mais dispararam. É o sétimo concelho com rendas mais caras e um dos que apresenta maior carência habitacional. A construção de habitação pública é essencial, mas não suficiente. É urgente combater a especulação, controlar o turismo desenfreado, reforçar a habitação a custos controlados, aplicar um modelo fiscal justo e repensar o urbanismo.
Na perspectiva do Bloco, como aplicar essas medidas?
O Bloco propõe reservar 25% dos fogos de novos projetos turístico-imobiliários para arrendamento acessível — proposta sempre recusada por PS e PSD. Estes partidos têm promovido uma gestão urbanística desarticulada, feita de excepções e planos avulsos, ao serviço dos grandes interesses imobiliários. Almada corre o risco de se transformar num tabuleiro de Tetris sem uma visão estratégica para o território. A pergunta hoje é: queremos investimentos em empreendimentos de luxo ou em casas que as pessoas possam pagar com os seus salários?
Todos os anos, o Bloco tem proposto a redução do IMI para prédios urbanos e o agravamento para edifícios devolutos e empreendimentos turísticos — sempre rejeitado pela governação PS/PSD, [entendimento partidário pós-eleitoral que recentemente foi quebrado em Almada].
É também urgente regular o Alojamento Local, criando zonas de contenção para garantir que as casas servem para habitar, não apenas para o lucro turístico.
Defendemos o reforço da habitação pública, a reabilitação dos fogos municipais devolutos e a aplicação do direito de preferência em zonas de pressão, promovendo bairros integrados e sem guetização.
A autarquia deve ter um papel activo no combate à crise habitacional, garantindo casas acessíveis para quem aqui vive, trabalha e estuda. Almada não pode ser só para ricos.
Como pretende o BE reforçar os serviços públicos no concelho, especialmente nos sectores da saúde e educação?
O Bloco está a preparar o ‘Plano Cuidar Trafaria’, com vista à disponibilização de cuidados de saúde primários no antigo Centro de Saúde da Trafaria, através um protocolo entre a ULS Almada-Seixal, a Câmara e a União de Freguesias de Caparica e Trafaria, garantindo uma equipa de saúde familiar dois dias por semana, com médico e enfermeiro de família, e um dia extra com enfermagem.
Na educação, o Bloco quer requalificar o parque escolar e garantir o acesso universal às creches e jardins-de-infância públicos, criando mais vagas e combatendo as listas de espera. Temos sido muito vocais na necessidade de passar os refeitórios escolares para a gestão pública, pondo fim à sua concessão a empresas privadas, e à precariedade dos trabalhadores na prestação de serviços educativos.
Ao nível dos transportes públicos, quais as propostas do BE para melhorar este serviço nas ligações dentro e fora do concelho?
No concelho de Almada continuamos com localidades isoladas do resto do concelho ou com trajectos que roubam horas aos almadenses todos os dias. Queremos tornar o transporte público uma alternativa real ao transporte individual, concretizando o direito à mobilidade, combatendo as alterações climáticas e devolvendo o espaço público às pessoas.
Defendemos a expansão da linha do Metro Sul do Tejo até à Costa da Caparica, à Trafaria e aos outros concelhos da Margem Sul, como principal eixo de ligação no distrito.
O caos da implementação da Carris Metropolitana e a falta de ligações estratégicas comprovam que as concessões a empresas privadas falharam às populações, privilegiando o lucro sobre as necessidades de mobilidade. Quem trabalha ou estuda em Lisboa enfrenta todos os dias uma verdadeira provação para atravessar o rio. Reivindicar melhores e mais ligações fluviais e ferroviárias para Lisboa é uma responsabilidade da Câmara Municipal. Devemos ainda aumentar a oferta de autocarros ligeiros (Minibus/Flexibus) para as diversas freguesias.
Propomos a criação de corredores dedicados à mobilidade suave, integrados numa visão intermodal. Temos defendido também a gratuidade progressiva do passe de transportes, entre jovens, reformados, desempregados e famílias carenciadas.
Que soluções aponta para zonas críticas do concelho que têm de ser reorganizadas em termos urbanos e de ambiente, como o Cais do Ginjal e a Fonte da Telha?
O Bloco sempre defendeu a preservação do património cultural e arquitetónico do Ginjal, alertando durante anos para o risco de derrocada. Face às demolições, é urgente uma estratégia de recuperação da sua identidade, com espaços para equipamentos culturais e espaços públicos que respeitem o ambiente e garantam o acesso da população.
Na Fonte da Telha, a prioridade deve ser a protecção ambiental e a requalificação da frente de praia, com equipamentos sustentáveis. Todos conhecem o caos do trânsito para as praias – é determinante conceber um plano eficaz de transportes públicos que reduza o trânsito automóvel.
No Ginjal, na Fonte da Telha ou noutras zonas do concelho, o Bloco condena qualquer modelo de privatização e elitização do espaço público. Almada é da população, não das promotoras imobiliárias de luxo. É necessário valorizar o território, as comunidades e o património, em vez de apostar em mais betão e condomínios fechados.
A ser construída uma segunda ligação no Tejo entre Almada e Lisboa, na sua opinião como deverá ser essa infra-estrutura?
O Bloco defende a melhoria das ligações entre a Margem Sul e Lisboa, garantindo o direito à mobilidade, mas o projeto do túnel Algés-Trafaria defendido pelo actual executivo municipal não é solução. A construção de mais infraestruturas rodoviárias só incentivará o uso do carro e agravará os congestionamentos, como demonstram exemplos como o alargamento do IC20.
Neste momento decisivo do combate às alterações climáticas, a resposta deve ser ambiental e centrada no transporte público. O Bloco defende que uma eventual nova travessia do Tejo priorize o transporte público ferroviário e rodoviário. Seria um erro estratégico e ambiental repetir o modelo que só agrava os problemas de trânsito e emissões poluentes. Almada merece ser parte de um desenvolvimento da mobilidade moderna e sustentável.
Que análise faz da gestão da Câmara de Almada liderada pela socialista Inês de Medeiros?
Desastrosa. Almada está a crescer: a pressão urbanística impulsionada pela crise da habitação e pelo turismo tem trazido desafios enormes ao município, em várias áreas. Tem sido uma gestão marcada pela continuidade das políticas centradas na privatização do concelho e no favorecimento de interesses imobiliários. A governação autárquica, [que durante bastante tempo foi PS/PSD] liderada por Inês de Medeiros falhou na resposta à crise da habitação, nos serviços públicos e na promessa de um concelho com menos desigualdade e até na garantia da higiene urbana. Esses desafios tendem a crescer nos próximos tempos. O Bloco tem sido uma voz crítica, mas também construtiva, e continuará a apresentar propostas alternativas para devolver Almada.
Caso o BE não vença as autárquicas em Almada, se lhe for proposta uma aliança governativa na câmara está disposta a aceitar?
O Bloco de Esquerda assume o compromisso de dar voz aos e às almadenses, por um projeto autárquico ao serviço da população, não cedendo aos interesses privados e a promessas inertes.
Estamos disponíveis para dialogar sobre princípios e avanços concretos na habitação, na mobilidade, nos serviços públicos e sobre os problemas reais das pessoas. O Bloco não é cúmplice de políticas que continuem a hipotecar o futuro de Almada. Seremos a candidatura que soma forças para uma Almada onde a comunidade está acima do negócio especulativo.