Educador de Infância, integrado num meio ainda muito ligado ao universo profissional feminino, João Silva contesta espartilhos sociais
“Que skills devemos ter à saída de um mestrado ou de uma licenciatura que visa mediar e ensinar crianças? Que postura devemos adoptar perante as nossas práticas?”. São questões que se colocaram, e ainda se mantém, a João Pedro Alves Silva, educador de infância; num contexto profissional ainda muito conotado no domínio de mulheres.
A exercer profissão no ambiente da escola Superior de Educação do Instituto Piaget de Almada, diz que esta instituição lhe está no ‘sangue’. Uma escola que conhece desde tenra idade, que frequentou numa IPSS, e que por coincidência é a mesma em que desempenha funções de educador de infância.
Aos 25 anos, não tem dúvidas de que os homens também são fundamentais no ensino das primeiras idades.
O que o motivou a seguir o ensino Superior de Educação do Instituto Piaget de Almada?
É uma escola que conheço desde tenra idade. Em pequeno frequentei uma IPSS que, por coincidência, é a mesma em que desempenho as minhas funções de educador de infância e que realiza algumas das suas festas na aula magna do Campus de Almada do Instituto Piaget.
Orgulho-me imenso por ter escolhido o Instituto Piaget de Almada para realizar a minha formação académica, pois tive a oportunidade, em conjunto com os meus colegas, de dar início a um conjunto de novas directrizes, novos olhares sobre o que deve ser a formação de professores e educadores de infância.
A que oportunidades se refere?
Que skills devemos ter à saída de um mestrado ou de uma licenciatura que visa mediar e ensinar crianças? Que postura devemos adoptar perante as nossas práticas? Estas foram algumas das relevantes questões que, ao longo dos cinco anos em que frequentei a instituição, me foram colocadas. Além do mais, pude desfrutar de aprendizagens activas, em que, em conjunto com os professores, construímos projectos magníficos que marcaram a instituição e a todos nós. Uma visão holística sobre a educação, em que a transdisciplinaridade tenta ultrapassar as barreiras e muros que costumam ser apanágio no ensino em Portugal.
Foi todo esse ‘encaixe’ que o motivou a licenciar-se na área de Educação Básica e, posteriormente, fazer mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico?
Cresci na escola e literalmente quase que lá vivia. Na minha família sempre houve muitas pessoas a trabalhar em escolas, nas mais variadas funções. Portanto, para mim é um ambiente em que me sinto bem e seguro.
Estimulado pelos professores, auxiliares e outros intervenientes do meio educativo, posso dizer que talvez a minha curiosidade, gosto pela partilha de experiências e, incessante vontade de conhecer e descobrir, proporcionaram a oportunidade de seguir o caminho da educação.
Directa ou indirectamente, a escola tinha algum tipo de influência em mim. Desde que me lembro, que me fascina o facto de poder ajudar alguém a aprender. Poder mostrar aos outros aquilo que ainda não viram ou não fizeram. Há sempre algo a acrescentar a cada pessoa, algo de diferente, alguma magia que [transpira] para a minha vida e para a de quem ensino; tal como devem fazer os professores e educadores de infância, na sua busca incansável por conhecimento e novas aprendizagens.
Caso não tivesse seguido esta via de licenciatura e mestrado que outra seria?
Ponderei, seriamente, a licenciatura em Animação Socio Cultural. Revejo-me em muitas das coisas que fomentam nesta área, que tem tudo a ver com educação. A área social tem que ter a ver com educação. Aliás, nas minhas práticas, os valores que tento transmitir, são sempre voltados para as necessidades inerentes que a sociedade vai requerer obrigatoriamente às crianças. Elas são os futuros adultos. Tomarão decisões importantes, que com certeza irão ter influência em vários paramentos da sociedade e na vida de alguém. A nova educação, tem muito a ver com a consciencialização participativa. Ensinar a pensar, a reflectir, a ter opinião própria. Sobretudo a ter voz activa, que possa influenciar positivamente, com ideias que visem principalmente o bem comum.
O que o fez escolher a Escola Superior de Educação Jean Piaget de Almada?
Em primeiro lugar o facto de já conhecer as instalações. É muito importante para mim estar onde me sinto bem. Sou assim em tudo na minha vida. Tal como as crianças, para aprendermos qualquer coisa, em primeiro lugar, é importante sentir segurança e bem-estar no sítio onde estamos, no espaço que frequentamos e que experienciamos a aprendizagem.
Também ajudou a simpatia e empatia do pessoal docente e não docente que lá trabalha. Acima de tudo, a qualidade dos professores e a experiência que sabia que iria adquirir. Quase todos os professores e educadores que conhecia, até ingressar na licenciatura, eram formados no Instituto Piaget, muitos deles meus professores e educadores, portanto, era a escolha mais lógica para mim.
Actualmente, é Educador na Nuclisol Jean Piaget do Bairro do Condado na sala dos 3 anos. Que motivação lhe dá esta função?
Neste momento desempenho funções como educador de infância numa sala com crianças de 3 anos de idade. Das duas vertentes a que estou habilitado, ser educador de infância e trabalhar com crianças com idades entre os 3 e os 5 anos, tem sido o meio mais familiar a nível profissional. Não que os estudantes mais velhos não me inspirem também, pelo contrário. O facto de darmos a conhecer pela primeira vez, ajudarmos a delinear a personalidade, a formar as primeiras opiniões sobre coisas simples, mas que são a base para aprendizagens mais profundas, encanta-me e motiva-me todos os dias.
Não há maior motivação para um mediador de aprendizagens do que pensar que as crianças que ajudamos hoje e que desempenham um papel imprescindível na sociedade actual, irão desempenhar e decidir amanhã, enquanto adultos.
O contexto profissional, Educador de Infância, é muito conotado com o universo feminino. Como vê este facto?
Tenho-me debruçado sobre esse tema ao longo do meu percurso. Não só por ser homem, mas por ser sobretudo alguém que pretende entender a razão pela qual as coisas acontecem e são, ou não, de uma determinada maneira. Neste caso, perceber o porquê de existir uma esmagadora maioria de mulheres a desempenhar funções como docentes nas primeiras idades.
Nunca pretendi provar que os homens devem, ou são urgentemente necessários no ambiente educativo, mas é facto que são! A presença masculina nas crianças é muito menos activa do que a feminina? As crianças precisam de ter contacto com o masculino, de construir as suas aprendizagens também através da presença masculina e é nosso dever dar-lhes também essa oportunidade. O nosso papel enquanto profissionais docentes deve ser sempre o de apoiar, mediar, educar, desenvolver, cuidar e estimular as crianças para as aprendizagens, sejamos nós mulheres ou homens.
Tem vindo a aprofundar esse tema.
A decalagem que existe no número de pessoas do género masculino e feminino a nível da docência nas primeiras idades, deve-se ao facto do envolvimento social, que em pleno seculo XXI, ainda exige do homem um comportamento profissional mais “empenhado” ao nível do que achamos que é obrigação do homem ou da mulher. Ainda é imposto ao homem um certo distanciamento ao nível familiar e um apropriamento da responsabilidade de ser aquele a quem recaem as maiores responsabilidades, e que nada têm a ver com a família e neste caso as crianças.
Considera que ainda é essa a visão da sociedade?
Esta postura tem vindo a alterar-se, tanto na sociedade em geral, que tem alterado as suas opiniões, como na sociedade política que tem tomado algumas medidas que permitem modificar este paradigma: A implementação de medidas de organização e definição do trabalho dos professores e educadores de infância, a implementação de um determinado nível de ensino para exercer funções docentes, o alargamento das licenças parentais, a valorização eminente da diferenciação de género… Penso que todos estes temas têm contribuído para voltar a motivar o género masculino a envergar pela docência, e pelo desempenho e envolvimento na vida familiar.
Como comenta o que escreveu sobre “o exercício da profissionalidade docente e o género masculino, focado nas práticas educativas com as primeiras idades”.
Foi exactamente o tema da investigação que escolhi para a obtenção do grau de Mestre e que visava, sobretudo, perceber em que medida o género do educador de infância/professor, influencia a sua prática profissional, debruçando-me sobre algumas questões: Será que pelo facto de ser homem, não posso desempenhar a profissão de educador/professor, com a mesma, ou melhor competência que as mulheres? Será que a relação entre um educador do género masculino e as crianças pode ser tão boa, ou melhor do que com as docentes do género feminino.
A que conclusão chegou?
Concluída a investigação e sendo que antes de a realizar, já tinha vivenciado experiências em contextos reais, que me permitiam ter formada uma opinião pessoal sobre o tema, foi possível constatar, que o género do educador, não influencia negativamente as suas práticas, as suas atitudes e a qualidade da sua profissionalidade.
Apesar de existirem autores que afirmam que, há mais de quarenta anos atrás, quando se formou o primeiro educador de infância, a sociedade pensava que a profissão se destinava a jovens do género feminino, que estariam à espera de criar a sua própria família ou que não sabiam fazer mais nada, neste estudo, concluímos que o género do docente, não tem qualquer influência na qualidade de desempenho das funções, sendo que estas englobam também a relação com as crianças.
Deste modo, e em concordância com a minha opinião pré-investigação, confirmou-se que os homens docentes, podem desempenhar as suas funções com a mesma ou melhor competências que as mulheres, e que podem, de igual modo, criar o mesmo tipo de relação com as crianças que uma profissional docente do género feminino. Aliás, como disse anteriormente, os processos de educação e de socialização das crianças, a formação da sua identidade e dos seus comportamentos, ganham num ambiente que seja mais próximo dos ambientes familiares, onde as diferenças de género estão presentes.
Sente que a sua vocação é continuar profissionalmente neste domínio do ensino/educação?
Nunca nego que tenho ambição de ter outras experiências. Mas todas elas recaem sobre o ambiente educativo. A organização do ambiente educativo, a gestão dos recursos materiais e humanos, a coordenação pedagógica, a presidência de uma instituição. Todas estas são hipóteses muito válidas para mim e que ambiciono para o meu futuro. Contudo, sou feliz neste contexto directo do ensino com crianças, que aliás, confesso ser o que me dá mais gozo e que acredito que dará a todos os docentes.
Como compatibiliza a sua actividade profissional com a sua vida pessoal?
Nem sempre é fácil. A realidade da actividade profissional docente nas IPSS e nas escolas privadas, está repleta de burocracias. Mais ainda, a falta de pessoal competente que existe, causada pela diferenciação ao nível de salários que se praticam nos contextos públicos e privados, desmotivam os profissionais que aqui trabalham. As horas extraordinárias não remuneradas, a diminuição de apoios do Estado, o decréscimo do número de crianças, tudo isto dificulta e faz com que tenhamos de trabalhar muito mais para fazer a diferença, ocupando mais horas da nossa vida e do nosso quotidiano, em detrimento claro da nossa vida pessoal.
Pratica algum tipo de desporto, ou tem alguns hobbies?
Não é fácil ter tempo livre. A carga horária profissional é muito grande. Quase todos os dias, depois de sair da escola, preciso de preparar e planear as próximas actividades, rever algum processo, responder a emails dos encarregados de educação ou da direcção da escola. Contudo, consigo ter a noção de quando parar, respirar um pouco e pensar nas prioridades. É importante perceber e organizar o tempo que temos. Só assim os docentes em Portugal conseguem sobreviver às burocracias impostas pelo estado, segurança social e instituições que supervisionam o que fazemos na escola.
Em relação a isso, gostaria de apelar ao Ministério da Educação, à Segurança Social e/ou a algum outro órgão que tenha poder de decisão nestas matérias, para observarem que nem sempre as bonitas planificações, decoradas e enfeitadas com mil e uma intencionalidades, são realmente aquilo que as crianças precisam. O grupo e os estudantes ganham muito mais com experiências e dinâmicas diárias, que surgem das suas vivências pessoais e sociais. O trabalho por projecto, as aprendizagens activas, o foco nas aprendizagens integrais, são aquilo que realmente importa, mas que precisam de tempo para ser postas em prática. Tempo esse que passamos a preencher papelada, por vezes desnecessária e sem finalidade prática.
Voltado ao cerne da questão, tenho um certo fascínio por automóveis, pela bricolage e também pela decoração. Pensar como as coisas são feitas, construídas e montadas. Planear onde colocar os objectos e utensílios, de forma a parecerem bem e servirem da melhor maneira.
João Pedro Alves Silva à queima-roupa
Idade 25 anos
Naturalidade Almada
Residência Lisboa
Área Educação de Infância
“Sou feliz neste contexto directo do ensino com crianças”