A vereadora do BE diz que a demora de anos que já leva a revisão do Plano Director Municipal (PDM) “é um problema gravíssimo”. Critica a estagnação do projecto da Cidade da Água, continua a defender a criação de uma taxa turística e ergue a bandeira da habitação
Joana Mortágua, vereadora do Bloco de Esquerda (BE), sem pelouros, lembra a “aliança” do PS ao PSD na Câmara Municipal de Almada e deixa críticas à gestão liderada por Inês de Medeiros, que avalia negativamente mas sem atribuição de nota. Em entrevista a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, a também deputada à Assembleia da República contesta a demora em torno da revisão do PDM – “Conheço poucos casos como o de Almada”, frisa – e debruça-se sobre alguns dos projectos considerados estruturantes para o concelho, como a Cidade da Água, a Cidade do Conhecimento e o Ginjal. E quase que fecha a porta a uma recandidatura nas próximas autárquicas.
Como é consolidar as funções de vereadora e deputada parlamentar? É possível concentrar-se a cem por cento em cada uma?
Não é fácil, mas ser vereadora em Almada é uma tarefa que me dá muito gozo. Mas tenho consciência, sobretudo conforme vão aumentando as minhas responsabilidades no grupo parlamentar, de que se torna cada vez mais difícil consolidar as duas tarefas. Só o consigo fazer porque tenho uma equipa incrível em Almada e este é um trabalho colectivo. Muitas vezes os meus camaradas têm a possibilidade de me substituir em algumas reuniões, como depois em todo o trabalho de terreno, mais diário, que não consigo fazer objectivamente porque estou na Assembleia da República. Mas também acho que não é suposto fazê-lo. Porque um vereador da oposição não está a tempo inteiro e nem sequer a meio-tempo na Câmara de Almada, não recebe sequer para isso, por isso não é suposto. É suposto participar nas reuniões e ter a sua actividade principal fora do trabalho autárquico. A concelhia de Almada dá-me esse suporte que preciso, que é de contacto diário com o terreno, com os nossos deputados municipais, e nós temos essa sorte de ter gente muito disponível na Assembleia Municipal e no apoio à Câmara, que permite que este trabalho seja útil. E acho que tem sido útil para os almadenses.
As vezes que já se fez substituir em reuniões de câmara estão relacionadas com a necessidade de estar no Parlamento?
Sim. Não tenho essas contas feitas ao detalhe, mas não tenho ideia de que as minhas substituições sejam muito superiores às de qualquer outro vereador, incluindo às da própria presidente da Câmara, que se faz substituir muitas vezes.
O BE votou contra o último Orçamento Municipal. Quer isto dizer que se assume mais como uma força de bloqueio do que como possível parceiro para encontrar consensos?
Nós sempre estivemos disponíveis para o diálogo na Câmara de Almada. Já estávamos durante a gestão da CDU e estamos na gestão do PS. É inegável que o PS, em Almada, se sente muito mais confortável a governar com o PSD do que a fazer cedências à esquerda. E o BE tem algumas questões de que não abdica.
A atribuição de pelouros a Nuno Matias (PSD) é reflexo desse entendimento. Mas isso é legítimo.
O acordo que o PS fez com o PSD, cujos termos não são publicamente conhecidos, mas que passam pela atribuição de um pelouro, é legítimo. Mas reflecte as escolhas políticas da Câmara Municipal de Almada. O BE pôs sempre em cima da mesa, acima de tudo, a questão da habitação. Para nós, havia um conjunto de matérias sobre a habitação que tinham de ser resolvidas logo de caras para nós conseguirmos encontrar um entendimento com a Câmara Municipal. E não foi possível. Há três ou quatro matérias essenciais para nós, a descida do IMI, a questão da reabilitação do parque municipal, o arrendamento jovem e depois os transportes gratuitos para estudantes, para idosos, para determinados sectores da população. Sempre as colocámos em cima da mesa e não conseguimos acordo sobre elas.
Que nota dá, de zero a dez, à gestão liderada por Inês de Medeiros?
Não tenho queda para comentadora. Os comentadores é que acham que dão notas aos políticos. Como é óbvio não avalio de forma positiva.
Mas como avalia esta mais de metade do mandato?
Não consigo avaliar esta metade do mandato. Avalio a gestão do PS, na Câmara de Almada, como um todo. Desde a expectativa inicial e, digamos assim, desde um certo estado de graça, até ao estado actual. O que acho é que já se passaram demasiados anos para que algumas coisas continuem exactamente na mesma. Passei no Ginjal à noite e não caí num buraco de um metro quadrado porque não calhou. O Ginjal está cada vez mais degradado. E estou a referir-me ao Ginjal porque ele é emblemático nas promessas de reabilitação do PS.
Almada tem alguns projetos estruturantes delineados…
… E qual é o problema? Falamos muito do PDM. E o PDM já se transformou numa fantasia em Almada. Está a ser revisto desde que sou autarca em Almada, desde 2013. Já estava a ser revisto não sei há quantos anos quando entrei para o trabalho autárquico em Almada.
Isso é um problema transversal a uma boa parte dos municípios portugueses?
É. Mas conheço poucos casos como o de Almada. É um problema gravíssimo. Ninguém entende e nem se percebe como é que um município está há tantos anos a rever o PDM. E isto resulta de faltas de democracia e transparência brutais. Porque, o que se faz é: vão retirando-se pequenos bocados do PDM, aprovando projectos estruturantes para determinadas áreas do município, o caso do Lisbon Innovation District, a cidade do conhecimento, mas a verdade é que também é a cidade do investimento imobiliário. Porque aquilo é uma parceria entre a FCT, a Câmara de Almada e operadores de investimento imobiliário…
… Mas não acha que cria dinâmica?
Acho. E é preciso criar essa dinâmica. Mas quero discutir prioridades para o território. Quero saber onde é que nós vamos criar a habitação para a classe média. Onde é que vai haver habitação a custos controlados, quais vão ser os empreendimentos que vão ser obrigados a construir a custos controlados. De que maneira é que vamos impedir que todas as zonas privilegiadas de Almada revertam exclusivamente a favor do turismo e da habitação luxo.
Um dos projetos estruturantes é a Cidade da Água. Em que pé está?
Acho que está descalço, porque não está a andar para lado nenhum. Neste momento, receio que o projecto que aprovámos há dez anos, ou mais, já não esteja actual, por não responder aos desafios actuais. Se formos revisitar esse projecto à luz das exigências ambientais, dos transportes colectivos e da crise de habitação que nós estamos a viver agora e da Estratégia Local de Habitação, aposto que está absolutamente desactualizado.
Vamos ao Cais do Ginjal. Aqui também existe um diferendo que é difícil de ultrapassar com a APA.
Tem sido. Depois há zonas em que a Docapesca tem também concessão, ou seja há várias jurisdições. Recordo-me de ter feito um requerimento ao Governo, para que dissesse num mapa que partes de Almada eram da jurisdição de quem. Porque de facto dificulta a gestão autárquica e tenho a solidariedade para quem tem essa gestão.
O problema, tanto quanto se sabe, tem a ver com o facto de haver proprietários privados que por alguma razão não desatam os investimentos necessários para a recuperação do Cais do Ginjal. Mas nada justifica a falta de iluminação e buracos no passeio, lixo por limpar. Isso é uma coisa que a Câmara pode fazer.
A higiene urbana é outro dos problemas de todos os municípios.
Em Almada é histórico. Quanto mais o turismo cresce, mais o problema se agrava. E Almada insiste em não cobrar uma taxa turística. Não se entende por que é que Almada não cobra uma taxa turística que serve precisamente para isso, para financiar depois a higiene urbana, todo o saneamento, todas as infra-estruturas que são utilizadas pelos turistas. Já apresentámos muitas vezes essa proposta e ela tem sido sempre chumbada.
A Câmara tem instrumentos legais para exigir [aos proprietários] a reabilitação de um espaço que está a cair de podre há décadas. Mas se formos falar dos terrenos da Lisnave, o problema mais grave é que esses terrenos são de domínio público. Aí a Câmara também vai ter de tomar uma decisão.
A habitação tem sido uma das bandeiras do BE. Qual é a solução para o 2.º Torrão e também para as Terras da Costa?
As Terras da Costa estão num processo muito mais avançado. Estou profundamente convencida de que o primeiro passo para resolver os problemas do bairro foi dado quando o BE enfiou lá televisões, jornalistas. E há um problema: por muito que se realojem as pessoas que estão nos bairros, estamos numa crise de habitação. Há cada vez mais gente a ser expulsa de casa. A especulação sobre as rendas está uma brutalidade. Portanto, continuamos a alimentar os bairros de barracas com pessoas que não conseguem pagar rendas.
Como é óbvio, nós não podemos ter pessoas a viver nas condições que vivem no 2.º Torrão e nas Terras da Costa. O 2.º Torrão tem um problema adicional: está numa primeira linha de embate de tempestades, inundações. (…) Não tem futuro ali. É preciso construir habitação para realojar aquelas pessoas. De preferência na Trafaria, através de reabilitação urbana ou através da construção de pequenos bairros à volta da Costa, no Monte da Caparica.
Tem ideia dos números da Estratégia Local da Habitação?
Tenho na cabeça o número oito mil, mas não consigo dizer se já foi actualizado ou não. Oito mil realojamentos para um concelho como Almada é uma dimensão enorme. Temos neste momento os investimentos do PRR, a própria Câmara fez algumas candidaturas para alguns bairros onde estavam a fazer alguns loteamentos, alguns lotes de construção. É tudo insuficiente.
Qual é verdadeiramente a situação dos concessionários de restaurantes na Costa? A autarquia nega ter dado ordem de despejo.
Agora com a chegada do Verão, julgo que a situação vai ficar paralisada. Mas esta Câmara é instável e muito insegura, em algumas coisas muito impulsiva também. E quando eu digo impulsiva é no mau sentido, ou seja, muitas vezes avança com decisões ou com anúncios e depois volta atrás, o que revela a falta de pensamento estratégico por trás das decisões que anuncia. E isto é comum, já aconteceu no Bairro Madame Faber, com ordens de despejo para pessoas que moravam lá há 40 anos. Depois tiveram de voltar atrás porque viram que aquilo não tinha sustentabilidade.
Mas tem conhecimento de a Câmara ter ordenado o despejo?
Eu não tenho, a denúncia foi feita publicamente pelo “Barbas” como toda a gente sabe. Depois, a Câmara negou ter dado essa ordem de despejo e eu, se bem conheço este executivo, posso antecipar que até ao final do Verão não saberemos novidades.
Critica o fecho da Escola Básica da Fonte Santa. Se o motivo evocado pela gestão socialista é a falta de condições de segurança, não acha que é melhor prevenir do que remediar?
A Fonte Santa é uma escola antiga, uma escola primária com a característica de ter todos os anos, do primeiro ao quarto ano, numa turma e tem um modelo pedagógico adaptado a essa circunstância. Um modelo pedagógico muito interessante, que os pais gostam, que não deixa os alunos impreparados, pelo contrário os alunos chegam ao 5.º ano – e é a própria directora do agrupamento que o garante – tão preparados como os alunos que vêm de qualquer outra escola. Uma escola pequenina, muito simpática, que não tem as faltas de condições que a senhora presidente diz que tem. Estive lá e garanto que não tem. (…) Acho que a informação técnica em que a senhora presidente se baseia está desactualizada. Se precisa de obras? Precisa, mas isso não é razão para fechar uma escola que tem um projecto educativo de que pais, alunos e agrupamento gostam.
Está disponível para se recandidatar nas próximas autárquicas em Almada?
É uma conversa que nós ainda não tivemos na concelhia. Nunca tomei essas decisões sozinha. É verdadeiramente uma decisão colectiva. Sou muito soldada do partido, estou disponível e estive sempre para quando o partido precisou de mim, mas acredito que é preciso renovação e esse será um critério que vou ponderar com muito peso na hora da decisão.