A autarca acusa a gestão liderada por Inês de Medeiros de fazer intervenções “pelos mínimos” e de deitar dinheiro à rua. Considera que Almada não tem sabido aproveitar o PRR e defende Maria das Dores Meira
A autarca da CDU dá nota “claramente negativa” ao trabalho desenvolvido pela maioria socialista liderada por Inês de Medeiros, que conta com o apoio do vereador do PSD, Nuno Matias. Em entrevista concedida a O SETUBALENSE e à Rádio Popular FM, Helena Azinheira dá exemplos de obras que classifica como “oportunidades perdidas”. Aborda o problema da habitação, os projectos estruturantes para o concelho e recusa que a aposta da CDU em Dores Meira tenha sido um erro.
Maria das Dores Meira foi um erro de “casting” da CDU para encabeçar a candidatura à Câmara de Almada?
Claramente que não, porque a Maria das Dores trouxe consigo um património autárquico construído em Setúbal de grande valia. Sendo ela moradora na cidade de Almada, na possibilidade de ter ganhado as eleições, com certeza que contribuiria muito para o desenvolvimento do concelho. Os almadenses não o quiseram e, portanto, não posso considerar que seja um erro de “casting”.
A CDU manteve nas últimas autárquicas quatro vereadores. Não acha que a renúncia de Dores Meira poderá fragilizar a CDU, em termos de confiança junto do eleitorado para as eleições do próximo ano?
A saída da Maria das Dores foi uma decisão pessoal. Claro que desejo que isso não fragilize a votação na CDU nas próximas autárquicas. De qualquer forma, e infelizmente, penso que uma percentagem ainda grande dos almadenses identificam mais a Maria das Dores com Setúbal do que com Almada. Se calhar não terá assim tantas consequências, até por essa própria relação que a Maria das Dores tem com Setúbal e que não tem tanto, apesar de ser moradora, com a cidade de Almada.
Que balanço faz à gestão socialista com o apoio do vereador do PSD, sobretudo, neste mandato?
Neste e no outro mandato. A CDU afirmou logo após o primeiro ano de governação PS/PSD que com o PS Almada perde. E continuamos a afirmá-lo. A governação a que se tem assistido não tem beneficiado a qualidade de vida da população. Não tem havido o desenvolvimento que consideramos necessário e desejável para o concelho. Isto em todas as áreas, seja na habitação, na educação, na saúde, no desporto, na cultura. Almada merecia mais.
De zero a dez que nota arrisca a dar à presidência de Inês de Medeiros?
Não gosto muito de notas quantitativas. Mas é claramente negativa. Obviamente houve intervenções feitas que melhoraram minimamente o estado inicial [das coisas]. Agora, a avaliação que fazemos é que na esmagadora maioria das intervenções que são feitas, elas são feitas pelos mínimos e apresentam-se até quase como oportunidades perdidas.
Como por exemplo?
Muito recentemente foi inaugurado o Jardim Dr. Alberto Araújo. É um jardim antigo, dos anos de 1960, foi reabilitado e não foi contemplado o acesso a pessoas com mobilidade reduzida. Mas também poderia ter sido contemplado um parque canino… Houve uma reabilitação, mas acabou por ser uma oportunidade perdida. Recuando mais, havia a necessidade de intervir na estrada da Charneca (a ex-377), a CDU tinha um projecto pronto. O executivo PS/PSD considerou que o projecto da CDU era muito caro – estamos a falar de um valor de 2 ou 3 milhões de euros (sem apoios comunitários) – e, já que existiam conversações com a E-REDES, decidiu enterrar uma linha de alta tensão [no local], pondo em risco a saúde da população, em troca de a E-REDES pagar a reabilitação da via. Além disso a reabilitação foi feita pelos mínimos, sem uma árvore, uma ciclovia.
Outro exemplo: junto ao Solar dos Zagallos foi deitada abaixo a primeira escola primária construída na freguesia da Sobreda para se fazer uma rotunda. Havia a necessidade identificada pela CDU, com projecto feito, de que a adutora de água que passa nessa zona fosse intervencionada. Resultado: foi deitada abaixo a escola, foi construída a rotunda e passado pouco mais de um ano tudo o que foi feito foi deitado abaixo e vamos fazer as obras na adutora. São oportunidades perdidas e dinheiro deitado à rua.
A construção da Escola Maria Rosa Colaço é outro exemplo. Em 2024, continuamos sem escola e custa mais cerca de 3 milhões de euros do que custava a que estava inicialmente projectada, e perderam-se os fundos comunitários.
Outro exemplo: foi feita a reabilitação do Largo de Cacilhas, está melhor, mas não há um local de tomada e largada de passageiros, nem foram construídas casas-de-banho públicas.
Está a dizer que o executivo PS/PSD é um executivo de oportunidades perdidas?
Claro que sim!
Que diagnóstico faz a CDU à habitação no concelho?
O problema tem vindo a agravar-se a olhos vistos. Nós não tínhamos tudo resolvido, mas tínhamos trabalho feito em todas as áreas. No último mandato da CDU foi realojada parte das pessoas que viviam nas Terras da Costa e o restante núcleo habitacional estava em processo de realojamento. Isso não foi continuado e neste momento existem muitas mais famílias por realojar nas Terras da Costa do que quando o PS chegou ao governo da cidade. Relativamente ao 2.º Torrão, a Câmara CDU realizou cinco planos de pormenor, na Costa e na Trafaria, que visavam o realojamento das pessoas. Esse processo foi parado por um projecto megalómano, do Governo Central do PS, de construção de um terminal de contentores na Trafaria. Depois, este executivo tem à disposição instrumentos, nomeadamente o PRR e outros, e não se pode orgulhar da utilização das verbas do PRR.
O PS tinha prometido, na campanha eleitoral, a construção de 1 011 casas novas. Até ao momento, temos zero. Acredito que fiquem em construção até final do mandato 95 fogos, mas estamos a anos-luz daquilo que poderiam ser as possibilidades que haviam com recurso ao PRR. Ao nível da reabilitação a mesma coisa: também a indicação em campanha eleitoral de que iriam ser reabilitadas 1 330 casas municipais e até ao momento estão reabilitadas 112.
A verdade é que o município vizinho do Seixal tem uma taxa de sucesso, de aplicação e concretização de fundos do PRR, que Almada não se pode orgulhar.
Onde começa e acaba a responsabilidade da CDU no problema da habitação, até porque governou sempre o município até há dois mandatos?
As duas bolsas de habitação clandestina eram as Terras da Costa e o 2.º Torrão. Nas Terras da Costa, parte [dos residentes] foi realojada pela CDU e [a restante] estava ainda em processo de realojamento, como também está hoje, apesar de terem passado sete anos. Só que hoje há mais famílias a realojar do que as que haviam em 2017. No 2.º Torrão ainda há muitas famílias a morar na zona, continua a ser necessário resolver o problema. (…) A CDU utilizou todos os instrumentos que teve ao seu dispor para resolver o problema da habitação e construiu muitos fogos municipais. Mais de 1 200 famílias foram realojadas pela CDU. Não foi suficiente, mas o problema tomou proporções muito maiores nos anos mais recentes.
O processo de realojamento do 2.º Torrão pode ser visto como bom ou mau exemplo?
Um mau exemplo, sobretudo porque foi conduzido com total desumanidade. A sensibilidade social foi zero!
O que podem esperar os almadenses no que toca a projectos estruturantes, como a Cidade da Água, por exemplo?
A Cidade da Água é um projecto do tempo da CDU, muito complexo. Os terrenos da Margueira têm uma complexidade muito grande, quer ao nível dos proprietários quer da jurisdição administrativa de alguns desses terrenos. A realidade mostrou que nem o executivo municipal teve muito empenho nem o Governo Central e o projecto tem ficado parado. Provavelmente terá de ser actualizado.
Mas há outros projectos estruturantes, a requalificação do Ginjal é outro. A CDU também deixou esse projecto muito avançado – aqui também existe o problema da jurisdição e dos proprietários privados de alguns terrenos –, certo é que aquele espaço está ao abandono. É também uma oportunidade perdida.
A CDU defende a criação de uma taxa turística, como PSD e BE?
Não é uma bandeira da CDU. Avaliaríamos a aplicação de acordo com o regulamento associado à criação da taxa. A nossa prioridade é a chegada do Metro Sul do Tejo à Costa de Caparica e à Trafaria, que também foi bandeira do PS em campanha eleitoral. O executivo de Almada tem sido pouco exigente com o Governo Central. A construção da ponte rodoferroviária Barreiro-Chelas também seria muito importante, contribuiria para descongestionar o trânsito na Ponte 25 de Abril, de que Almada muito beneficiaria. A saúde é outra das questões: a construção do Hospital do Seixal descongestionaria muito o Hospital Garcia de Orta. São competências da Administração Central, mas o executivo de Almada sempre foi pouco exigente para com o Estado Central. É como o Centro de Saúde de Feijó, que continua adiado.
Como está a cultura e o desporto em Almada?
Durante estes quase dois mandatos de maioria PS não houve a construção de nenhum equipamento desportivo. Mesmo a manutenção dos que existem do tempo da CDU foi muito deficitária. Na cultura temos uma boa agenda de tudo quanto é de fora de Almada. Apoio às estruturas da cultura almadenses são muito reduzidos. Sempre quisemos em Almada receber, apreciar e aprender com os espectáculos culturais que vêm de fora, mas nem 8 nem 80. Não pode ser tudo de fora, porque assim descuramos o que se faz cá dentro. E faz-se cá dentro muita coisa boa. A Companhia de Dança de Almada tem inúmeros prémios nacionais e internacionais, tem um apoio igual ao que tinha no tempo da CDU. Entretanto veio para lá um grupo de pessoas ligadas à dança a receber muitíssimo mais apoio do que a Companhia de Dança de Almada.
A Escola Básica da Fonte Santa deve manter-se a funcionar como até agora ou ser aproveitada para outro tipo de funcionamento?
A Escola Básica da Fonte Santa deve continuar aberta, nos mesmos moldes, com o mesmo modelo pedagógico, que é extraordinário. É muito importante para a comunidade. A escola não tem nenhuns problemas estruturais graves. Não quer dizer que não deva ser intervencionada. Não existe falta de condições de segurança. Há escolas no concelho em condições de degradação muito piores. Não há o risco de cair o telhado em cima da cabeça de nenhuma criança. Há um “quero, posso e mando” sobre o fecho daquela escola, contra toda a vontade da comunidade educativa.
Está a dizer que Inês de Medeiros é “quero, posso e mando” na presidência da Câmara?
Nesta situação. Estou a afirmar nesta situação…
Depois da aposta falhada em Dores Meira, qual deve ser o perfil do próximo candidato ou candidata da CDU à presidência da Câmara de Almada?
Deve ser alguém que conheça Almada, que seja empático, porque o trabalho autárquico carece de ligação às pessoas, e é isso que iremos ter.
Então poderia assumir o papel de cabeça-de-lista. Está disponível?
Nunca pensei nesse assunto.
E se a CDU lhe lançar o desafio?
É pensar.