A actriz Lia Gama é a figura da cultura homenageada este ano no Festival de Almada. Mostrou-se surpreendida e grata
A 42.ª edição do Festival de Almada, as duas semanas de teatro mais esperadas no País, vai estar em nove palcos, entre Almada e Lisboa, de 4 a 18 de Julho, com 20 espectáculos de teatro, um deles em estreia, entre dança pela Companhia Nacional de Bailado, novo-circo, teatro de objectos e marionetas envolvendo vários criadores e companhias “conhecidos do nosso público”, comentou Rodrigo Francisco, director artístico do festival e da Companhia de Teatro de Almada (CTA), a qual organiza esta festa da cultura desde 1984.
Além dos espectáculos de teatro, alguns deles por companhias que conquistaram o público em anteriores edições do Festival de Almada, o programa inclui 16 concertos, de entrada livre, ao fim das tarde na Escola D. António da Costa, em Almada, que mais uma vez vai receber o palco principal, três exposições, uma delas sobre os Espectáculos de Honra – uma prática que começou em 1987 -, 14 conversas com artistas e um encontro dedicado ao poeta Camões, co-organizado com a Comissão para as Comemorações do V Centenário do Nascimento de Luís Vaz de Camões.
Em cada edição do festival é homenageada uma figura da cultura sendo este ano a actriz Lia Gama que, completou 81 anos na última semana de Maio e que se estreou nos palcos em 1963. “É um privilégio ser homenageada nesta altura de uma vida inteira dedicada ao teatro e à cultura, pelo tão extraordinário Festival de Almada”, disse na passada quarta-feira de manhã, na primeira a presentação da 42.º edição do festival, que se repetiu à noite.
“Uma surpresa extraordinária”, disse Lia Gama para depois tomar um discurso onde apontou o dedo a quem, no País, ‘manda’ na cultura: “Como nós sabemos [a cultura] é cada vez pior tratada e, quando se pensa pior, é sempre pior. Mas a cultura é fundamental”, frisou.
Aliás, a apresentação deste ano do Festival de Almada, foi marcada por algumas mensagens de teor político, principalmente aos dias que correm. Inês de Medeiros, presidente da Câmara de Almada, depois de elogiar a CTA pela organização do Festival de Almada, afirmou que o mesmo “é sempre um momento importantíssimo para o município. É algo que se confunde completamente com a identidade desta terra”.
Logo a seguir, durante a apresentação, apontou que “a política é o convite para reflectirmos, e também resistirmos a certas tendências”. Apontou a oportunidade que o festival dá ao público para acompanhar o “evoluir do pensamento de vários grandes criadores, sejam nacionais, sejam estrangeiros”, e proferiu um pensamento de Albert Einstein: “O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que os observam sem fazer nada”. E acrescentou que o Festival de Almada é “um convite a não ficarmos passivos e apenas indignados”.
Com um orçamento de 598.674 euros, dos quais cerca de um terço são receitas próprias da CTA, sendo o restante assegurado pelo Ministério da Cultura e pela Câmara Municipal de Almada, o festival mantém parcerias com o Centro Cultural de Belém, a Culturgest e a RTP – Rádio e Televisão de Portugal, que vai assegurar a transmissão em directo do espectáculo de abertura e a gravação da peça em estreia da Companhia de Teatro de Almada.
Questionado por O SETUBALENSE sobre o esforço financeiro para manter o Festival de Almada, Rodrigo Francisco lamentou que as subvenções para a CTA “não cresçam. Mas o custo de vida cresce”.
“Não se pode ter um festival desta dimensão com subvenções que ficam tão aquém das reais necessidades, em que os custos com pessoal e materiais aumentam enquanto as subvenções se mantém praticamente as mesmas”.
O director do Festival de Almada lembra que até determinada altura cada edição “tinha uma subvenção própria por parte do Ministério da Cultura, mas a lei foi alterada e o festival passou a ser considerado uma actividade da companhia, como se fosse uma criação”. E frisa: “Considero que as leis devem adequar-se à realidade e não a realidade a adequar-se às leis”.
A “Qui som?”, pela companhia franco-catalã Baro d’Evel, numa encenação de Camille Decourtye & Blaï Mateu Trias, fundadores da companhia, é o primeiro espectáculo do festival, e vai estar 4 e 5 no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, colocando duas questões: “Quem somos nós? E em quem é que nos queremos tornar?”
Apresentada na edição 2024 do Festival d’Avignon, “Qui som?” reúne em palco um grupo de bailarinos, músicos, acrobatas, palhaços e um ceramista, num espectáculo “cheio de humor a meio caminho entre a dança e o circo”, refere o programa do festival.
Em Almada, o primeiro espectáculo é no palco grande, na Escola D. António da Costa e é “Les gros patinent bien – Cabaret de carton”, peça que os franceses da Companhia Le Fils du Grand Réseau levam ao festival, num espectáculo de Pierre Guillois & Olivier Martin-Salvan.
Por sua vez, a CTA estreia “Um adeus mais-que perfeito”, com texto do austríaco Nobel da Literatura Peter Handke, na Sala Experimental do Teatro Municipal Joaquim Benite. Encenada por Teresa Gafeira, a peça conta a “espiral de dor que arrastou a mãe do escritor para o sofrimento, levando-a a terminar com a vida aos 51 anos, em 1971, um ano antes de o texto ser escrito”.
“Friends of Forsythe”, de William Forsythe & Rauf ‘Rubberlegz’ Yasit é um espectáculo oriundo da Alemanha e de dança a apresentar, a 5 e 0 de Julho, na sala principal do Teatro Municipal Joaquim Benite.
Ao Fórum Municipal Romeu Correia, dias 6 e 7, regressa a companhia marionetista Carlo Colla & Figli com o Espectáculo de Honra 2024, “La Tempesta”, um texto de Shakespeare numa versão traduzida por Eduardo de Filippo, encenado por Eugenio Monti Colla, que põe em palco mais de 150 marionetas.
“Telhados de Vidro”, do Teatro da Trindade, “A casa morreu – Diário de uma República III”, pela Amarelo Silvestre, a partir de fotografias de Augusto Brázio & Nelson D´Aires, com direcção artística de Fernando Giestas, “Há qualquer coisa prestes a acontecer”, com direcção artística de Victor Hugo Pontes, e “As aves”, da mala voadora e das Comédias do Minho, são as produções portuguesas seguintes.
“History of Violence”, um texto de Édouard Louis, com encenação de Thomas Ostermeier e versão deste e de Florian Borchmeyer e do próprio autor do texto, é a peça que a histórica Schaubühne Berlin traz à Sala Principal do Teatro Municipal Joaquim Benite.
Entre 10 e 14 de Julho, em Lisboa, a Culturgest volta a receber “A colónia”, de Marco Martins”, e a 10 de Julho o colectivo francês Petit Travers apresentará “S’assurer de ses propres murmures”, num espectáculo de Julien Clément & Pierre Pollet onde um malabarista e um baterista criam uma peça a partir do primeiro verso de um poema de René Char (1907-1988).
No Fórum Romeu Correia, em Almada, Cristóvão Capos volta a protagonizar “Monóculo, Retrato de s. Von Harden”, um texto de Stéphane Ghislain Roussel, com encenação de Rui Neto, numa produção da Lobo Mau.
“El Rey que fue” é a primeira peça que os espanhóis da Els Joglars trazem ao Palco Grande, da Escola D. António da Costa, num espectáculo com direcção artística de Albert Boadella, que assina a dramaturgia com Ramón Fontserè.
Também de Espanha chega Xavier Bobés, ao Cineteatro da Academia Almadense, com “El mar- Visión de unos niños que no lo han visto nunca”.
“Marius” é o espectáculo que a companhia Louis Brouillard traz de França, numa criação de Joël Pommerat livremente inspirada na peça de Marcel Pagnol, em colaboração com Caroline Guiela Nguyen e Jean Ruimi e que será apresentada na Sala Principal do Teatro Municipal Joaquim Benite.
Da Alemanha regressa também a Almada também a Familie Flöz, desta vez com a peça “Teatro Delusio”, numa encenação de Michael Vogel, um teatro de máscaras sem palavras.
“Zugzwang” é o que apresentam os franceses do Galactik Ensemble, numa criação colectiva do grupo composto por cinco artistas formados na École Nationale des Arts du Cirque de Rosny-sous-Bois, num espectáculo a representar no Palco Grande da Escola D. António da Costa.
Na véspera e no último dia do festival, a Companhia Nacional de Bailado apresenta “Quatro Cantos num Soneto & The Look”, enquanto a encerrar a 42.ª edição do festival estará, no Palco Grande da Escola D. António da Costa, o colectivo Teatro Biondo Palermo, com “Extra Moenia”, de Emma Dante.