Comandante dos Bombeiros de Alcochete realça trabalho dos seus homens e mulheres, partilha histórias no terreno e mostra-se confiante no futuro dos bombeiros
Apaixonado por aquilo que faz desde pequeno, Paulo Vieira confessa que sempre quis ser bombeiro, pois era uma das brincadeiras que mais tinha, fazendo crescer a paixão pela profissão. Para o Comandante dos Bombeiros Voluntários de Alcochete, ser bombeiro significa “nunca abandonar quem precisa de ser socorrido”, mesmo que isso possa por vezes “dar medo”.
Em entrevista a O SETUBALENSE, Paulo Vieira, conta histórias vividas no terreno, agradece homenagem feita pela Câmara Municipal de Alcochete e mostra-se confiante na evolução do quartel onde é comandante.
Quando era criança a sua ambição sempre foi ser bombeiro, ou tinha outros sonhos?
Sim, pensava muito em ser bombeiro, pois era uma das minhas brincadeiras e grandes paixões. Mas na verdade ser bombeiro não é uma brincadeira, mas sim uma imensa responsabilidade que assumimos. Julgo que todas as crianças sonham em ser bombeiros.
Qual foi a maior motivação para ser bombeiro?
A vontade de ajudar o próximo, o espírito de querer fazer o bem, o saber que prestamos um serviço fundamental às comunidades onde estamos inseridos e onde precisem de nós.
O que significa para si ser bombeiro?
Ser uma pessoa de bem, em que a coragem e a destreza andam lado a lado durante as missões de socorro que diariamente são realizadas pelo bombeiro, são sempre carregadas de adrenalina e de emoção e, como costumo dizer, onde temos de colocar momentaneamente o sentimento de lado, perante as situações de acidente e onde muitas vezes o bombeiro está perante a vida de alguém em sofrimento, ou a iminente morte de alguém, tendo de agir na esperança de conseguir salvar. Ser bombeiro significa que somos quem nunca abandona quem precisa de ser socorrido.
O bombeiro é aquele que, apenas vestindo uma farda ou um equipamento específico, se torna em alguém especial, em que a maioria das pessoas acreditam e confiam. Ser bombeiro é estar disponível para o próximo, sempre.
Como se lidera uma equipa com 72 elementos?
Com respeito mútuo, humildade, lealdade e com trabalho. É saber que aqueles que se colocam ao serviço e fazem parte desta grande equipa de homens e mulheres, não são menos importantes que nós, mas sim o contrário. São tão ou mais importantes que quem os lidera, pois, um líder sem homens nunca será ninguém, nem nunca conseguirá vencer qualquer batalha sozinho. Tento liderar, olhando para os homens por mim comandados sempre no mesmo patamar que eles, entendendo que os seus problemas e dificuldades pessoais, não são menos importantes que os meus problemas e as minhas dificuldades. Tento nunca deixar ninguém para trás na evolução e na conquista dos conhecimentos que permitam o êxito das suas missões, pois se eles falharem, eu falho.
Liderar estes homens e mulheres é colocar como prioridade o seu bem-estar enquanto pessoas e operacionais, usando todos os meus meios e a minha visão de atingir forma de lhes arranjar das melhores ferramentas, para o trabalho e as colocar ao dispor dos mesmos, indo ao encontro, dentro do possível, das ideias vindas de quem anda no terreno nas mais diversas missões.
Quais são as suas principais preocupações no seu dia-a-dia?
Que não aconteçam acidentes com os meus homens e mulheres, que possam desempenhar sempre as missões/serviços dando o melhor que cada um tem para o sucesso da equipa, traduzindo esse sucesso em primeiro lugar no salvamento de vidas e que regressem ao quartel são e salvos. Podemos perder um equipamento, um veículo, mas nunca um elemento.
Sente-se como um pai responsável por toda a sua corporação?
Não direi um pai, até porque não teria verba para dar a mesada que cada um merece pelo que fazem todos os dias, mas sim, existe um sentimento paternal e de responsabilidade, de querer que se tornem cada vez melhores e evoluam enquanto bombeiros e também enquanto pessoas de bem, que cada um consiga conquistar o que mais deseja. Auxiliando em tudo o que está ao meu e ao nosso alcance.
Em Alcochete somos uma equipa e somos também uma família, e tal como em todas as famílias, também existem coisas muito boas e coisas a melhorar. É por esse caminho que eu e os restantes elementos do comando, e a entidade detentora do Corpo de Bombeiros, a nossa associação, temos de trabalhar, por forma a que dentro das nossas capacidades, essas coisas que têm de ser melhoradas o sejam.
Importa referir que algumas melhorias, cabem aos nossos homens também ajudar a atingir, pois o mais difícil muitas vezes é fazer entender as dificuldades de conseguirmos melhorar aquilo que principalmente a eles compete no que respeita a sua prestação e mentalidade. Estou rodeado de pessoas especiais que na altura certa o demonstram.
Por vezes respondem a emergências em que o perigo é maior. Já sentiu medo ao partir para um desses cenários?
Nós bombeiros temos os mesmos receios que qualquer pessoa, até porque não somos super-heróis. No entanto está no sangue de cada um de nós tudo fazer e correr para onde existe o perigo. Enquanto uns fogem do perigo, e bem, nós estamos a ir ao encontro do perigo na tentativa de, em primeiro lugar, salvar ou tentar salvar quem não conseguiu fugir, e tentando preservar e salvar os bens naturais que são de todos, assim como bens pessoais.
Mas sim, já tive medo, não ao partir para as zonas de perigo, não por mim, mas pelo colectivo de bombeiros que em situações muito perigosas se expõem dentro dos limites da segurança, e onde muitas das vezes não dependia só de nós o sucesso da missão e o confronto com o perigo , mas de meios (outras equipas e equipamentos) que nos viriam dar apoio e que caso falhassem a situação poderia não correr como tinha sido por nós planeada.
Temos sempre o “Plano A”, que é acreditar que em equipa tudo se vence em segurança. O “Plano B” é estar sempre com olho na segurança e nos caminhos para fugir para zonas seguras.
Já teve algum cenário em que temesse pela sua vida?
Sim faz muito tempo, num incêndio em um palheiro, estava eu e um colega a combater as chamas que consumiam os fardos de palha. A nossa manobra consistia em ir molhando os fardos que ardiam e atirando os fardos que não tinham ardido para fora do palheiro, com o objectivo de retirar o maior número de fardos e reduzir a capacidade de propagação e progressão do incêndio. Tínhamos acabado de levantar um fardo de palha colocando-o ao alto, para depois os dois o atirarmos para longe da chama, quando o telhado do palheiro ruiu e nós ficamos debaixo das telhas, tendo sido salvos e não ficando presos porque o fardo que tínhamos segundos antes colocado ao alto aguentou a estrutura e deixou um pequeno espaço por onde através do fumo víamos a luz do dia. Percebemos que podíamos fugir por ali e lá nos safámos. Ainda assim ainda fizemos uma visita ao Hospital do Montijo, eu e o colega Paulo Paço, que era na altura bombeiro no Montijo.
Posso também referir mais uma das situações que me marcou, que foi num incêndio florestal no Norte, em que a nossa missão consistia em conseguirmos chegar a uma aldeia (Carvoeiro), pois estava cercada pelas chamas e tivemos de seguir por uma estrada em que as bermas à nossa volta ardiam e até tínhamos de ir a molhar o alcatrão, para o arrefecer, pois estava a derreter. Por forma a que as equipas (veículos e pessoal) não se enganassem no cruzamento, deixei apeado o Zé Martins, na altura meu bombeiro, e que desde 2005 me acompanha no comando sendo actualmente o meu Segundo Comandante e meu grande amigo, com a missão de indicar a estrada que subia a encosta e depois apanhava o último veículo da coluna. Acontece que o último veículo passou a maior velocidade, não se apercebendo que era para trazer o Zé. Quando perguntei à última equipa pelo mesmo, disseram que tinha ficado no cruzamento, quando olhei para baixo já só via fumo e chamas, não hesitei e fiz marcha atrás, descendo a estrada tentando chegar ao cruzamento, aí sim o medo existiu, mas eu não podia abandonar nunca o meu homem com o veículo de comando debaixo de fumo e de um calor infernal. Por entre as chamas fui afastado o máximo possível da berma para me afastar da chama e quase a roçar na parede da encosta por entre o fumo lá o encontrei, rapidamente porque estávamos dentro do fumo e ele já vinha com dificuldade em respirar, meti-lhe a peça facial (máscara) do Arica, que eu tinha sempre no veículo de comando, a qual permitiu que ele respirasse ar puro, ajudei-o a entrar para trás do carro e arranquei. Esta foi uma das piores situações e talvez aquela que mais me colocou à prova em termos de risco assumido. Mas valeu a pena sem dúvida, nunca abandonar um homem nosso.
Outras situações poderia contar, mas fizeram parte do passado e graças a Deus correram bem.
Como se sentiu ao ser-lhe atribuída a Medalha D. Manuel I pela Câmara?
Agradecido a Alcochete, ao senhor presidente da Camara Municipal de Alcochete, Fernando Pinto, e ao restante executivo. Estou muito agradecido aos meus bombeiros e às direcções que pela nossa casa (Associação e Corpo de Bombeiros) passaram, pois sem o trabalho, profissionalismo, abnegação e sentimento de missão, não teriam sido conseguidos os objectivos e as conquistas alcançadas.
Objectivos e conquistas que resultaram do muito trabalho e muitas dores de cabeça tidas na tentativa de encontrar as pessoas certas para ajudarem a ajudar, fazendo-as perceber as necessidades existentes, e eram muitas, que mais uma vez digo resultaram naquilo que hoje se vê quando olhamos para os Bombeiros de Alcochete.
Foram difíceis estas conquistas, pois prometi muitas vezes a mudança aos meus homens, mas as ajudas demoraram e não conseguia lhes dar o que mereciam. Trabalhamos sempre e plantamos muitas sementes, ao realizar bons serviços, ao nos apresentarmos com mais dignidade na apresentação (fardados e maior disciplina pessoal) não que os anteriores não tenham o feito, mas não tinham também aquilo que hoje temos, após o caminho traçado e com muito custo, começámos a colher os frutos do bom trabalho e liderança realizados durante anos, não só por mim, mas por muitos que trabalham e trabalharam ao meu lado.
Tenho 55 de idade dos quais 40 anos da minha vida são serviço dos Bombeiros de Alcochete, mantendo o juramento que fiz a 29 de Maio de 1997, onde jurei” Tudo Fazer, Respeitar e me Empenhar pelo Corpo de Bombeiros de Alcochete, pela Associação Humanitária que é o órgão Detentor do Corpo de Bombeiros, por Alcochete e por Portugal”.
Quais são actualmente os principais desafios dos Bombeiros Voluntários de Alcochete?
Continuar a crescer, apostando nos homens, na valorização do seu trabalho, no seu bem-estar enquanto estão ao serviço, na sua segurança e reconhecimento. Apostar em novas ferramentas e veículos.
Como comandante, sente que Alcochete valoriza a corporação que tem?
Todas as pessoas nos valorizam, até porque somos os primeiros de quem se lembram quando de nós precisam. No entanto lamento que muitos não se lembrem de nós e não nos apoiem para que estejamos mais bem equipados para quando chega a altura de prestarmos o devido socorro possamos responder melhor ainda ao grito de socorro quando precisam. Isto porque valorizar não é só bater palmas, ou agora meter gostos nas redes sociais. Valorizar é contribuir, é ajudar-nos, para que possamos ajudar. Mas já foi muito pior. Talvez pelo trabalho por nós realizado, pelo apoio de algumas entidades que foram a alavanca e o abre olhos para que surgissem alguns mecenas, e alguns sócios, mas muito aquém das necessidades existentes.
Quanto ao futuro, como vê o crescimento dos Bombeiros em Alcochete?
Temos esperança de que o crescimento do Corpo de Bombeiros irá acompanhar as necessidades provenientes do crescimento do concelho de Alcochete e das infra-estruturas dentro ou próximas da nossa Área de Actuação Prioritária. Internamente iremos continuar a remar em equipa para melhorar as capacidades operacionais. Acreditamos também que o futuro permitirá melhores condições, nomeadamente um quartel novo que esteja adaptado ao crescimento que tivemos em homens, mulheres, veículos e equipamentos. Estaremos firmes, a trabalhar e a procurar as oportunidades e soluções, para que tal aconteça e não estaremos nunca de braços cruzados à espera de que nos apareçam do ar os objectivos que pretendemos atingir.