As estratégias para melhorar a qualidade de vida em Alcochete e as soluções concretas para responder às necessidades da população estiveram em discussão no Fórum Cultural
O debate autárquico em Alcochete, realizado nesta quarta-feira, reuniu todos os candidatos à presidência da Câmara Municipal, num encontro marcado por propostas, críticas e confrontos diretos sobre os principais desafios do concelho. Os temas centrais nesta discussão, que teve lugar no Fórum Cultural de Alcochete, foram habitação, mobilidade, saúde, apanha ilegal de bivalves e o novo aeroporto, com intervenções consistentes de todos os candidatos, refletindo diferenças políticas significativas, mas também pontos de consenso quanto às necessidades do território.
A habitação abriu o debate e rapidamente se tornou tema de confronto. O atual presidente e candidato do PS, Fernando Pinto, destacou o papel da Câmara na implementação de habitação a preços acessíveis, reconhecendo que a responsabilidade principal é do Estado, mas sublinhando que o município tem obrigação moral de apresentar soluções para a população.
Já Eugénia Murjal, do Chega, criticou o executivo por se concentrar em projetos que não se concretizam. Defendeu que Alcochete, embora tenha um parque habitacional organizado com cerca de 80% de residências habituais, enfrenta problemas de acesso à habitação para jovens devido à proliferação de condomínios de luxo privados. A candidata afirmou que a Câmara deve intervir nas negociações com os promotores e garantir que os novos projetos incluam habitação a custos controlados, defendendo uma abordagem prática.
A candidata Paula Matos, da Iniciativa Liberal (IL), enfatizou o papel das políticas fiscais para aumentar a capacidade financeira das famílias. Além da construção de habitação a custos controlados, propôs reduzir o IMI e devolver o IRS dentro do máximo legal às famílias, aumentando a liquidez para suportar os custos da habitação. Reconheceu que os empreendimentos de luxo geram maior receita para o município, mas defendeu que é essencial criar riqueza de forma a financiar medidas de habitação acessível.
Quem defendeu um “planeamento territorial equilibrado” foi Raquel Prazeres, da CDU, criticando a segregação de habitação social e condomínios de luxo. A candidata sublinhou a importância de integrar habitação social e acessível com o restante tecido urbano, utilizando programas do PDM e do PRR e ajudando famílias a candidatarem-se ao primeiro direito.
Quanto a João Marques, da coligação CDS/PSD, focou-se nas oportunidades perdidas devido à falta de contrapartidas em projetos de luxo e na “revisão adormecida” do PDM, que mantém algumas zonas rústicas sem possibilidade de construção. Defendeu também parcerias com cooperativas de habitação e incentivos fiscais para arrendamentos de longa duração.
Mobilidade e Transportes
A mobilidade em Alcochete foi um dos temas debatidos, com todos os candidatos a sublinharem a necessidade de melhorias urgentes no concelho. Eugénia Murjal abriu a discussão destacando a dependência do veículo próprio no concelho e a insuficiência das ligações de autocarro. “Em Alcochete ninguém pode dispensar o veículo. As ligações de autocarro foram alteradas, mas as queixas são constantes. Não temos uma rede de transportes que ajude os cidadãos a fazerem as ligações necessárias”, afirmou. Além disso, frisou a urgência de investir nas vias municipais, propondo alargamento de estradas, construção de rotundas, renovação do pavimento, limpeza periódica das bermas, iluminação dos percursos e instalação de resguardos em todas as paragens de autocarro.
Já Paula Matos concordou que a política de transportes precisa de ser revista, tendo criticado a assinatura de um contrato regional que não teve em conta as especificidades de Alcochete, onde não existem alternativas aos transportes públicos: “É necessária uma faixa de BUS na ponte e uma saída alternativa para Alcochete”, defendeu, sublinhando que a melhoria da circulação depende também de soluções práticas para quem se desloca diariamente.
A candidata da CDU apontou para a necessidade de negociações constantes e atenção aos detalhes para obter melhores serviços. Para Raquel Prazeres, a mobilidade não se limita aos transportes públicos. “Andar de bicicleta nesta região sempre foi uma forma de transporte. Precisamos de criar condições para circulação segura, mas também de reforçar transportes públicos”, afirmou.
O líder da coligação CDS/PSD defendeu a criação de carreiras mais eficientes e de bolsas de estacionamento para residentes, além da expansão de ciclovias e requalificação de passeios pedonais. “Queremos garantir soluções de mobilidade para todos, sejam condutores, ciclistas ou pedestres”, explicou.
Por fim, Fernando Pinto destacou o investimento já realizado na melhoria das vias e na circulação no concelho, lembrando que, nos últimos oito anos, foram investidos mais de 7 milhões de euros em 25 estradas e caminhos, “priorizando as vias em pior estado, melhorando a circulação nos parques industriais e garantindo segurança para os cidadãos”.
Saúde
A saúde foi outro tema central no debate autárquico em Alcochete, com todos os candidatos a sublinharem a urgência de medidas que garantam atendimento digno à população. Para a candidata da CDU as políticas de saúde vão além do tratamento de doenças: “O Serviço Nacional de Saúde não trata só quando há doença, tem de prevenir, criar programas, perceber quais são as doenças, quais os problemas alimentares e qual é o planeamento familiar”, afirmou. Alertou ainda para a degradação dos serviços e defendeu a intervenção das autarquias na proteção do acesso à saúde, citando casos de utentes do Samoco convidados a recorrer a médicos em Alcochete.
Já João Marques apresentou uma perspetiva diferente, lembrando que a gestão direta de médicos e enfermeiros não é competência dos municípios, defendendo que o papel da Câmara passa pelo apoio logístico às unidades de saúde e pela promoção de prevenção e rastreios junto da população.
O atual presidente, Fernando Pinto, enfatizou os recentes avanços no centro de saúde de Alcochete, nomeadamente a chegada de cinco novos médicos, uma medida que considerou fundamental para garantir atendimento a todos os utentes: “Estamos à beira de concretizar que todos os inscritos no centro de saúde tenham médico de família”, afirmou.
A candidata do Chega criticou a inação parlamentar do PS e defendeu uma abordagem mais ativa das autarquias junto do governo central e das bancadas parlamentares: “É surpreendente que, com tantos anos de maiorias no parlamento, não tenham conseguido pressionar para que os médicos tivessem outro tipo de tratamento e oportunidades em Alcochete”, disse. Eugénia Murjal propôs ainda a criação de um transporte periódico dos utentes das freguesias até ao centro de saúde.
Para Paula Matos a resposta não deve esperar pelo Estado, defendendo a criação de um sistema universal de acesso à saúde, com protocolos estabelecidos com clínicas locais e definição de quotas médias anuais de consultas, garantindo que os cidadãos possam aceder a cuidados de saúde de forma organizada e eficiente.
Apanha ilegal de bivalves
A apanha ilegal de bivalves no estuário do Tejo emergiu como um tema de preocupação ambiental, económica e social no debate autárquico em Alcochete, com João Marques a destacar que a resolução do problema não pode depender apenas da Câmara Municipal. O candidato propôs a criação de uma agência intermunicipal, envolvendo todos os municípios da área ribeirinha do sul do Tejo e, possivelmente, Lisboa, para coordenar esforços e pressionar a tutela a legalizar a atividade. Segundo o candidato, a legalização passaria por definir zonas específicas de apanha, criar locais de descarga e assegurar fiscalização adequada.
Também Fernando Pinto reconheceu a gravidade do problema e criticou a falta de articulação entre as entidades competentes. O socialista aproveitou para atirar ‘farpas’ ao discurso de Eugénia Murjal. “O Chega mostra-se preocupado, mas nos últimos 10 anos não houve qualquer intervenção dos seus deputados nesta matéria, quer em Alcochete, quer no Samouco. Houve uma inação completa”, afirmou, sublinhando a necessidade de coordenação e fiscalização.
Por outro lado, Eugénia Murjal alertou para os riscos de saúde pública, poluição, pressão demográfica e a presença de organizações criminosas associadas à prática ilegal. Murjal defendeu uma abordagem restritiva, propondo a proibição total da apanha por até dois anos, como forma de “restabelecer ordem”.
Quanto a Paula Matos, trouxe uma perspetiva técnica, referindo um plano nacional de ação para a ameijoa Japónica, elaborado pela investigadora Paula Chainho, que contou com consenso de pescadores legalizados e unidades de fiscalização. A candidata da IL explicou que a apanha deve ser legalizada como forma de controlar a praga, mas criticou a demora na aprovação do plano.
Para Raquel Prazeres, a ilegalidade da apanha coloca as pessoas em situação de exploração, incluindo portugueses e imigrantes, e contribui para outros crimes associados. A candidata defendeu que a atividade deve ser regularizada, regulamentada e legalizada, criticando soluções simplistas que apontam o problema apenas para a nacionalidade dos trabalhadores.
Novo aeroporto
Sobre o projeto do novo aeroporto, a ser instalado na unidade militar do Campo de Tiro, Fernando Pinto destacou que, embora a construção não seja competência da Câmara, é essencial acompanhar o processo e mitigar impactos negativos, enquanto se potencia o lado positivo do investimento: “O nosso objetivo é potencializar o que de bom o investimento traz e mitigar o que de menos positivo possa surgir”, afirmou.
Já Eugénia Murjal sublinhou que o seu partido não é contra a instalação do aeroporto, mas defendeu uma abordagem firme para proteger os interesses da população local. “Alcochete não está preparada para o fluxo de pessoas que vai atravessar o concelho. Nem temos estradas suficientes para escoar a população de forma segura, quanto mais os passageiros de um aeroporto internacional. Há muito a fazer”, alertou.
Coube a Paula Matos adotar uma visão estratégica de aproveitamento da oportunidade. “Neste tema do aeroporto, se vier, ótimo, se não vier, ótimo também. O que preparamos é reabilitar os parques industriais do concelho, como o do Passil e o do Batel, atraindo investimento em empresas de tecnologia ou biotecnologia. A vinda do aeroporto pode ser um argumento para dinamizar economicamente Alcochete”, explicou.
Raquel Prazeres começou por esclarecer a “confusão comum” de Eugénia Murjal sobre a localização do Campo de Tiro, destacando que ele se situa em Benavente e não em Alcochete. Para a candidata, a CDU sempre defendeu que este é o local ideal para o aeroporto, combinando desenvolvimento económico e planeamento de mobilidade.
Já João Marques adotou uma abordagem cautelosa, considerando o aeroporto uma mais-valia nacional, mas destacando a necessidade de proteger o território e o património local: “A localização está tão longe de Alcochete que não me preocupa o escoamento de passageiros e mercadorias pelo concelho. A autarquia deve fiscalizar, prever o apoio possível e prevenir abusos das estruturas que criam o aeroporto”, defendeu, salientando a importância da supervisão e do planeamento urbano.
O debate desta quarta-feira pode ser visto na integra nas redes sociais do jornal O SETUBALENSE, Popular FM, Rádio Sines, Rádio M24, Rádio Pax e jornal o Leme.