Da lógica dos números à magia do ensino
Margarida Graça nunca se viu dentro dos moldes de uma educadora convencional. Escolheu a matemática como quem escolhe um refúgio, uma resistência silenciosa contra a repressão moral e política dos tempos que antecederam o 25 de Abril. “Na matemática, se eu dissesse que dois e dois é cinco, estaria errada. E eu sabia que estava errada”. Nesse universo lógico, encontrou a liberdade que o mundo lá fora lhe negava, “não me vinham cá com problemas de moral, nem perguntavam a minha opinião, nem a nível de religião, nem a nível político, nem a nível pessoal. Portanto, para mim, a matemática era uma fuga”, onde o pensamento se fazia exato e imune a julgamentos subjetivos. Com a Revolução dos Cravos, a educação deixou de ser apenas números e fórmulas e passou a ser voz, transformação, possibilidade. Inspirada por professores que traziam os ventos revolucionários de Paris, a ex-professora mergulhou na missão de formar não apenas alunos, mas cidadãos críticos e conscientes. Foi uma das mãos que ajudou a erguer escolas, projetos e sonhos. E, mesmo reformada, mantém-se fiel ao modelo da escola moderna. “Acho que é das melhores coisas que existem”. Ainda assim, não esconde a tristeza ao observar o rumo que o ensino tomou. O brilho nos olhos dos alunos parece ter sido substituído pela pressa de simplesmente passar. “As pessoas chegam e querem só passar, não querem adquirir conhecimento”. O espírito de equipa que sempre a impulsionou, dá agora lugar a uma competição fria, onde o individualismo sufoca o crescimento coletivo. Trabalhar em Setúbal foi um sonho, um “enamoramento” com a profissão. Na Escola Superior de Educação os professores e alunos viviam em comunhão, num ambiente onde a criatividade florescia e ensinar nunca foi apenas transmitir conhecimento, mas cultivar humanidade. “Nós estávamos ali para trabalhar, mas era um enamoramento, nunca parecia que estava a trabalhar”. Entre tantas histórias, uma ficou gravada com especial carinho: a visita do arquiteto Siza Vieira à ESE, num tempo de protesto estudantil contra as propinas. A tensão era grande, mas os alunos surpreenderam. No final, o espaço estava impecável. “Não havia um papelinho no chão”. Um gesto simples, mas carregado de respeito e significado. Hoje, ao olhar para trás, já reformada Margarida Graça sorri com a nostalgia de quem viveu intensamente. “Gostei muito da minha vivência”.Talvez pudesse ter sido mais combativa, talvez pudesse ter gritado ainda mais pela importância do pensamento crítico. Mas, uma certeza permanece inabalável: a ESE foi, e continuará a ser, a melhor escola do mundo “A ESE para mim foi um sonho bonito”, e sonhos assim não se apagam com o tempo.