MARTA BAETA Barreirense abraça crianças no maior bairro da lata do mundo

MARTA BAETA Barreirense abraça crianças no maior bairro da lata do mundo

MARTA BAETA Barreirense abraça crianças no maior bairro da lata do mundo

‘De Kibera com amor’. A vida na cidade de lata com quase dois milhões de pessoas é um pouco melhor para 75 crianças graças à ajuda desta sonhadora de 29 anos, voluntária portuguesa no Quénia

 

TEXTO: LUIS DE DEUS

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FOTOS: LUISA B. BRUNO E DR

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Marta Baeta sempre sentiu o apelo do voluntariado e há quase seis anos decidiu deixar uma provável promissora carreira na área das Relações Publicas e Ciências Empresariais, fazer as malas, com parcos apoios, e viajar milhares de quilómetros para ajudar crianças nos arredores de Nairobi, capital do Quénia.

Um país que conhecemos pela excelência dos seus parques naturais e do romance de Karen Blixen e da sua encantadora história levada ao cinema em ‘Africa Minha’.

Marta mergulhou no caos, na pobreza, nos conflitos tribais daquela que já foi uma das joias da coroa britânica. Aos 29 anos, confessa que na altura partiu com o sonho de “querer mudar o mundo”. Agora, está convicta que um dia Africa mudará se apostar na educação, a área de sucesso deste projecto humanitário de apadrinhamento particular.

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Kibera, com mais de dois milhões e meio de habitantes, é uma “cidade” de lata e muito lixo assolada por graves carências idênticas a tantas outras dos países do chamado Terceiro Mundo e da Africa Oriental.

Sozinha, vencendo o medo de um país que esteve há meses perto da guerra civil, e vencendo a hostilidade – até racial-, do Governo queniano, Marta conta com o apoio de trabalhadores e voluntários locais. De início foram 16 crianças e o projecto beneficia já 75 e 39 famílias.

 

 

O que leva uma jovem a abandonar o conforto de uma vida na área de lisboa e partir para um país assolado por problemas graves de pobreza e de insegurança?

Sempre fiz voluntariado em Portugal e decidi que um dia o faria no estrangeiro. Isso dependia de tempo e dinheiro e só no último ano da faculdade é que consegui ter essas duas coisas. Foi assim que conheci a AIESEC (uma plataforma de estudantes que se dedica a estágios profissionais e de voluntariado) e que através deles e conheci um projecto que havia no Quénia em que podia ser útil durante três meses.

 

Porquê Africa?

Foi mesmo pelo projecto. Podia ter ido para Africa como para a China ou América. Gostei do projecto, no meio de muitos milhares, era com crianças muito pequenas, e eu queria trabalhar com pessoas novas.

 

Não conta com apoios oficiais nacionais para esta missão?

Não. Contamos com apoios de pessoas individuais, particulares, grupos de amigos, de escolas que se juntam para nos apoiar, pequenas empresas, mas nada de apoios oficiais. Infelizmente não.

 

E como se processa essa captação de apoios?

Funcionamos principalmente com o apadrinhamento, porque cada criança tem as suas necessidades. Há crianças que precisam de mais apoio ao nível da saúde, da educação, criamos um elo de ligação entre os padrinhos e as crianças, outro para a alimentação, outro que assegura actividades extracurriculares e por aí fora.

As pessoas interessadas contactam-nos em função do valor que podem doar anualmente e fazemos o início do apoio. Depois há outras pessoas que são doadores fixos ou pontuais da nossa organização que vão fazendo donativos como um todo para o nosso projecto, para toda a logística que é necessária, para que as coisas funcionem de forma normal.

As redes sociais, o Instagram são uma ajuda e em breve penso que também através do nosso site.

 

Foi arregaçar as mangas, ajudar aquelas dezenas de crianças. Com que prioridades?

Primeiro, naqueles três meses começou por ser uma “brincadeira”. Pensei que ia mudar o mundo, claro que não mudei, e voltei porque achei que tinha que fazer mais. A educação estava em primeiro lugar, depois percebi, o estado de saúde das crianças, muitas delas estavam constantemente doentes. A alimentação também foi uma das prioridades. Depois vieram as actividades extracurriculares, as visitas de estudo, etc.

Dentro dessas acividades, há ballet, aulas de dança, acrobática, informática, natação. Envolvemos também as famílias. Temos um programa de microcrédito de apoio às mães, um grupo para o HIV/SIDA, um cabaz alimentar.

 

Como é que funciona a área da educação como prioridade?

A maioria das escolas de Kibera não são escolas qualificadas. Para as poucas crianças que iam à escola, a educação ministrada não era, de todo, a mais adequada e nunca iria permitir que saíssem de Kibera e tivessem uma vida melhor. Foi preciso coloca-las fora das escolas de Kibera ou nas poucas escolas boas e reconhecidas que há e que têm professores e seguem o currículo queniano. A partir dai foi dar-lhes outra solução de educação, para serem melhores pessoas, educação ao nível social.

 

No sector da saúde, requer pessoal especializado…

Tínhamos uma parceria com o hospital local para as crianças que estavam muitas vezes doentes, mas, desde que há quatro anos criámos um espaço nosso, e as coisas melhoraram em todos os aspectos, incluindo a situação das famílias, em consequência, a saúde das crianças melhorou. Não há uma parceria oficial. Quando há um caso de uma criança mais doente, um caso mais sério, vamos a um hospital particular. Mas no nosso centro temos uma farmácia, já sei utilizar a caixa dos primeiros socorros como se fosse uma enfermeira (risos) e é assim…

 

Há médicos voluntários a participar?

Sim. Por vezes recebemos médicos e enfermeiros de outras áreas, mas não podemos estar sempre dependentes deles, por razoes de disponibilidade. Temos que nos desenrascar.

 

Há muitas organizações não-governamentais (ONG) no Quénia e agências da Organização das Nações Unidas (ONU). Não vos apoiam?

Nem por isso! É impossível chegar a organizações grandes. Estão mais ocupados noutras coisas.

 

O número de beneficiários da sua missão tem vindo a aumentar não só as crianças, mas também os familiares. Que progressos têm sido registados?

Há muitos resultados ao nível comportamental, por parte das crianças e, principalmente, dos pais, que têm sido o maior problema. Nos últimos dois anos as coisas têm vindo a melhorar, ao nível das mentalidades. Resultados mais visíveis, só daqui a alguns anos quando as crianças entrarem na universidade, apesar de já termos dois alunos no ensino superior. Quem vê estas crianças já não diz que são de Kibera e que viveram numa barraca e muitas vezes pessoas que visitam o nosso espaço ficam admiradas e acham que nós não precisamos de ajuda… Porque as crianças estão limpinhas, têm roupa, sapatos, trazem mochila todos os dias. Mas é muito difícil, requer muito trabalho chegar a este patamar.

 

Sentiu que a sua missão envolvia riscos, para a sua segurança e a dos outros voluntários de ONG’s?

Já, nalguns momentos, mas nunca pensei em abandonar e e regressar a Portugal. É muito complicado fazer alguma coisa de forma legal no Quénia, especialmente porque eu sou branca e torna tudo mais complicado. Na altura das eleições [impasse nas presidenciais que já dura há um ano, com dois candidatos a reclamarem a Presidência], houve alturas mais complicadas, estivemos basicamente num clima de guerra e pensei que as coisas não iam correr tao bem como planeado. Mas, felizmente, vai correndo bem…

 

Com estas crises persistentes em Africa, subdesenvolvimento, pobreza extrema, conflitos étnicos, quem está há vários anos no terreno não partilha daquela visão dos pessimistas, de pensar que o continente está permanentemente à deriva?

No Quénia, o problema tem sobretudo a ver com o facto de as pessoas não terem acesso à educação e não serem instruídas. As pessoas seguem apenas o que diz o líder da tribo, sujeitas a aceitar todas as barbaridades que ocorrem diariamente – nem falo da política -, mas da vida em casa, da corrupção em todo o lado, as coisas que as mulheres aceitam que os maridos façam, etc. Isto tem a ver com a falta de Educação. A população é excessiva e isso também tem a ver com a falta de informação. Com educação qualificada, e não educação de favela ou rural, que não é de todo um exemplo, acho que muita coisa mudaria.

 

Este seu trabalho no Quénia tem sido apresentado em Portugal, designadamente nas escolas?

Sim, tenho ido promover o que faço em escolas, em eventos, em conferências e tentado mudar um bocadinho a mentalidade das crianças de Portugal, que são uns privilegiados por poderem estar a estudar. Já estive um pouco por todo o País. Contudo a maioria dos estudantes não se mostram muito interessados no assunto. Alguns professores sim, e ficam tocados e decidem fazer alguma coisa para ajudar.

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