Com esta crónica, concluem-se um total de cinco, sobre a passagem dos cem anos sobre o final da final da Primeira Guerra Mundial.
Concluo da melhor maneira, evocando com muita saudade, orgulho e satisfação, o meu Avô materno, o Avô Carlos.
José Carlos Ferreira nasceu em Vila Viçosa a 1 de Novembro de 1887.
As primeiras recordações que tinha da sua infância, e que contava recorrentemente, era em Vila Viçosa, sua terra natal, nos finais do século XIX. Aí a quinta de seus pais, localizava-se paredes meias com a Tapada Real. Daí que o Avô Carlos se lembrava de contactar de perto com a mãe do Rei D. Carlos, D. Maria Pia de Saboia, que era italiana e com o próprio Rei.
Todo este enquadramento contribuiu para incutir no Avô Carlos um profundo sentimento monárquico, que o acompanhou ao longo da sua vida.
O Regicídio era um episódio que contava com muita mágoa e tristeza.
Ainda jovem, seguiu a carreira militar, tendo sido colocado em Setúbal, no Quartel de Brancanes.
Com o deflagrar da 1ª Guerra Mundial, o Avô Carlos, já casado com a Avó Júlia e a residir em Setúbal, foi destacado para Angola, para os territórios do Sul, província de Kuando Kubango, que faziam fronteira com a Namíbia, na altura território ultramarino alemão.
Os soldados portugueses da ocasião, apelidavam aquelas terras de “Terras do Fim do Mundo”.
Foram as incursões dos alemães nos territórios do Sul de Angola, bem como o reconhecimento internacional de uma República ainda a tactear os seus primeiros passos, que determinaram a entrada de Portugal na Guerra.
O Avô Carlos era um contador de histórias exímio, relatando com muita precisão, quer no Espaço, quer no Tempo, episódios de Guerra.
Salientava que foi para Angola, por obedecer a ordens e ser um patriota. Não o fazia pela República, uma vez que era assumidamente monárquico.
Referia que via perfeitamente os soldados alemães, do outro lado da guerra, com os seus capacetes em ponta.
Fazia especial referência ao facto do armamento alemão ser muito superior ao dos portugueses. Estes, com maior astúcia, com a versatilidade característica e melhor adaptados ao clima, efectuavam raides nocturnos, constatando que estas tinham uma tecnologia muito superior à utilizada pelos portugueses.
Era um homem assumidamente colonial, defendendo a preservação do império. Vangloriava-se de sermos uma Nação do Minho até Timor.
Vitoriano indefectível, a ele se deve também a minha paixão pelo Vitória.
O Avô Carlos era um homem muito inteligente. Afirmava sempre que 1ª Guerra Mundial lhe tinha deixado marcas profundas, que perduraram toda uma vida, tornando-o uma pessoa muito reflexiva.
Referia muitas vezes que a Guerra significava a barbárie, o lado mais negro da natureza humana e que todo o militar devia estar sempre preparado para a evitar.
Nunca matou nenhum alemão, algo que repetia com indisfarçável orgulho.
O Avô Carlos era um Homem com um coração muito grande, inteligente, bom, afectivo, humano, possuindo um enorme sentido de família.
Procurou sempre transmitir a importância da palavra dada, da integridade, da honestidade e do carácter.
Nos últimos anos da sua vida, ficou cego; contudo, o espírito manteve-se sempre muito vivo e atento ao que o rodeava.
Foi condecorado pelos serviços prestados com a Cruz de Combatente da 1ª Guerra Mundial.
Quando faleceu, em 1978, o caixão estava coberto com a bandeira portuguesa, decorrente de ter sido precisamente um combatente da 1ª Guerra Mundial.
As pessoas nunca morrem completamente, enquanto permanecerem presentes no espírito e na memória daqueles que vão ficando.