A coragem de exigir a paz

A coragem de exigir a paz

A coragem de exigir a paz

6 Novembro 2023, Segunda-feira
Joana Mortágua

A ambição de acabar com o genocídio deveria ser o mais básico dos propósitos humanos, a ideia mais consensual e sensata da nossa sociedade. Estamos a ver em tempo real como há momentos em que exigir a paz e o respeito pelo direito internacional é um exercício de coragem. Só podemos estar do lado da ajuda humanitária e do cessar-fogo. Estamos do lado de quem tem a coragem de se levantar pela esperança e pelo fim do terror.

A ofensiva de Israel contra a Faixa de Gaza já fez mais de 9 mil mortos. Os Médicos Sem Fronteiras estimam haver 32 mil feridos em Gaza, dos quais 20 mil “com acesso limitado a cuidados de saúde devido ao cerco”. O cerco a Gaza está a privar mais de 2 milhões de pessoas de acesso à água, eletricidade, comida, remédios e a outros bens essenciais – desde o início do cerco apenas 34 camiões com ajuda humanitária conseguiram entrar em Gaza.

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Mais de um terço dos hospitais não estão a funcionar devido à falta de combustível e a danos dos bombardeamentos. Mais de 60 instalações das Nações Unidas foram destruídas e mais de 70 dos seus trabalhadores foram mortos. Há 1,4 milhões de pessoas deslocadas à procura de refúgio.

A UNICEF assinala que mais de 400 crianças são mortas ou feridas por dia desde 7 de outubro. Em apenas 3 semanas, morreram mais crianças em Gaza do que em todas as zonas de guerra no mundo desde 2019. Israel consolida-se como recordista no massacre de crianças.

Os números já terão aumentado desde a escrita deste texto. Não são meras atualizações em notas de rodapé. São memórias, famílias, costumes e vidas palestinianas.

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Perante a carnificina, António Guterres e as Nações Unidas têm recordado o óbvio: que até as guerras têm regras. Que não é admissível que se mate milhares de civis, que se faça um cerco que impede o abastecimento bens essenciais, que se bombardeiem escolas e igrejas onde estão refugiadas pessoas deslocadas de sua casa, que se matem jornalistas e trabalhadores da ONU ou que se despeje milhares de bombas, de forma indiscriminada, sobre a população de Gaza. Crimes de guerra são crimes de guerra e devem ser tratados como tal venham de onde venham.

Guterres tem apelado ao cessar-fogo e à ajuda humanitária a Gaza. A população civil não pode ser o alvo do exército de Israel nem tão pouco se pode admitir a punição coletiva dos palestinianos pelos bárbaros ataques perpetrados pelo Hamas.

Apesar de não reclamar nada mais do que o fim da violência sobre civis, António Guterres tem sido violentamente atacado pelo aparelho governativo de Israel. O embaixador de Israel nas Nações Unidas, Gilad Erdan, acusou-o de ter como prioridade “ajudar os terroristas” quando exigiu a abertura da fronteira em Rafah para a entrada de ajuda humanitária. Erdan instou ainda o secretário-geral da ONU a demitir-se, depois de este ter afirmado no Conselho de Segurança da ONU que os ataques do Hamas “não surgiram do nada”.

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Israel afirmou, entretanto, que iria reavaliar as suas relações com a ONU e a presença dos funcionários da organização no terreno. Anunciou também que vai negar vistos a qualquer representante da ONU, assim impedindo o acesso da organização às zonas de conflito.

Ou seja, perante a exigência de se pôr um ponto final às atrocidades em curso, Israel entra em confronto com a ONU. Seria uma caricatura, se não fosse perigoso.

Após o bombardeamento repetido de campos de refugiados na Faixa de Gaza nos últimos dias, o Primeiro-Ministro israelita, Benjamin Netanyahu, declarou que “nada vai parar” as forças militares israelitas, afirmando que estão a ser feitos “progressos impressionantes”.

Mesmo que apaguemos todo o contexto histórico da ocupação da Palestina, a escalada da violência por Netanyahu em resposta ao ataque do Hamas não é concebível. Nada justifica bombardear Gaza até à última pedra. A retaliação desmedida de Israel não é defesa, é pura vingança.

O Bloco de Esquerda apresentou um projeto de resolução para recomendar ao Governo o reconhecimento do Estado da Palestina, como já fizeram 138 dos 193 Estados membros da ONU. É um passo decisivo que tem de ser dado em nome de uma ação concreta pela paz. Não poderá haver uma solução pacífica sem o reconhecimento do Estado da Palestina.

Encheremos as avenidas pelo mundo fora em solidariedade com o povo palestiniano. Exigimos cessar-fogo imediato e ajuda humanitária a Gaza. Exigimos a condenação dos crimes de guerra perpetrados por Israel. Exigimos o fim dos apoios militares e financeiros dos Governos internacionais a Israel, rendidos ao negócio belicista. Exigimos vontade política para traçarmos o caminho para a paz.

Quantos mais palestinianos terão de morrer, ser encarcerados ou expulsos da sua terra? O povo palestiniano não deseja nada mais do que a paz e autodeterminação, com um desejo ardente de acabar com as anomalias da deslocação, da desapropriação e do exílio. Este desejo só pode ser partilhado pela comunidade internacional.

António Guterres tem razão: “Este é o momento da verdade. A história julgará todos nós”. O silêncio não pode imperar sobre o direito à vida e à dignidade. Há momentos em que exigir a paz é o maior ato de coragem. António Guterres tem tido essa coragem. Merece a nossa solidariedade perante os ataques violentos de que tem sido alvo por parte do Governo de Israel. E nós teremos a coragem de reverberar o grito da esperança e da paz.

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