Em busca do selo da Unesco, o grupo continua a construir o sonho. Prepara a renovação e adaptação da sede a novas actividades
No dia 8 de Agosto de 1968, num palheiro do “Chico Ferrador” e pela mão de um grupo de jovens, nascia o Rancho Folclórico de Praias do Sado, embora nessa altura o nome fosse ligeiramente diferente – Rancho Folclórico de Santo Ovídio/Praias-Sado”, para incluir também a localidade que fica já junto ao Faralhão. É que o palheiro do “Chico
Ferrador” era em Santo Ovídio.
Uns anos mais tarde decidiram mudar o nome para Rancho Folclórico de Praias do Sado.
Acácio Guerreiro, um dos jovens fundadores, continua a ser o presidente do grupo e apresenta-se como um admirador da cultura portuguesa.
Tendo-se mudado para localidade de Praias do Sado, aos 19 anos, juntou-se a um grupo de amigos para fundar o primeiro grupo folclórico criado no concelho de Setúbal. No início o objectivo era apenas o divertimento, contudo, assim que souberam que podiam ser federados, a motivação ganhou ainda mais força.
Passada a primeira década sem uma sede em condições, em 1979 o rancho comprou o terreno onde viria a construir o grande salão que passou a ser a sua casa, bem visível à beira da estrada junto às marinhas, nas Praias do Sado. As obras começaram logo
que foi formalizada a inscrição na Federação do Folclore Português no dia 19 de Outubro de 1983.
Para poder ser federado, a associação tinha de ter formação em Etnografia Folclórica, para depois conseguirem “evoluir com as danças e cantares da região”. De seguida, o grupo fez “uma recolha etnográfica desde onde o Sado é navegável até Setúbal, pesquizando
todos os usos e costumes, na área da gastronomia, da doçaria, das danças, dos cantares, das lendas e das mésinhas”. Foram até Rio de Moinhos, já no concelho de Alcácer do Sal.
O presidente sublinha que o portfólio das Praias do Sado inclui apenas músicas locais.
“Nós não dançamos nenhuma dança que não tenha origem na nossa região”, afirma Acácio Guerreiro acrescentando que o grupo resiste também a tentações de modernidade musical.
Moderna só querem a sede que, após 40 anos de uso, vai ser requalificada. As obras vão começar “em breve” e visam também ajudar a associação a diversificar a receita. A ideia
é permitir outros usos, incluindo alojamento a pensar nas famílias.
Qualquer música ou tema apresentado tem de ter uma longa pesquisa prévia. O mesmo acontece com os elementos etnográficos usados. “Usamos trajes de pescadores, varinas,
descarregador de peixe, mondinas, salineiras, tudo ocupações da região, de que fizemos trabalho de recolha”, refere Acácio Guerreiro.
Ao longo dos quase 55 anos, o rancho soma já uma longa lista de deslocações tanto em Portugal como ao estrangeiro.
Já estiveram no Festival de Jaca em Espanha, em várias cidades de França, como Paris e Beauvais, em 1985, Pau, em 1986, no Festival Mondial des Héautes Pirinées, nas Jornadas Folclóricas de Ourense, em Espanha, em 1994, no Festival de Folclore de Lisboa, em 1995, e na Feira Popular de Lisboa, em1996. Em 1990, o Rancho Folclórico de Praias do Sado foi premiado no desfile de trajes no Festival de Lisboa. Para o grupo foi uma distinção “muito
importante”, que ajudou a dar reconhecimento a grande investimento na indumentária dos elementos.
Os contactos com o estrangeiro continuam e integração internacional surge na forma de intercâmbios culturais. No dia em que a reportagem d’O SETUBALENSE esteve nas Praias do Sado, a sede servia de alojamento a um grupo folclórico do México. Nesse dia, os visitantes mexicanos tinham ido a Fátima, no autocarro do Rancho das Praias. Pouco antes tinha sido outro grupo de Espanha a pernoitar.
Em Agosto será a vez do grupo setubalense rumar a Espanha. No dia 5 de vão participar num festival CIOFF na Corunha. Os festivais CIOFF são promovidos pelo Conselho Internacional de Organizações de Festivais de Folclore e Artes Tradicionais, que é parceiro oficial da Unesco.
Em busca do selo da Unesco
Depois de federado, o rancho obteve o estatuto de Utilidade Pública, e o reconhecimento da Fundação Inatel, a direcção está a trabalhar, neste momento, na candidatura para a Unesco. No âmbito da Convenção da Unesco de 2003, e de, em 2020, a Federação
do Folclore Português (FFP) ter sido acreditada pela Unesco como Organização Não Governamental (ONG), os ranchos podem ser reconhecidos por esta agência das Nações Unidas.
É esse selo, que certifica o valor etnográfico e cultural, que o Rancho das Praias do sado almeja. Acácio Guerreiro destaca a importância da certificação da Unesco para o prestígio do grupo e também para abrir portas. “A nível mundial podemos ter mais contactos para eventos de grande qualidade”, refere o presidente.
O grupo envolve actualmente quase 40 membros, todavia no passado chegou a ter 60. O crescente desinteresse dos jovens pelo folclore preocupa o presidente, não pelo futuro do rancho, mas, sobretudo, pelos valores culturais que a actividade promove.
“Devemos ter sensibilidade e preservarmos aquilo que é nosso, porque, senão, daqui a pouco não sabemos quem somos. A nossa cultura e a nossa maneira de ser enquanto ser humano, de falar, aquilo que nós somos, a nossa identidade, não se compra aí. É por isso, que os grupos folclóricos existem.”, sintetiza Acácio Guerreiro.
Para tentar contrariar o alheamento dos mais novos, a associação colabora com inúmeras escolas, de vários ciclos, como o objectivo de difundir a cultura etnográfica da região e tentam atrair os jovens que possam ficar interessados.
Nascido e criado em Alcácer do Sal, este dirigente associativo tem na cultura da região do Sado a grande inspiração da sua vida. “Adoro o rio e a natureza, adoro folclore, teatro e marchas”, confessa Acácio que trabalhou, durante 20 anos, no departamento cultural da Câmara de Setúbal.
As marchas populares são a sua última ou mais recente actividade. O Rancho das Praias do Sado também participou, durante anos, nas Marchas Populares de Setúbal, tendo conquistado alguns prémios, mas agora já não participa, por cansaço dos marchantes.
“O rancho folclórico ensaia às sextas-feiras e as marchas populares tinham de ensaiar às segundas, terças e quartas-feiras e as pessoas não aguentavam”, explica o responsável
que, entretanto, há três, foi ensaiador da marcha do Bairro Santos Nicolau este ano foi ensaiar para Vendas Novas.