Pelos meus 16 anos tive o primeiro encontro com a ausência de liberdade ao constatar, numa visita ao Barreiro, que a liberdade de circulação estava condicionada.
De Setúbal, acompanhado por três amigos num velho Renault 4, deslocámo-nos ao Barreiro, cidade que não conhecíamos. Lá chegados, já no interior da cidade, fomos mandados parar por uma patrulha da GNR, que, sem razão que o justificasse, nos mandou sair da viatura, nos empurrou contra uma parede e nos submeteu a um longo interrogatório acerca das razões da viagem, bem como da nossa vida pessoal.
Não havendo qualquer motivo para continuar, a dita patrulha malcriadamente deu-nos “ordens” para regressarmos à nossa terra. Não o fizemos e com alguns cuidados visitámos a cidade.
No regresso, e estranhando que tal coisa nos tivesse acontecido, ficou combinado uma conversa com um vizinho que era apelidado de “comunista” e, por isso, mal visto. Logo no dia seguinte fomos a casa do sr. Bernardo, que nos recebeu com alguma surpresa, ouvindo atentamente a nossa aventura da véspera.
Terminada a descrição, brindou-nos o sr. Bernardo com uma interessante dissertação acerca do País, da ditadura, da polícia política, da miséria em que grande número de pessoas vivia e da resignação em que a população teria caído. Terminada a sua explicação, um de nós, não resistindo, perguntou-lhe: O senhor é comunista?”
Nova explicação do sr. Bernardo, dizendo que não o era e que tinha profundas divergências com eles, mas que no momento que se vivia a prioridade era a de unir esforços e lutar, em conjunto, contra a ditadura vigente.
Foi esta a nossa primeira “aula” de ciência política, na qual muito aprendemos, aprofundando as coisas que íamos ouvindo em casa e na rua, embora sem as valorizarmos.
Dois anos depois, frequentando o antigo 7.º ano no Colégio Frei Agostinho da Cruz, na primeira manhã de liberdade da minha vida, soube da sublevação militar do 25 de Abril, bem como da constituição da Junta de Salvação Nacional. Corri para a dita escola e lá chegado organizei uma reunião com os ainda poucos presentes e constituímos também uma Junta de Salvação, em nome e para defesa da Liberdade e da Democracia.
Naturalmente que entre a viagem ao Barreiro e o 25 de Abril de 1974 falámos com muita gente que queria um Portugal livre e democrático e lembro o meu pai, que se sentiu mais acompanhado, falando mais abertamente em casa da necessidade de sermos um País verdadeiramente livre e com justiça social.
Desta experiência, bem como da que se seguiu ao fim da ditadura, ficou claro na cabeça de muitos de nós primeiro que o comunismo não era de modo nenhum maioritário, antes pelo contrário, como ficou provado nas eleições para a constituinte e em todas as seguintes.
Ficou igualmente claro que os portugueses sempre quiseram viver em liberdade, em democracia e lutar por uma sociedade mais justa. E ainda que os militares de Abril, apesar das suas divisões internas, foram decisivos para o regresso dos militares aos quartéis e para assim podermos viver em normalidade democrática, com eleições livres e partidos políticos com forte cultura democrática que transformamos o País, desenvolvendo-o e conduzindo-o para a integração europeia de modo a dar-lhe modernidade e integrando Portugal num espaço e numa cultura únicas no mundo de liberdade e justiça.
Somos livres e queremos continuar livres.
Nunca mais nenhum jovem foi objecto de interrogatório só por se deslocar de uma cidade para outra. Temos problemas. Temos! Mas cabe-nos a obrigação de não deixar que esses problemas ponham em causa o essencial e que a construção da União Europeia como o espaço mais livre, democrático e justo que alguma vez foi vivido na história do mundo.
Temos corrupção é verdade, mas temos igualmente polícias competentes, Ministério Público preparado e tribunais aptos a lutar contra esse fenómeno que nos deve indignar e para o qual não pode haver qualquer tipo de tolerância.
Temos problemas no que respeita ao desenvolvimento económico, temos! Mas felizmente a sociedade já vai percebendo que o Estado não é o centro de tudo o que acontece e que criar condições para um melhor desenvolvimento das empresas é a chave para a criação de riqueza e a criação de mais e melhor emprego.
Temos incompetência por vezes onde menos se espera, promiscuidade entre os partidos políticos e a estrutura do Estado. Temos! Contudo, todos temos assistido à denúncia desta situação e desta forma começar a erradicar tais formas de governação.
Aos militares de Abril que nos deram de volta a democracia, aos partidos políticos que fizeram e fazem todos os dias a democracia e aos portugueses, que atentos denunciam e se indignam com aquilo que fere a democracia, o nosso respeito, admiração e confiança.
Viva o 25 de Abril!