Imagine que tudo o que conhecia e tinha por certo, desaparecia de um dia para o outro. A sua casa foi destruída, perdeu familiares, amigos e vizinhos; o seu local de trabalho ardeu; os seus meios de subsistência já não existem; da escola dos seus filhos restam destroços. Foi neste terrível pesadelo que se transformou a pesada realidade para tantos ucranianos.
Imagine agora que é mulher. Que os homens da sua família tinham viajado para longe, combatendo um inimigo que não escolheram e lutando para que, um dia, possam regressar às suas cidades e reerguer as suas vidas, livremente, num país democrático e independente.
Ficou para trás, viu-se forçada a sair do espaço que tinha como seguro, apenas com o que conseguiu enfiar nas poucas malas, com a roupa que traz no corpo, sem forma de explicar às crianças o que está a acontecer, ou de lhes garantir que, um dia, tudo vai voltar a ser o que era, porque ninguém acredita que assim será tão cedo.
A poucos dias de comemorarmos o Dia Internacional da Mulher, com festas, concertos e jantares, é justo lembrar que este é o drama enfrentado atualmente por muitos milhares de mulheres ucranianas.
Algumas juntaram-se aos homens, pegaram em armas e foram defender a terra que é sua e que ninguém deveria ousar tomar pela força. Outras viram-se obrigadas a sair das zonas devastadas em busca de auxílio em regiões menos afetadas por bombardeamentos, outras ainda, saíram do seu País, procurando ajuda para continuar a sobreviver longe de casa.
Cabe-lhes a difícil tarefa de tornar a vida dos filhos menos infeliz, de os continuar a educar num meio diferente, desconhecido e transitório, de lhes transmitir conforto quando dificilmente o sentem em si próprias.
São o porto de abrigo de toda uma geração de ucranianos que, mesmo que a guerra acabasse amanhã, ficará para sempre marcada pelo seu horror, pela privação, pelo desespero – quando não pela própria morte, pois muitas crianças ficaram já feridas ou pereceram e outras perderam pais e irmãos – numa tragédia absolutamente desnecessária.
Como um dos povos que acolhe estas famílias desamparadas, cabe aos portugueses o papel de, dentro das suas possibilidades, facilitar e tornar menos penosa a vida destas pessoas, a começar pelas crianças, recebendo-as de braços abertos nas escolas, nos serviços públicos, nas nossas terras, onde quer que estejam.
Desde 24 de fevereiro de 2022, já morreram pelo menos 7.155 civis e perto de 12 mil ficaram feridos. Estima-se que sejam cerca de seis milhões os ucranianos deslocados no interior do seu País e mais de oito milhões os que tiveram de fugir para outra nação europeia. Este êxodo é classificado pela Organização das Nações Unidas como a pior crise de refugiados neste continente desde a II Guerra Mundial.
A Unicef calcula que 1.5 milhões de crianças estejam em risco de depressão, ansiedade, stress pós-traumático ou outros problemas com consequências imediatas e nas suas vidas futuras.
A Portugal, chegaram 14.265 menores, 737 dos quais sem acompanhamento parental. Estão já matriculadas nos nossos estabelecimentos de ensino perto de cinco mil, estando um número relevante a usufruir de ensino à distância, por opção familiar.
Efetivamente, no último ano, o nosso País concedeu mais de 58 mil proteções temporárias a cidadãos ucranianos e a estrangeiros que residiam na Ucrânia. Destes, a esmagadora maioria – 47.377 – possui já documentação necessária para poder procurar trabalho ou aceder a apoios aplicáveis.
Do total, 33.900 são mulheres.
Para estas e para as que permaneceram no seu País, faço votos que o próximo dia 8 de março, seja de esperança, mas também de solidariedade e admiração pela força e resiliência com que têm enfrentado esta brutal mudança nas suas vidas.