Mata de especulação

Mata de especulação

Mata de especulação

14 Fevereiro 2023, Terça-feira
Joana Mortágua

Em Sesimbra travam-se várias lutas. A luta pelo direito à habitação. A luta pela justiça climática. A luta pela transparência nos órgãos da democracia local. A luta contra a corrupção económica. Lutas que culminam num movimento popular para travar a maior operação urbanística da Área Metropolitana de Lisboa desde a Expo 98: um megaprojeto turístico-imobiliário na Mata de Sesimbra.

Em 2008, a Câmara Municipal de Sesimbra aprova um plano de pormenor que dá forma a um projeto de urbanização turística em 130 hectares entre a EN378 e a Herdade da Ferraria, terrenos da Pelicano, devedora e membro da rede do Grupo Espírito Santo.  O empreendimento, Greenwoods Ecoresort, era também detido em 50% pela Espart, outra entidade do GES.

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O projeto prossegue, com financiamento previsto do BES em 1.100 milhões, resultado de um acordo entre a Pelicano e o Estado, por via de Isaltino Morais, então Ministro das Cidades e Ordenamento do Território. Graves suspeitas de uma operação da Greenwoods que terá resultado na perda de 200 milhões para o Banco Espírito Santo, a posterior queda do BES e a crise financeira de 2011 suspenderam o empreendimento.

Em 2021, o Ministério Público avança com uma investigação sobre uma propositada sobrevalorização do empreendimento e o processo de concessão de crédito. O empreendimento turístico foi avaliado em 70 milhões quando foi transferido para o Novo Banco em 2014 e o contrato de promessa de compra e venda fez-se por pouco mais de 20 milhões de euros. O Novo Banco terá tentado, desde então, vender este ativo tóxico, sem sucesso.

Em dezembro de 2020, é formada a Magna Woodlands — Eco Resort Developments, uma sociedade anónima com um capital de 50 mil euros. A 12 de outubro de 2022, a Câmara Municipal de Sesimbra aprova a celebração de um contrato de urbanização com a sociedade. Um contrato para a edificação de 18 mil camas, distribuídas por três aldeamentos, incluindo um hotel, em 650 m2 da já infame zona sul da Mata de Sesimbra.

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Um contrato no qual a Woodlands assume compromissos superiores a 12 milhões de euros, apesar de ser uma sociedade sem histórico de atividade.

Um contrato realizado em vésperas da aprovação da revisão do Plano Diretor Municipal de Sesimbra, que prevê uma redução da área de construção na zona da Mata de 700 mil para 350 mil m2. O novo PDM pretende condicionar a dimensão e a concordância dos planos de pormenor e restantes operações de urbanização às novas regras em vigor, mas a autarquia pretende aliviar os promotores do cumprimento destas obrigações.

Um contrato que estabelece uma caução de 6,6 milhões para projetos e trabalhos de obras de infraestruturas gerais exteriores. Isto é, transfere-se para os munícipes o encargo de conservar e reparar as infraestruturas privadas.

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Um contrato para um empreendimento que, apesar do seu enorme impacto urbanístico, não foi objeto de consulta pública. Um projeto megalómano que equivale a uma rua de 1,5 km com prédios de 4 pisos de cada lado.

As avaliações de 2008 sobre o impacto ambiental do empreendimento, com fortes condicionantes e regimes de proteção, face à gestão da área protegida e as pesadas infraestruturas necessárias para a sua concretização, tinham validade até 22 de novembro de 2022. A autarquia correu com este processo, colocando em causa um conjunto de ilegalidades, de inversões dos processos de licenciamento municipal, o impacto ambiental, o planeamento urbanístico e os interesses da população. É ainda inimaginável o grave efeito especulativo que este projeto terá, especialmente no distrito que sofrido um dos maiores aumentos do custo da habitação em Portugal.

Um grupo de cidadãos avançou com a entrega de um processo no Tribunal Administrativo de Almada, reivindicando a anulação do contrato. O Ministério Público já reconheceu a magnitude da situação, afirmando a necessidade de defesa da legalidade. O processo já foi aceite.

Este investimento valoriza apenas os direitos adquiridos dos promotores privados, prolongando a vida de um projeto muito contestado desde o momento da sua criação. Um projeto que se marca pela filosofia de ocupação do território sem qualquer preocupação com a sustentabilidade ambiental, pelo desrespeito pelos regimes jurídicos e pela transparência, e pelo aproveitamento onda de especulação imobiliária de 2007-09, ela própria geradora da grave crise financeira e da grande recessão que lhe seguiu. Não é esta visão que o Bloco de Esquerda tem para Sesimbra.

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